segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Relações reais e práticas entre a Sociologia e a Psicologia

Marcel Mauss
(1924)

Introdução

Este texto provém de uma comunicação apresentada na Sociedade de Psicologia francesa. Nela, Mauss elaborou um trabalho de revisão das comparações feitas entre as duas disciplinas.
A justificativa para este trabalho é a mesma deste mini-curso, estes balanços são úteis de vez em quando, ainda que bastante modestos em relação aos labores da invenção científica.
Em um momento em que muitos reconsideram as especializações e de valorização da interdisciplinaridade.
O objetivo de Mauss não é uma reflexão filosófica, a defesa da psicologia ou da sociologia. Para ele isso é desnecessário, naquela época ambas disciplinas já estavam consolidadas como ciências.
Suas questões são: quais as relações desejáveis entre os grupos de estudiosos? Quais as colaborações de uma para a outra e a serem feitas? Quais são os conflitos a evitar? E, que incursões de uns no terreno dos outros devem ser permitidas?

Posição da sociologia dentro da antropologia

Para Mauss há o reino da consciência, da consciência coletiva e da coletividade;
A sociologia concentra-se nos humanos em sociedade e a psicologia na consciência individual;
Contudo, e a psicologia coletiva?
Primeiramente, a sociologia trata somente de seres humanos e é portanto, exclusivamente antropológica;
A sociedade humana é animal, mas se destaca das demais pelas instituições; e a psicologia humana trata do comportamento individual.
A psicologia coletiva é parte fundamental da sociologia, pois é em torno das idéias comuns que se constrói uma sociedade concreta.
Tratamos neste ponto de origens, derivações e hierarquias entre as disciplinas, pois há autores que reduzem a sociologia a psicologia coletiva ou interações entre os indivíduos;

Contudo, a coletividade é mais que a mera soma dos indivíduos, há representações: o arbitrário, o simbólico, a sugestão exterior, a pré-relação e principalmente a coerção.
“Na sociedade, há outras coisas além das representações coletivas, por mais importantes que estas sejam, como na França há algo além da idéia de pátria: há um solo, há o seu capital, há a sua adaptação; há sobretudo os franceses, suas divisões, sua história. Atrás do espírito de grupo, numa só expressão, está o grupo que merece ser estudado, isto por três razões, pelas quais a sociologia escapa à jurisdição dos senhores.”
(Sociologia e Antropologia, vol.1, p.183)

Que são:
Fenômenos morfológicos, numéricos, relativos a idade, estado civil, homens, mulheres, escolaridade, filiação religiosa, orientação política, classe social, posição no mercado de trabalho, taxas de nascimento e morte, etc;

Funcionamento da sociedade- outros fenômenos estatísticos como o valor do dinheiro, ligado ao prestígio, às taxas de homicídios e roubos, de pessoas atendidas pelas políticas sociais do governo, o preconceito racial...

Todo fato social vem carregado de história, tradição e aspectos lingüísticos. Por mais alto que seja o grau de abstração, não podemos desprezar.

Recentes serviços prestados pela psicologia à sociologia “...o progresso das ciências tanto se faz nos seus limites, nas suas bordas exteriores, quanto no seu princípio, no seu núcleo ou centro.”
A parte psicológica da sociologia é composta pela história, estatística e psicologia.
Não há progresso de qualquer análise dos elementos de consciência coletiva na psicologia que nos seja indiferente.
Representações, práticas coletivas, atos e idéias costumeiras já é por si só vocabulário psicológico usado por nós.
Mauss selecionou 4 idéias resultantes do estudo da consciência como um todo e de suas relações com o corpo.

Noção de vigor mental- depois de Babinski e Janet as escolas psiquiátrica e neurológica francesas difundiram as idéias de vigor e debilidade mental, estenia e astenia. Aplicam-se ao suicídio e a idéia de morte sugerida pela coletividade.
Noção de psicose- o estado de idéia fixa, sua força e seu desenvolvimento, capacidade de multiplicação e persistência. Aplica-se a situações praticadas por grupos, por exemplo no fanatismo, e na mitomania. Bem como a teoria dos sonhos aplica-se à fantasias socialmente disseminadas.
Noção de símbolo e de atividade essencialmente simbólica do espírito- os estados mentais não são elementos isolados, deles participam signos e símbolos que repercutem e operam nos mecanismos mais profundos da consciência, presentes na comunicação humana e constituindo estados considerados como realidades.
Noção de instinto- mecanismos psicofisiológicos organizados, relação que existe entre o corpo e as coisas. Criamos e nos comunicamos através de símbolos precisamente porque temos os mesmos instintos.

Serviços a serem prestados pela sociologia à psicologia

A sociologia fornece como fenômenos normais
da psicologia coletiva o que a psicologia
considera patológico individualmente.
Existem duas ordens de contribuição:

1) Símbolos míticos e morais como fatos psicológicos- cabe a sociologia descobrir costumes que possuem implicações psicológicas nos indivíduos pertencentes a determinadas culturas. A exemplo do tabu da sombra na Polinésia e na África Central, em que a sombra de uma pessoa não pode passar sobre a outra.

2) Ritmo- analisa o ritmo no que ele tem de contagioso. É a união do fisiológico, social e psicológico. “...há estereótipos rituais formidáveis: como, durante as danças, com freqüência acompanhadas de um simples grito indefinidamente ululado, ou de apenas alguns versos de um canto muito simples, grupos às vezes consideráveis procuram, ao mesmo tempo, durante dias e noites, atividade, fadiga, excitação, êxtase...

O fato psicológico geral aparece em toda sua nitidez, porque é social; é conhecido de todos os que dele participam e, porque é comum, despoja-se das variantes individuais.” p.196
Aqui Mauss delineia o que formará futuramente sua noção de fato social total: aglomerações positivas e negativas de instintos, volições, imagens, de idéias de indivíduos reforçadas pela presença do grupo, no sentido da assimilação, avaliação, identidade e oposição, traduzem um todo que como tal age e pensa.
Esta abordagem desemboca no estudo da moral naquilo que interage com o instinto vital, negando-o em função de razões sociais, a exemplo dos kamikazes ou do haraquiri entre os japoneses e a tanatomania, novamente mencionada pelo autor.
A distinção entre direito e esquerdo, a noção de espaço orientada por ela, mais uma vez comprovam a mistura de corpo, espírito e sociedade;
O homem dividido em faculdades só se encontra na literatura, temos que lidar com ele em sua totalidade, os fatos a que nos referimos não são especiais a tal ou qual parte, são de ordem muito complexa.

Questões colocadas à psicologia

O objeto das duas ciências é o mesmo, o homem completo e concreto.
Mauss pede aos psicólogos que se concentrem no domínio da psicopatologia.
O humano não seccionável e médio é o que aparece nas estatísticas sociais.
Aspectos da personalidade se manifestam de modo desigual de acordo com situações e fenômenos sociais por isso o autor pede aos psicólogos:
“Dêem-nos os senhores, portanto, uma teoria das relações entre os diversos compartimentos da mente e das que existem entre esses compartimentos e o organismo.” p.200
O problema capital da sociologia é o homem médio e também normal, logo, é importante que a psicologia descubra a combinação média e normal dos diferentes compartimentos do espírito.
A expectativa- considera que os fenômenos de expectativa possuem poder criador dos fenômenos que pressupõem. Sua relevância para a sociologia surge por exemplo em casos de magia, no direito, na economia. “A idéia de ordem não passa do símbolo da expectativa das pessoas.” A possibilidade de ou insatisfação dessas expectativas pode gerar grande ansiedade, principalmente em situações de instabilidade social. “... A expectativa é um desses fatos em que a emoção, a percepção e, mais precisamente, o movimento e o estado do corpo condicionam diretamente o estado social e são por ele condicionados.” p.203
Obs: Mauss possui um viés evolucionista (e machista) marcante.

Resumo

Como bom kantiano Mauss discute as categorias do espírito e considera que elas são também de caráter histórico, além de sociais e psicológicas.
As categorias Aristotélicas não são as únicas existentes em nosso espírito, é imprescindível elaborar um catálogo de categorias. Ex: pequeno e grande, inanimado e inanimado, direito e esquerdo.
As categorias são símbolos gerais desenvolvidos pela humanidade.
A humanidade edificou seu espírito (sentimento, sentido e razão) em todos os meios técnicos e místicos.
“O sentimento de atual relatividade da nossa razão é o que inspirará a melhor filosofia”

Um comentário:

Anônimo disse...

Obrigada pelo resumo!