segunda-feira, 9 de julho de 2007

Texto 2, Cultura


QUESTÕES PARA DISCUSSÃO:

1) Ao evangelizar, quais os resultados que você espera dos alunos?

2) Quais os limites entre argumentar, propor e impor uma idéia?

3) O que você entende por educar ?

4) A postura questionadora, crítica está ligada à postura transformadora? Como?

5) Qual deve ser a política espírita ao exercer suas atividades assistenciais com não espíritas? Fazer prosélitos ou simplesmente auxiliar?

bRiNcAnDo de antropólogo

O texto que vem falar não é para definir cultura mas para dizer que a cultura é uma conseqüência da sociedade e das implicações de sua diversidade na multiplicidade de contatos vividos atualmente.

Teorias pedagógicas de autores de orientação marxista como Piaget e Vygotsky classificam o desenvolvimento da criança relacionando-o diretamente às habilidades mentais ou processos psíquicos favorecidos pelo conhecimento formal. Ambos baseiam-se na “concepção de um indivíduo que atua na construção de seu conhecimento”(Lima, 1990:15) buscando, por isso mesmo conduzir o educando a uma atividade mental independente e autônoma em relação aos estímulos exteriores. Contudo, Piaget subordina o desenvolvimento psíquico ao desenvolvimento físico, enquanto Vygotsky enfatiza a importância das interações sociais, ou melhor, a criança só se desenvolve e aprende através do convívio com outras pessoas, aplicando a máxima de que o homem é um ser social. Outro autor, com discurso parecido, de sobrenome Charlot, escreve sobre uma concepção de ser humano eminentemente antropológica, como veremos a seguir. Para ele o ser humano, diferente dos outros animais não é tudo que deve ser pelo instinto, deve tornar-se o que deve ser: “nascer é estar submetido à obrigação de aprender” (Charlot, 2000:51). Mais que isso, afirma que a criança não a aprende se não quiser mas se quiser só aprende em sociedade –a causa de sua sobrevivência é adentrar neste mundo da cultura pré-existente. A condição humana é o vazio constante de completar-se evidenciado na Lei de Progresso. “O homem é um ausente de si mesmo. Carrega essa ausência em si, sob forma de desejo” (Id., 2000:52) Ah! E cabe a ele definir sua própria conduta. Daí, desse livre arbítrio, provém a diversidade das culturas humanas. É essa dimensão, a dimensão do desejo, que o aproxima dos demais autores pois seu esforço é o de mobilizar os alunos no processo de aprendizagem, no ato de conhecer. É preciso despertar o desejo. O método dialético, originado da apropriação dessas elaborações construtivistas baseia-se justamente na aproximação da situação ensino-aprendizagem daquilo que considera o mecanismo essencial da produção do conhecimento humano ao longo da história (ou seja, aproximando processos sociais de processos mentais): a necessidade é a mãe da invenção, o conhecimento só se origina pela colocação de um problema, um obstáculo. Para despertar o desejo deve-se gerar contradição entre representações, idéias e conceitos e a realidade, produzindo a necessidade ou demanda pelo conhecimento. Todo esse processo exige uma comunicação recíproca entre professor e alunos em que as ações de ambos repercutem resultados mútuos, conjugando emissão, recepção e resposta, além de uma relação professor-aluno menos autoritária e mais próxima. As operações mentais estimuladas no trabalho pedagógico são fundamentais para a identificação do que vem a ser a autonomia defendida por Piaget e Vygotsky. Estas são classificadas como inferiores –recordação, reconhecimento e associação e superiores –comparação, levantamento de hipóteses, crítica (busca das causas, origens), síntese, análise (abstrair, isolar elementos, compor totalidade, construir representações mentais que compõem o objeto de conhecimento), aplicação de conteúdos a diferentes situações fora do contexto de ensino. Daí perguntar-mo-nos sobre que tipo de comportamento nossa ação irá provocar nos alunos: mais passivo, priorizando a recepção/absorção pura simples ou mais ativo –que tipo de operação mental estamos solicitando/acionando/exigindo?

Por isso a definição do educador como aquele que ensina a pensar. Mas, quais as conseqüências sociais desse tipo de ensino? Já disse Paulo Freire, com sua pedagogia da autonomia, que ensinar é um ato político –pensemos nisso no caso da evangelização. Despertar o desejo requer também imersão na vida das crianças, para que possamos mais que entender (racionalmente), mas também compreender (sentir) seus problemas e demandas intelectuais e emocionais. O desejo de aprender não vem somente da descoberta do “não sei”, vem da produção de sentido e da atribuição de significado. Para que tais fenômenos aconteçam a distância entre o que se ouve na aula e o que se vive deve ser reduzida, transpondo a moral evangélica para a familiaridade do morro, da periferia. Foi o que um aluno de sexta série fez, em 1994, ao ser solicitada um paródia de clássicos da literatura infantil, pela professora de redação. Ele escreveu uma história chamada Cinderela do morro, que, infelizmente, nunca tive oportunidade de ler. É preciso que a moral evangélica faça parte de suas vidas (a relação que produz o significado, unindo a teoria à prática) que ela tenha fortes justificativas (o sentido). Porém, não podemos esquecer que conhecer não é só utilidade ou saber para que serve, é integrar-se ao mundo, imergir um pouco mais no espírito humano.

Já ouvi de histórias de evangelizadores que foram dormir com seus alunos nas ruas, conviver com eles, visitar suas casas. Eles agiram como antropólogos sem saber! Eles mergulharam no contexto cultural que lhes era próprio, desvendando que não há liberdade absoluta, principalmente diante de condições tão difíceis e acontecimentos tão duros. Mas por quê? Antrópologo tem um negócio chamado de observação participante no qual procura vivenciar a cultura alheia como se fosse membro dela. Ou seja, se tiver pagode no bar e ele(a) não souber sambar, vai lá, assim mesmo, “pagar o mico”. Se tiver baile funk ou churrasco ele(a) procura falar, vestir, se comportar e estar na turma como qualquer outro. Para familiarizar-se com o estranho e estranhar o familiar (que é sua cultura de origem, seus próprios hábitos, formas de pensar e agir). É um movimento de sintonia perseguido pela experiência. Entretanto, um antropólogo, por mais que participe, jamais será como um nativo da outra cultura tanto quanto é nativo daquela em que nasceu, a observação participante é uma ocasião provocada artificialmente.

No caso específico da evangelização o objetivo é produzir empatia através da experiência compartilhada e elaborar os conteúdos de forma que eles possam ser apropriados pelas crianças –com a mediação indispensável de suas interações sociais e seus desenvolvimentos psicológicos. Quebrar a barreira existente entre as diferentes classes às quais geralmente pertencem evangelizadoras(es) e evangelizandos.

Fernanda Flávia

Observação: texto escrito para discussão no "Seminário Acolher e Semear, levando o Evangelho a crianças de periferia", realizado no Grupo Fraterno Irmão Eustáquio, no dia 2 de maio de 2004. Rua Turfa, 59, Prado. BH-MG. A figura foi desenhada por mim como proposta de logotipo para o Grupo.

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