segunda-feira, 9 de julho de 2007

Texto 1, favela

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO:

1) Lembrando da máxima doutrinária: “Fora da Caridade não há salvação”, qual é o papel do movimento espírita diante do problema favela, inclusive na evangelização?

2) Sabemos que a Igreja católica, igrejas protestantes, pentecostais e neo-pentecostais possuem forte atuação nas instituições políticas especializadas. O que você pensa a respeito da atuação das mesmas e qual é o lugar do espiritismo nesse contexto?

3) Qual(is) a(s) idéia(s) que você possui das pessoas que moram nas favelas em relação à sua situação espiritual e ao seu ambiente?

4) Além de participação política nas esferas formais as igrejas, como a católica, envolvem-se em movimentos sociais (também políticos) como as missões jesuíticas, o “Deus, família e propriedade” (antes do Golpe de 64) ou a teologia da libertação. Diante disso e através de seus conhecimentos prévios, faça uma comparação entre a atuação católica e espírita.

5) Como conciliar o ideal cristão de família universal e as particularidades culturais?

Fa-ve-la

Morros e “abismos” políticos

A favela como tantas outras propostas de intervenção constitui historicamente um efeito inesperado da política do branqueamento, praticada pelos republicanos no início do séc. XX com o objetivo de aproximar o Rio de Janeiro do estilo das cidades européias.

A disparidade entre teoria e dinâmica social era tanto maior quanto maior o contraste dos morros com o ideal de urbanidade, gerando a concepção da favela como problema sanitário, como corpo estranho a ser extirpado ou uma espécie de doença social que passou a construir a imagem que se tinha e existe até hoje sobre seus moradores. Importante é demonstrar que, certos aspectos geográficos e organizacionais da arquitetura dos morros foram transpostos automaticamente para sua cultura e traduzidos em uma concepção preconceituosa do ser humano, revelando de maneira drástica a capacidade que valores difundidos socialmente possuem de intervir nos acontecimentos, criando e reforçando a relações de exclusão/inclusão entre estabelecidos (moradores dos bairros) e outsiders (moradores das favelas). Percebe-se então que a proximidade geográfica nem sempre corresponde à proximidade cultural embora, a despeito das negações, ocorressem contatos constantes entre favelados e membros das classes médias, alta e mesmo policiais –atestando que a favela é e era parte da cidade- nossa primeira contradição (imagem dicotômica entre cidade e favela, refinamento e selvageria X Interações sociais ou convívio entre diferentes classes sociais).

A criatividade cultural e política, a capacidade de luta e organização dos favelados revelou-se a partir da expulsão das populações pobres dos cortiços, fazendo prevalecer especificidades como a capoeira e com que surgissem outras, como o samba e as escolas de carnaval. Isso desmonta qualquer idéia de que seja necessária uma pedagogia civilizatória ou lavagem cerebral mediante mecanismos de manipulação ideológica, baseada em ilusória superioridade cultural. É preciso desmontar essa imagem de escória e de coitadinhos arraigada durante décadas e estabelecer distinção entre fórmulas de conduta individuais (moral) e a diversidade cultural a ser respeitada –esta não pode ser reduzida à primeira, incapaz de resolver por si só e de forma prática, os problemas sociais.

Favela era problema sanitário e de polícia, o lugar por excelência da desordem aos olhos das instituições e dos governos. Em seu artigo, Burgos revela as concepções da favela e dos favelados em jogo nas políticas públicas de intervenção dos parques proletários e mais tarde, do favela-bairro. Vamos sumariar 50 anos de história: a proposta dos parques operários surgiu na década de 40, durante o Estado Novo, no Rio de Janeiro capital. Foi uma abordagem sanitarista, autoritária e de caráter excludente confirmando e fortalecendo a ausência de direitos sociais e políticos para a população dos morros –cujo analfabetismo não lhes permitia votar e o trabalho fora do mercado formal não conferia direitos sociais. Este autor demonstra que o assunto era tratado como um problema moral e um problema político, começando pela atuação da igreja católica com a fundação Leão XIII, no intervalo entre 1947 e 1954. A experiência de remoção forçada para moradias de baixa qualidade nos parques proletários e os controles invasivos das liberdades individuais constituiu estímulo a mobilização política dos moradores, criando comissões e associações, elaborando a identidade do favelado. As intenções da Igreja eram de cristianização, persuasão, ao invés de coerção, além de incentivo a essa vida associativa nascente, através do diálogo e da compreensão, em vez de conflito político. Era ambígua sua postura, pois seu assistencialismo neutralizou a luta pelo acesso a bens públicos, colocando no lugar da crítica, a resignação. Tudo isso redundou na cooptação das lideranças das favelas onde atuava a fundação, ou seja, passaram a ser intermediários entre o governo e os favelados, não intermediários entre os favelados e o governo.

O fim das políticas remocionistas (a favela nem fazia parte do mapa da cidade em 1937) teve por mola propulsora o projeto pioneiro de urbanização da Codesco (Companhia de Desenvolvimento de Comunidades), elaborado por volta de 1968, com uma abordagem mais ampla do problema favela, reunindo arquitetos, economistas e sociólogos, defendendo: “a posse legal da terra, a necessidade de deixar que os favelados permanecessem próximos aos lugares de trabalho, e a valorização da participação dos favelados na melhoria dos serviços públicos comunitários e nos desenhos e construção das próprias casas” (Burgos, 2003:35). Sua tentativa foi abortada por nova onda remocionista e a resistência dos favelados continuou, através da Fafeg (federação de favelas cariocas). O Favela-Bairro surge na década de 90, acelerando a canalização, serviços de água, luz, esgoto e pavimentação nas favelas. Porém o autor considera que, pior que o déficit de direitos sociais referentes à infra-estrutura são os déficits de direitos civis e políticos. Em 1990, por exemplo, apenas 3,7% dos domicílios em favelas possuíam títulos de propriedade.

Percebemos ao longo desta descrição o quanto idéias pautadas pelo preconceito etnocêntrico e pela naturalização de posturas (do tipo: “as pessoas moram na favela porque querem”) são cultivadas socialmente, constituindo base para elaboração de condutas e legitimação das ações governamentais ou religiosas (nos casos mencionados). A favela vista como lugar do subumano, covil de bandidos e da imoralidade contribuiu para apartá-la politicamente do contexto da cidade e, portanto, da cidadania, pois tomou a forma de uma atitude de recusa e eliminação do estranho e do indesejado, embora ocorresse o movimento contrário pela inclusão das escolas de samba no programa oficial do carnaval ou pela chegada da capoeira ao asfalto (culturalmente). Esquecendo que a favela é um problema civil, político, social, urbano, sanitário, moral e penal (pelo mercado das drogas ilícitas), nenhum deles, isoladamente. Gera paradoxos sociais e sociológicos, dilema entre a esfera pública e a esfera privada.

Fernanda Flávia

Observação: texto escrito para discussão no "Seminário Acolher e Semear, levando o Evangelho a crianças de periferia", realizado no dia 2 demaio de 2004, no Grupo Fraterno Irmão Eustáquio. Rua Turfa, 59, Prado. BH-MG.

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