sábado, 26 de dezembro de 2009

Aqui, agora, hora de partir

Sem dor não há crescimento, ou desconhecemos outro caminho?

A dor da hora, da hora de partir
a dor do vazio, do vazio de não viver
a dor da história, do passado já ser
a dor da mora, do futuro não vir
a dor do agora, do agora não crer

Partir os laços
juntar os pedaços
arrumar a cama
deixar a lama
pisar na grama
deitar no céu

Só quem sangra ama
ou sai do papel

Nada espera
desespera
corre e anda no fel

Que fazer?
A vida é música
Deus é maestro
A vida é rio
Deus é leito
A vida é vento
Deus é temperatura

Às vezes danço a música
ora fico parada
e sempre, sempre me perco no vento

Deus é autor
criatura co-autoria

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Uma agressão que se segue a uma anterior nem sempre é legítima defesa

Se não fosse pela história social de desigualdade de poder entre o homem e a mulher na maior parte das sociedades o feminismo jamais teria surgido. Existe o feminismo grosseiro e o feminismo sério. Muitos homens se utilizam a crítica ao feminismo grosseiro para justificar o próprio machismo. É muito fácil do alto da sua condição de macho desqualificar um discurso de oposição como se os motivos do feminismo –a dominação patriarcal- não tivessem existido em nenhum momento e sim a simples superioridade masculina.
Há muita confusão em torno do feminismo. Uma delas é o discurso que procura suprimir as diferenças entre os homens e as mulheres ou reduzi-las à diferença física. A diferença física ou sexual é apenas um ponto de partida. Isso é demonstrado pelas diferenças culturais da construção do que é ser homem e do que é ser mulher. Por isso conceitualmente chamam-se essas relações de relações de gênero e não relações de sexo, por se referir às construções sociais em torno dos sexos.
O feminismo sério não trata de inverter os pólos das relações colocando as mulheres em posição superior à dos homens. Esse é mais um equívoco que não me deixa esquecer a frase “viva as diferenças, mas com direitos iguais”. Aceito que digam haver bobagens no feminismo, mas não aceito que digam ser o feminismo uma bobagem.
Contudo, não se pode eliminar as diferenças físicas e até mesmo psicológicas das relações sociais de gênero. Parte-se do princípio de que um homem não pode agredir uma mulher pelo diferencial de força existente entre os corpos masculinos e femininos. Em geral uma mulher não pode rivalizar com um homem, tanto que as modalidades de competição esportiva são separadas por sexo. É claro que uma mulher também não deve agredir um homem, mas a partir do momento que ela faz isso, justifica-se ao homem também agredi-la? Independente dos sexos a filosofia e muitas lutas orientais pregam a defesa, não a agressão. Se puder imobilizar o agressor e impedir que ele continue a me machucar, para quê vou machucá-lo também? A não ser que estejamos à base das penas de talião essa postura não condiz com o Estado Democrático de Direito nem com o papel de uma instituição (a Polícia Militar) que deve prevenir e reprimir a violência, não gera-la. Vivemos sob a Constituição de 1988 ou sob o Código de Hamurábi? Infelizmente as leis não são perfeitas e existe uma distância entre elas e a realidade...
Uma instituição militar detém o monopólio do uso da força estatal. É um grande poder que traz o dilema de como e em que situações utilizar a violência. Tenho a impressão de que esse dilema jamais será superado, mas deveria ser pelo menos enfrentado e não se perder em cogitações e preconceitos históricos ou deixar-se dominar pela cultura institucional arraigada.
O tema é polêmico e não sou estudiosa, mas tal condição não me impede de falar. Um homem em geral pode levar muitos tapas e pontapés de uma mulher e continuar de pé, mas uma mulher facilmente pode levar apenas um soco de um homem e cair inconsciente. É uma covardia, é desproporcional. Existem mulheres que podem rivalizar com um homem e bater tão bem quanto apanhar? Sim, mas se não estiverem em jogo a força e o tamanho, estão a técnica e a agilidade, ou seja, coisa para poucos(as).
A tendência de uma classe ou instituição detentora de um poder distinto e que se eleva sobre o restante da sociedade é justificar esse poder alegando superioridade natural, moral, intelectual ou técnica. Essa justificativa busca a legitimação do poder ou seu reconhecimento como certo e apropriado para determinado grupo de pessoas. Esse fenômeno faz parte da dinâmica social, mas pode ser muito perverso e justificar, além do uso, o abuso do poder. A disciplina e a ordem podem alcançar o totalitarismo e apagar a chama da crítica, da reflexão humana. Sem divergências e dúvidas não há democracia. A leitura de Michel Foucault nesse sentido é esclarecedora.
Talvez haja um grave problema de perspectiva... Nossas instituições militares são democráticas? Pode uma instituição militar ser democrática?

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Reflexões...


Um dos segredos da vida é sofrer e não se tornar uma pessoa pior.


Não é obrigando alguém a fazer algo que mostraremos ser esse algo importante.


Quem tem pena é galinha, quem tem dó é nota musical.


Quem fica parado é preguiça, quem vive no passado é ópera.


O intelecto pacificou a humanidade. Mas chega um ponto em que, o que impede um ser humano de matar outro não é a lógica, é a moral.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Quem a gente pensa que é

A religião é excludente. A religião é um grupo de pessoas que se julga melhor porque acredita em x, y, z e todas as outras pessoas não. Por que afinal tudo que a religião traz de bom para os fiéis torna-se tudo de ruim quando a questão é lidar com a diferença? Quando a questão é lidar com quem pensa diferente ou com quem não é da mesma religião? Porque a religião é excludente. E a exclusão pode não resultar em nenhum conflito quando estão todos em seus devidos lugares, mas é potencial quando se trata de manter os fiéis na canga, quando se trata de vencer no mercado religioso. Até mesmo para os espíritas que se dizem não-proselitistas.
Este texto começou numa conversa inocente em que me vi diante da pequena, mas nem por isso inocente, ilusão dos espíritas ao se acharem cristãos. Ora, os espíritas não são cristãos, não acreditam que Jesus é o redentor. Ora, os espíritas não são cristãos, não acreditam que Jesus é o Deus vivo ou a presença de Deus na Terra. Claro, mas, puro detalhe, os espíritas kardecistas brasileiros construíram toda sua religiosidade, todas as suas práticas religiosas sobre os ensinamentos de Jesus, os evangelhos. O judaísmo não é todo baseado nos ensinamentos de Jesus, o islamismo também não. Conceitualmente falando, vale a pena para um sociólogo sustentar que os espíritas não fazem parte da parcela cristã da sociedade brasileira? Creio que não. Mas para a teologia católica, para a teologia calvinista, etc. ó sim, faz muito sentido. Água e óleo não se misturam. Contudo, parece-me que dizer que os espíritas não são cristãos, apesar de se identificarem como tal e de professarem os ensinamentos de Jesus, é uma arbitrariedade próxima a dizer que o budismo não é religião porque os budistas não acreditam em Deus.
Outro dia, lia um jornalzinho de igreja tal, falando sobre o Sudão. Tudo ia bem até ler mais ou menos que o país já teve maioria cristã, mas que hoje os cristãos vivem espremidos entre os muçulmanos e os ignorantes “apesar de bem intencionados” “cultos demoníacos” (as religiões tribais). Em seguida reclama-se que o Estado é islâmico, baseado na sharia (parte do alcorão) e que há pouco espaço para os cultos cristãos. Além disso as tribos ficam matando umas às outras. Pobre do Sudão, vamos “orar” por ele. Ah! Então quer dizer que se o Estado fosse cristão estaria bom? Ah! Quer dizer que os que “cultuam demônios” são bem intencionados, mas estão errados? Ah! Quer dizer que os muçulmanos, apesar de reprimirem os cristãos, têm um baita de um desconto no preconceito porque são monoteístas e não invocam espíritos? Ah! Quer dizer que os cristãos devem ir lá, converter os adeptos dos “cultos demoníacos” para Jesus porque senão eles vão para o inferno? Engraçado, pensei que Deus não fosse propriedade de ninguém.
Foi exatamente esse argumento que gerou o assassinato de mais da metade da população indígena da América Latina na época da colonização e as missões jesuíticas, que pelo menos mantiveram alguns índios vivos. “Converter para salvar”. Não seria melhor ter a Igreja ao lado da Taba e deixar que as pessoas escolhessem uma das duas?
Como se não bastasse, o intercâmbio musical entre a cliente e a manicure foi contaminado: a manicure entrega os CD’s para a cliente sem a capa. Imagina a cliente, provavelmente com perspicácia, que é medo. Medo de que a cliente possa fazer alguma “macumba”, pois é espírita. Contudo, o interessante é que a cliente foi espírita kardecista, e os espíritas kardecistas “não fazem macumbas” nem para o bem, nem para o mal, pois segundo sua crença “respeitam a vontade de Deus e dos seres humanos”. Apesar disto, mesmo que a cliente fosse da umbanda ou do candomblé não praticaria nenhuma mágica desejando bem ou mal para a manicure, primeiro por não desejar-lhe mal, segundo por ver na manicure uma descrente. E no final das contas parece-lhe que nem mesmo há razão para tamanha prevenção, tamanho preconceito, já que a magia negra (a que se dá o poder de desejar o mal para alguém) é própria apenas de um pequeno grupo, chamado quimbanda. De qualquer jeito, acho que é hora de dar um fim ao intercâmbio, não dá para sofrer preconceito voluntariamente.
Os religiosos defendem suas respectivas religiões. Como boa liberal, digo que está certo, eles têm esse direito –desde que não se matem por isso, nem obriguem ninguém a crer junto com eles, nem humilhem alguém por não crer junto com eles... (Quando isso acontecerá???).Todavia, também como boa liberal, defendo outra coisa que julgo seria bem melhor para toda a humanidade: Abaixo a religião. Viva a liberdade, a igualdade e a fraternidade. A religião nunca foi plural, é inverossímil esperar que no futuro seja.
Essas histórias só ilustram alguns motivos para indignação. A revolta portanto, surge do fato de que todo o preconceito, todas as atrocidades cometidas em nome de Deus, de Jesus, da bíblia... Nascem simultaneamente da ignorância e desse “achar-se melhor que o Outro” ou achar-se o “dono da verdade”. Talvez só varie o tipo de massacre, ou ideológico ou físico, ou qualquer outra coisa muito bem intencionada que se possa inventar. Eu não pertenço mais à religião alguma pois não sou melhor que ninguém por causa de Cristo, Confúcio, Buda, Moisés ou Maomé ou qualquer outro adjetivo laico, cultural ou religioso. Mas a gente sempre pensa que é.