segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Racismo e Etnocentrismo

“Os gregos, é preciso dizê-lo, são em geral, menos mal talhados que os romanos. As figuras de Temístocles e de Milcíades, entre outros, podem comparar-se aos mais belos tipos modernos. Mas Alcibíades, o avô cujas façanhas galantes, por si sós, enchem a crônica de Atenas, tinha, como Messalina, muito pouco do físico que corresponderia às suas atividades. Ao ver-lhe os traços solenes e a fronte grave, quem quer que seja, o tomaria antes por um jurisconsulto agarrado a um texto de lei, que se fazia exilar em Esparta, unicamente para enganar o pobre rei Ágis e, depois, vangloriar-se de ter sido amante de uma rainha.
Sem embargo da pequena vantagem, que quanto a esse ponto, se possa conceder aos gregos sobre os romanos, quem se der ao trabalho de comparar esses velhos tipos com os do nosso tempo, reconhecerá sem esforço que nesse sentido, como em todos os outros, houve progresso. Apenas, convém não esquecer, nessa comparação, que aqui se trata de classes privilegiadas, sempre mais belas do que as outras e que, por conseguinte, os tipos modernos que se hajam de contrapor aos antigos deverão ser escolhidos nos salões e não nas pocilgas. É que a pobreza, ah! Em todos os tempos e sob todos os aspectos, jamais foi bela e não o é, precisamente, para nos envergonhar e forçar-nos a um dia nos libertarmos dela.”




Introdução
Antes de elucidar separadamente os conceitos, estabeleceremos desde já a relação existente entre eles, através do fenômeno de exclusão/inclusão. Segundo Claude Lévi-Strauss:
“Operam simultaneamente, nas sociedades humanas, forças que atuam em direções opostas, umas tendendo para a manutenção e mesmo para a acentuação dos particularismos, outras agindo no sentido da convergência e da afinidade.” (Raça e História, p.56)
Ou seja, aos movimentos de exclusão, correspondem movimentos de inclusão que produzem a diversidade cultural. Este é um fenômeno antropológico geral conseqüente a consolidação do humano como ser criativo, com um aparato físico extremamente frágil, mas um cérebro potente que lhe permite(iu) adaptar-se a praticamente todos os ambientes da Terra. O que gera preconceitos, racismos e etnocentrismos é a hierarquização das diferenças, a transformação da superioridade social em superioridade humana.
Mas este mesmo e referido autor, nos mostra que o progresso social não é linear. Acrescentamos que nem o individual. Evoluímos mais em certos aspectos que em outros, o mesmo ocorrendo com as culturas, fazendo com que nenhuma seja melhor que a outra em tudo, ou seja, totalmente ou absolutamente superior sobre uma, várias, ou as demais. Logo, as comparações são plausíveis, porém, deve-se ter o cuidado da relatividade ao fazê-las.
A exclusão como exercício do poder e da dominação aparece bem delineado no Ensaio teórico sobre as relações estabelecidos-outsiders de Norbert Elias, sociólogo alemão. Este autor demonstra que o fator econômico é apenas um dos que podem gerar essa desigualdade através do exemplo de uma região operária inglesa que pesquisou, na década de 60, chamada Winston Parva. Nesta comunidade havia um grupo de antigos residentes e um grupo de recém chegados. Ambos os grupos eram formados por cidadãos ingleses, com aparência física anglo saxônica, condições financeiras e de moradia pouco variáveis entre si. Contudo, o grupo antigo era o de estabelecidos, o dos recém chegados o grupo de outsiders, que quer dizer “os de fora”. Não havia integração ou laços de amizade entre um grupo e outro. Os recém chegados, residentes na região B eram considerados pessoas de má índole e conduta pelos da região A, que se sentiam humanamente superiores em relação à eles.

Preconceito- conceito antecipado e sem fundamento razoável. Opinião formada sem reflexão; superstição; prejuízo. Generalização apressada. Ato de estigmatizar o(s) Outro(s.

Racismo- Teoria da pureza das raças ou da separação das mesmas, usada para fins políticos; segregacionismo.

Dicionário Globo, 1991

Etnocentrismo- “Conforme a antropologia deixou bem claro, as culturas diferem muito entre si, mas há também grande variação no grau em que pessoas estão conscientes desse fato simples ou querem aceitá-lo. O etnocentrismo pode ser considerado a contrapartida sociológica do fenômeno psicológico do egocentrismo. (...) Quando os indivíduos que vivem em sociedades industriais supõem que todo mundo sente seu apetite por bens de consumo e instituições políticas democráticas de estilo ocidental, e que os que preferem outras coisas são, por isso mesmo, ‘primitivos’ (...).
Em um sentido importante, o etnocentrismo não é um problema. Trata-se de uma conseqüência inerente ao fato de pessoas viverem sob a influência de qualquer dada cultura e da realidade socialmente construída que a acompanha. (...) todos os sistemas sociais promovem até certo ponto uma opinião de si mesmos e do mundo em volta. (...) Tal como sua contrapartida psicológica, o etnocentrismo torna-se um problema na medida em que distorce a maneira de ver outras culturas, sobretudo quando usado ideologicamente como base para opressão social.”

Dicionário de sociologia,
Allan G. Johnson
Exclusão/Inclusão

“Não há diferença entre judeu e grego, uma vez que o mesmo é o Senhor de todos, é rico para com todos que o invocam” Ro 10.12
“Meus irmãos, tenhais fé em nosso glorioso Senhor Jesus Cristo, sem fazer acepção de pessoas. Porque, se entrar na vossa reunião algum homem com anéis de ouro nos dedos, com roupa luxuosa e entrar algum pobre com roupa velha e suja, e tratardes com atenção especial o que está vestido luxuosamente e lhe disserdes: tu assenta-te aqui no lugar de honra; e disserdes ao pobre: tu, fica ali em pé ou assenta-te no chão, onde coloco meus pés...”
Tg 2.1-3

Preconceito

“Reconciliai-vos o mais depressa, com o vosso adversário, enquanto estais com ele no caminho, a fim de que vosso adversário não vos entregue ao ministro da justiça, e que não sejais aprisionado. Eu vos digo em verdade, que não saireis de lá enquanto não houverdes pago até o último ceitil.”
Mt 5.25,26

“(...)Quem dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro a atirar uma pedra.”
Jo 8.7
“Se pois, credes num futuro qualquer, não admitireis, sem dúvida, que ele seja o mesmo para todos, pois, de outro modo, onde estaria a utilidade do bem? Por que se reprimir, não satisfazer todas as suas paixões, todos os seus desejos, mesmo à custa de outros, uma vez que não teria conseqüência?”
Livro dos Espíritos, Cap.V
Racismo

“(...) nada, no estado atual da ciência, permite afirmar a superioridade ou a inferioridade intelectual de uma raça em relação à outra (...)” P.53
Raça e história,
Claude Lévi-Strauss
Etnocentrismo

“(...)com o juízo com que julgardes sereis julgados, e com a medida com que tiverdes medido, hão de vos medir.”
Mt 7.2

“Em oposição aos cidadãos do mundo sagrado, que haviam criado símbolos que lhes permitissem compreender a realidade como um drama e visualizar seu lugar dentro de sua trama, à nova classe interessavam atividades como produzir, comercializar, racionalizar o trabalho, viajar para descobrir novos mercados, obter lucros, criar riquezas. E, se os primeiros se definiam em termos das marcas divinas que possuíam por nascimento, os últimos afirmavam: ‘Por nascimento nada somos. Nós nos fizemos. Somos o que produzimos.’ Assim contrastava a sacralidade inútil dos que ocupavam lugares privilegiados da sociedade medieval com a utilidade prática daqueles que, sem marcas de nascimento, eram entretanto capazes de alterar a face do mundo por meio do seu trabalho. (...) Aquilo que não é útil, deve perecer.” P.45
(...) No “universo simbólico instaurado pela burguesia. Seu utilitarismo só conhece o lucro como padrão para a avaliação das coisas. Até mesmo as pessoas perdem seu valor religioso. No mundo medieval, por mais desvalorizadas que fossem, seu valor era algo absoluto, pois lhes era conferido pelo próprio Deus. Agora alguém vale quanto ganha, enquanto ganha.” P.47
O que é religião,
Rubem Alves
Conclusão

“Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros.”
Jo 13.34

“Todas as coisas são permitidas, mas nem todas convêm. Todas as coisas são permitidas, mas nem todas constróem.”
1Co 10.23
“Portanto, tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-o também a eles, pois esta é a Leis e os Profetas.”
Mt 7.12
Liberdade é amar pelo amor e obter humildade através da consciência do alcance das próprias capacidades, atingindo autonomia.
Fazer o bem não pela coerção do medo de sofrer, mas principalmente pela responsabilidade que se tem sobre os próprios atos.
O respeito é deixar ser, pois condenamos mais pelas formas que pelos conteúdos e, caso busquemos unirmo-nos aos que se diferenciam de nós, que seja pelo convencimento e pelo exemplo, não pela força ou pela estigmatização e subjugação de sua cultura e seus valores. Para isso, não basta ensinar, é preciso estar disposto a também: aprender.

Sobre o estudo Preconceito, racismo e etnocentrismo
O “X” da questão

A primeira motivação esta carta resposta é fruto de uma necessidade consciencial. A postura antropológica tomada de antemão exigiu dos ouvintes da palestra e agora dos leitores, um esforço basilar que apela para o aspecto científico da doutrina: estranhar o familiar e familiarizar-se com o estranho. A postura antropológica é desafiadora e muitas vezes polêmica.
Para empreendê-la é fundamental livrarmo-nos do egocentrismo social representado pelo etnocentrismo colocando em risco nossas próprias categorias. Isto não significa abandonar nossas crenças, inclusive no espiritismo, mas realizar o duplo movimento de ir ao diferente, àquilo que constitui o Outro e voltar ao nós, do grupo, dos comportamentos e dos princípios que conhecemos e dentro dos quais vivemos. Sem isso a antropologia perde seu sentido –proporcionar o conhecimento de nós mesmos através da diversidade das culturas. E, para não fugir aos propósitos da palestra e às nossas demandas morais, respondo que a dominação faz parte da natureza humana. Quem efetuou essa pergunta tocou o “X” da questão, já que obrigou-me a pensar na conseqüência filosófico-espiritual de tal fenômeno social. Entretanto, isso tem a ver com a diferença entre ciências humanas e ciências naturais. A natureza humana não é inexorável. Daí podermos estabelecer regularidades sociais, não leis sobre o funcionamento da sociedade. Da mesma forma, a guerra é uma condição humana mas isso não quer dizer que sempre será. Existem preceitos antropológicos universais como o parentesco, a religião ou a educação, em seu sentido amplo. Mas para progredir, não basta a universalidade.
O perdão entra nessa discussão a princípio, como intruso. Pensando em sua dimensão reconciliadora, imaginei-me primeiramente voltando às boas com todos aqueles com quem tive desentendimentos nos últimos tempos. O perdão revela a ambigüidade da caridade: diz implicitamente que o bem é maravilhoso, mas se você não o fizer, coitadinho, porque lá vem chumbo da Lei de Causa e Efeito (como não fazer algo que é Bom?)... Interpreto o perdão como dádiva que oscila entre a liberdade e a obrigação, como diria Marcel Mauss. É interessante perdoar, porque nos alivia a culpa, mas não interessa a mim, simultaneamente, pois não sou eu quem recebe o perdão. Contudo, notem que a verdadeira libertação provavelmente não passa nem por um motivo, nem por outro –por medo do sofrimento ou por favor a alguém. No primeiro, agimos sob coação externa, em outro, agimos tolerantemente. Em um somos levados por uma vontade que não é nem minha, nem sua, é de Deus. Em outro, somos levados, conscientemente ou não pela própria convicção de que o outro está errado (a minha verdade é A VERDADE, acima de todas as outras, o que resulta em racismo, etnocentrismo, preconceito e dominação autoritária). Toleramos aquilo que é mas não deve nem tem o direito de ser. E a diversidade das culturas e dos caracteres revela que não existe um único padrão de moral e de conduta e que o Outro, na condição de vizinho, deve ser mais que tolerado, deve ser respeitado e aceito para que o princípio de horizontalidade/igualdade/aproximação (filhos de pais ou culturas distintas não são próximos, se tornam próximos, logo, a irmandade divina é obra por fazer) da caridade seja atendido. Perdão não é mais coerção, nem concessão, é reciprocidade. Esta é a ligação fundamental, no meu entender, entre preconceito, racismo, etnocentrismo e perdão: não a tolerância (pretensiosa) de deixar os porcos continuarem com suas porcarias, mas de garantir ao Outro que não sou eu e é portanto, diferente, sua classificação humana, espiritual, dotada de livre-arbítrio, inteligência, potenciais, capacidades e lições de vida provenientes de sua experiência singular e contextualizada.
Traduzindo, atitude de humildade: abdicar do medo de sofrer e não se deixar escravizar pelo que é socialmente construído, não natural, mas naturalizado –relativizando as posições de inferioridade e superioridade partindo da coexistência do bem e do mal em todos os seres, compreendendo que o progresso é múltiplo, nativo, estrangeiro, bizarro, contíguo, e nos inclui a todos na sociedade e no aprendizado, no alcance incessante de perfeições relativas (absoluto, só Deus). E a cada um cabe um encontro com o mistério da divindade.
Fernanda Flávia
18/05/2004

2 comentários:

Anônimo disse...

é muito legal o seu blog! uffa!!! me salvou de uma prova.

Anônimo disse...

Otimo texto, vou fazer prova hoje sobre racismo e etnocentrismo. Muito obrigada. Bjo