segunda-feira, 9 de julho de 2007

Elogio ao amor no banquete de Sílvia

Amor é tudo aquilo que a gente quer

e tudo aquilo que a gente não consegue.

Todo entendimento e nenhuma compreensão.

Equador perdido,

e horizonte achado.

Saber para onde vai,

sem saber até onde ir.

Sopro de vida num dia feliz,

frio da morte num dia triste.

Libertação da realidade.

Olhar para o céu,

e acreditar em Deus.

Provar veneno como se fosse néctar.

E confundir bem e mal até que não façam sentido.

O que me faz ser forte e alegre,

sem ser feliz.

E achar que essa história toda é verdade.

Fernanda Ninguém Qualquer

01/07/2005

Galinha não come alpiste

Amiga, você não vai acreditar, porém (esse negócio de não ficar repetindo palavra...) acordei no meio da madrugada pensando no que você me disse. Achei que era uma “expressão idiomática”. Já tinha pensado antes e várias vezes em perguntar a você com toda simplicidade e humildade: o que é surrealismo?

Mas até o momento não ocorreu de concretizar o ato então essa frase ficou como aquela que só entendemos pelo contexto e que tem uma origem cultural que surgiu contextualmente e que passa a fazer sentido só porque todo mundo entende e só quem tá por fora é que fica boiando na minha antropologia lingüística barata. Tipo “it’s a piece of cake” em inglês ou “mamão com açúcar” em português como já tinha comentado com você sobre “pé d’água” significar chuva de molhar os ossos e não ter sentido já que água não tem pé. Vai ver a causa é mineiro detestar molhar os pés na chuva.

É por isso que eu acho que a Amaranta não se casou com Pietro Crespi por puro orgulho, no mínimo ou por vingança no máximo. Não se casou com Gerineldo Márquez porque não o amava para isso e não transou com Aureliano José devido a muita dignidade e honestidade de tia. Gosto mais e prefiro ela a Fernanda Del Carpio que com sua camisola (dotada de graciosa fenda intermediando lá) enorme, maior que o pecado original, não abriu mão de sua suposta fidelidade religiosa em favor do marido. Penso que se o amasse verdadeiramente (no meu padrão de amar) teria pecado pelo marido, rivalizando Pietra Cotera na cama para disputar com ela o amor de Aureliano José. Mostrando assim que, ainda na batalha perdida, podia ser tão mulher quanto ela. Acrescente-se o fato de não ter filhos a amante, mas gerar uma fertilidade absurda (surreal?) nos animais que tocava ou se aproximava. Enfim, aprecio mais Amaranta principalmente por tê-la em conta da mais alta sinceridade. Mas Fernanda, como disse o García, estava perdida para o mundo desde a infância. Educada na ilusão da riqueza então, a ela faltava quase por completo um milésimo do senso prático de Úrsula Buendía. Ou vivia no limite do desvario –adequada como um pombo e absoluta como o espírito-já que Remedios, a bela, cristamente, tinha a candura intocável dada por Deus e a beleza ardente ofertada pelo diabo. Ou “perdida para o mundo” (Fernanda) na cabeça do autor é sinônimo de “não era deste mundo” (Remedios, a bela)? Enfim, não há porque condenar uma ou outra visto que minha atitude, neste momento é pura interpretação (cientistas sociais não me matem, filósofos não me adorem). É assim, só para mostrar que há momentos nos quais “interpretação” se define pelo: não consigo evitar por mania de pensar. Com o motivo de que a moça desprovida de minha simpatia atende pela alcunha de –Fernanda. Tô aprendendo demais com cê minina (mulher), mulher (minina)...

Sei que o que, se Gabriel García Márquez é surrealismo e você é surreal, estou fazendo é mais uma das minhas (dupla) loucurinhas inofensivas contra você e o representante do surrealismo, mas é que “galinha não come alpiste”. Se a mulher que quer dar não encontra em seu caminho homem que receba e imaginou a cena mais de cem vezes com mais de dez homens (e este é seu modo de masturbação imaginária com efeitos físicos nada mediúnicos) –e permanece a indecência de não lhe aparecer homem apesar de ser bonita, inteligente, interessante e sensual (ouvi dizer que “amor não exige currículo”, que asneira!):

  • A questão é que se no surrealismo só “soldado é que faz sentido”, não faz sentido que só a mulher que literalmente dormiu (francamente, bem acordada) com muitos homens seja galinha, existindo aquela que na imaginação, já dormiu com todos. É galinha, mas não come alpiste!

Jean Bizzy a seu dispor,

minha amiga é de Sete Lagoas e atende por Michele Edwirges

E ela me falou o ditado errado, na verdade é “vaca não come alpiste”.

Fui informada também de que Gabriel García Marquez não é surrealismo, é realismo fantástico...

29/03/05

Lição n° velha

Afeto a gente não compra, não vende, não troca como mercadoria, nem pede como favor. Dá e recebe, não há medida certa. A medida é incerta, vem da capacidade, da afinidade, de outras forças ocultas...

O respeito é parecido. Igualmente não podemos comprá-lo, vendê-lo, trocá-lo como mercadoria ou pedi-lo como favor. Respeito damos, recebemos e conquistamos.

Essa é uma realidade da vida que convém aprender para não chorar, se arrepender ou reclamar depois.

Eu já chorei e me arrependi muito. Com algumas pessoas incontáveis vezes, com outras 3 ou 4 vezes. Meu limite demorou a chegar. Dizem que “se conselho fosse bom não daríamos, venderíamos”, mas “quem avisa amigo é”, e este é um aviso: se concordar comigo, não deixe que seu limite demore a chegar.

Não adianta querer que uma pessoa nos dê um amor maior do que ela é capaz de dar. E quando oferecemos nosso amor maior a elas e nos intrometemos em suas vidas revelamos nossa personalidade de modo perturbador. E exigimos que o outro nos ame em pé de igualdade, do jeito que queremos e esperamos, em reciprocidade plena.

Não adianta querer “nós” se a pessoa, ao se relacionar com você só pensa em termos de “meu” / “seu”. Não adianta querer que ela lhe dê um tratamento justo,merecido por qualquer ser humano, se ela considera que para ti ele é um privilégio e que, se tu pedes, considera que és um orgulhoso(a) e se julga melhor que outrem. Principalmente quando ela concede esse tratamento a outrem sem pestanejar, e não interpreta da mesma maneira.

O amor que Jesus nos ensinou é universal, mas só se oferece e se intromete quando sente que há no coração da alma alheia espaço para tanto. Deus não invade o coração de ninguém que está de portas fechadas. Aproveita qualquer brecha para entrar de mansinho. Invadir assim é agressivo. É inverossímil, Deus não vive das nossas migalhas. E se Ele não exige mais do que podemos dar, que direi eu, pobre mortal!

Não posso dizer que não me intrometerei e não oferecerei o meu amor a corações em que não haja espaço para ele. Porém, posso garantir que, se o fizer, perceberei, compreenderei e sairei de mansinho. “-Não vou perturbar-te exigindo de ti um amor que não podes me dar, não me magoarei com tua indiferença, não vou permitir ser sub-amada e subrespeitada por você. Adeus! Receberei o que puderes dar de vez em quando. Um alô, um convite, uma mensagem... Aceitarei seu amor pequeno, porém, sem me submeter a ele.” Amor sem respeito e consideração pode ser realidade, posto que impossibilidade. Assim como parece impraticável amar alguém que julgamos inferior a nós ou alguém por quem não temos um pingo de admiração. E receber um favor afetivo é suprema humilhação.

É por isso que hoje há pessoas que considero amigas distantes e outras apenas boas colegas. Eu e os amigos distantes, acreditamos, construímos um afeto a toda prova, a prova dos nossos próprios erros e imperfeições. Pois sim, nos amamos, nos cuidamos.

A flor da ingenuidade é muito bela, mas destinada a morrer como todas as outras. A minha morreu, finalmente, felizmente e antes tarde do que nunca. Sinal de que isso aconteceu é a criação em nós da tecla “delete” para todas as coisas ruins e desagradáveis do passado.

DE-LE-TE

DE-LE-TE

DELETE

De resto, fica a lição da Raposa: “Tu és eternamente responsável por aquele que cativas” (Antoine de Saint-Exupéry).

Fernanda Flávia

27/02/2007

Vende-se perdão

Roberto é um cara legal, Marina é uma garota legal. Existem aqui dois tipos de pessoas legais, vejamos. Roberto é amigo de Rodolfo, Rodrigo, Alberto, Carlos, Paula, Ivete, Maurício, Sandro, Ana Flávia, Giovanna, Marcelo. Marina é amiga de Tatiana, Karina, Francisca, Fernanda e Mara.

Roberto é amigo de Rodolfo, Rodrigo, Alberto, Carlos, Paula, Ivete, Maurício, Sandro, Ana Flávia, Giovanna, Marcelo desde 1996, quando entrou no Colégio Santa Clara e essa galera é parte do pessoal que estudou com ele, constitui sua turma. Marina foi amiga de Isabela e Fátima na primeira série, mas não durou muito, porque ela resolveu conquistar o menininho que as três gostavam. Foi amiga de Flávia, Leonardo, Janaína e Elisângela na quarta série, amiga de Mônica na quinta e de Liliana na sexta. Amiga de Gisele na sétima, de Taís e Bruna na oitava. Marina mudou de escola várias vezes, é compreensível a alta rotatividade em seu círculo de relações. Aí Marina foi para o segundo grau e seus pais se mudaram outra vez. Aos poucos ela começou a conversar com o pessoal e Paola se interessou por ela, da mesma forma que Isabela, Fátima, Flávia, Gisele... E no primeiro e no segundo ano mantiveram contatos, especialmente no primeiro, quando foram da mesma sala. No segundo e no terceiro, Marina conversou com Carolina esquentada, Betânia nadadora, Andréa interiorana, Kelly baixinha, Jacqueline loira e Osíris (deusa). Gostou muito destas últimas, Jacqueline e Osíris, que eram amigas inseparáveis há muitos anos.

Roberto adora festa, churrasco e ir ao bar com os amigos. Marina muito quieta, calada, estudiosa, na dela. Roberto foi para a faculdade, Marina também. Roberto foi na Calourada, fumou no diretório acadêmico, jogou futebol no time da sala, organizou churrascos em sua casa, ficou com várias garotas. Marina gosta de ir ao cinema, ao teatro, dançar, ouvir música clássica, ler e assistir novela e programas literários na TV, mas pouca gente sabe disso, talvez ninguém, inclusive depois que ela apareceu no Orkut. Ela pediu para o pessoal da sala escrever recadinhos em sua agenda e no convite de formatura do segundo grau, pra ficar de lembrança, é muito bonitinho: “Você é uma pessoa muito especial; te desejo tudo de bom porque você é especial; que Jesus ilumine seu caminho, gosto muito de você porque é muito especial; não mude seu jeito de ser, ele é especial”...etc. “(1) o que é ser especial? Quando alguém te chama assim não significa nada”. Roberto não pediu pra ninguém escrever recadinho, ele é “espada”. Aliás, Roberto não precisa olhar as fotos da formatura nem possíveis recados para lembrar de fulano ou cicrano.

Roberto é gente fina, quem não conhece o Roberto?! Marina é boazinha, quem não gosta dela é porque tem inveja.

Marina conheceu Nádia na faculdade e foram felizes até que Marina se encheu e resolveu dizer a verdade. Então Marina ficou sozinha até o dia em que resolveu ajudar Fernanda. E Marina e Fernanda hoje são amigas para sempre. Fernanda é amiga de Lara, Viviane e Jéssica, pessoas das quais Marina gosta e encontra de vez em quando nas festinhas de aniversário de Fernanda e nas reuniões de fim de ano. Marina é religiosa e na Igreja conheceu Tatiana, Francisca, Mara e Karina. Ela sempre procura Mara e Karina, Mara e Karina nunca ou quase nunca a procuram, então ela foi se cansando e desistindo... Com Tatiana houve uma simpatia instantânea, a Tati até achou que ela se parecia com uma personagem de um de seus contos preferidos. Aliás, Marina é uma garota que mais gosta do que desgosta das pessoas e quando gosta, não tem uma idéia formada sobre quem a pessoa é, mas todo mundo tem uma idéia de quem ela é. Desde o caso com Nádia que Marina resolveu ser definitivamente sincera (pois já era...), porém, chegou a conclusão de que “(2) As pessoas não gostam muito de quem é sincero”. Ela se encontrou pela primeira vez com Francisca numa tarefa da Igreja que precisavam realizar juntas, Francisca saiu, e depois de um tempo ela também e se afastaram por um período, mas agora as duas são amigas para sempre. O negócio com a Tatiana tá complicado porque agora só Marina procura Tatiana e quando isso acontece, a Tati está cheia de compromissos. Marina nunca ou quase nunca ia às festinhas e reuniões, depois começou a se esforçar e aparecer nas coisas que eram marcadas. No entanto, era tarde demais. “(3) Compareça aos eventos sociais, tenha contato com as pessoas, o ser humano não é e nem pode ser uma ilha”. Roberto sempre soube disso, por sinal, ele jamais precisou cogitar nisso. Mas ela se lembra muito bem de quantas vezes marcou alguma coisa que deu certo. Sempre uns 5 que não podem, uns 3 que acontece um imprevisto, uns 2 que atrasam e 1 que ocorre um desencontro, ou outra proporção do gênero. Roberto é assim, gostou de mim bem, não gostou amém. Ou eu também não gosto de você filho da mãe! Marina também não se importa ou implica com quem não gosta dela, embora sofra quando tal fenômeno afeta sua vida. Contudo, Marina gosta e gostou de várias pessoas muito mais do que essas pessoas foram capazes de gostar dela.

Interessante no último relato: “(4) Não importa o que você faça ou o que você diga, alguns indivíduos terão de você daqui a dois meses ou dez anos, exatamente o mesmo conceito que tinham quando te ‘conheceram’”. Roberto espera tudo e nada das pessoas e vai selecionando naturalmente. Marina costuma esperar o melhor e perdoar (na maior parte das vezes facilmente) o pior. Marina buscando amizades eternas e profundas. Roberto buscando companhias agradáveis, conversas inteligentes, encontros com quem deseja se encontrar com ele. Marina sozinha, Roberto acompanhado.

E agora que deveria haver um final, pergunto-me, o que tudo isso tem a ver com “Vende-se perdão”?






(seta para cima) Seção para ser perdoado????????????????Seção para perdoar (seta para baixo)

Na sociedade em que nasceram os personagens tudo que é matéria é dado, tudo de abstrato é comprado, tornando a história acima irreal. Roberto entrou na Seção para ser perdoado, e Marina na Seção para perdoar.

Senhorita Anja de Cássia, eu quero comprar o perdão do Alberto, porque ele ficou chateado comigo depois que o chamei de “baitola” e afinal, de todo mundo que eu prejudiquei caso essa história de reencarnação exista. Senhor Anjo de Paulo, eu quero comprar o perdão para a Tati, que achou que eu tinha feito uma coisa muito feia e não confiou em mim, para o meu pai que me fez assinar um papel dizendo que eu não ia rouba-lo, para a Nádia que me tratou como idiota e se aproximou de mim por interesse, para a Paola que se aproximou de mim pelo mesmo motivo, aliás, para a Taís e a Bruna também. Para a Jacqueline e a Osíris, as quais convidei para um almoço com um mês de antecedência e ambas em ligaram no dia dizendo que não poderiam ir por motivos irrelevantes. Para a Paola por não ter me convidado pra sair com ela, e pra Carolina, Betânia, Andréa e Kelly pelo mesmo motivo. Para... “Devagar, estou anotando”. Para Bruna por nunca ter devolvido meu super livro de química, para Mara por ter me subestimado e menosprezado, para Fernanda por ter me abandonado algumas vezes que precisei dela, para Gustavo pela falta de consideração em não responder nenhum dos meus e-mails e ainda por cima depois de todo sufoco que me fez passar dizer que “gosta de mim apesar de tudo” “(5) A indiferença é pior que o desprezo”, para João por deixar-me pensar que ele gostava de mim para depois dar o golpe fatal, Augusto e Matias por nunca terem confiado em mim, apesar de toda minha dedicação. Pra aquele povo da Igreja que eu considerava muito, mas que me rechaçou quando surgiu um problema sério e jamais reconheceu que eu estava certa naquele momento.

Pois bem Roberto, esse negócio de reencarnação existe sim, você teve trezentas. Claro, não foram todas no planeta Terra, pois não teria dado tempo considerando o surgimento da espécie humana. Entendendo que determinadas dívidas passam de uma reencarnação para ao outra você teria nos casos mais graves um total de trinta, porém, como cada um de nós conhece e/ou consegue prejudicar muita gente, esse seu número se amplia para quinhentas. Quinhentas e uma, contando com seu amigo Alberto. Então, segundo meus cálculos você pode comprar os 501 perdões em 3 prestações de R$100 sem juros ou os 31 por 5 prestações de R$ 300. Cara Marina, você quer comprar dois perdões para Paola, dois para Bruna, dois para Mara (embora eu ache que subestimar é sinônimo de menosprezar), quinze para pessoas citadas, mais vinte para os integrantes da igreja; totalizando quarenta e um perdões. Isso vai te custar R$ 10.000 à vista. “(6)...”

Jean Bizzy

19/05/2006

Quebrando a cabeça

Faz dois meses que chegou de Córrego Danta, um povoado no qual moram 500 pessoas. O impacto da capital foi como pular numa piscina de 100 m de comprimento e 0,5 m de fundura. Ela tem 1,70 m, mas espera se acostumar.

Na casa da tia foi se hospedar enquanto as irmãs não chegam para começar a faculdade. Nem pensa nesta possibilidade, detesta estudar. Adora mesmo é apostar corridas com os cavalos da fazenda, com os peixes e jogar queimada usando bolas de meia gigantes. Então, foi trabalhar no restaurante da vizinha Merla Prantini. Uma italiana que jura por todas as divindades, santos e espíritos –que é brasileira.

- Márcia Beatriz, vai buscar a encomenda dos miúdos de porco, farinha e azeite lá no Mercado Central.

- Onde é isso Dona Merla?

- Segue a avenida Afonso Pena do lado da Igreja São José e pega a avenida Amazonas que não tem erro.

- Tá pago?

- E eu fui alguma vez caloteira menina!

Saiu da rua 28 de Setembro na esperança de voltar 28 de março, já que o Mercado não é assim tão longe. Subiu até a Pompéia e pegou o 1702.

- Seu cobrador, me avisa quando chegarmos na Afonso Pena, preciso descer lá.

No primeiro ponto desembarcada viu um prédio espacial a seu lado e um outro primordial do lado oposto. Não tinha nenhuma placa, mas concluiu que devia ser a Igreja, posto que se ouvia lá de dentro uma música celestial. Atravessada a enorme extensão de terra asfaltada dedicada somente aos carros e ônibus seguiu na artéria até uma veia que parecia levá-la ao coração. O tio lhe explicara que avenida é uma rua de chão cinza com um corte no meio, onde os carros transitam uns pra outros pra cá. “- É isso!”

Aquilo era um deserto povoado de cores e seres irreais, estava alucinada no meio do Kalahari por falta de água e comida há 80 idas e vindas do sol. Então subiu a duna do paraíso vislumbrando antecipadamente seu oásis. De fato, eram representantes legítimas do oásis aquelas florzinhas miúdas de multi-cheiros, contudo...

- Onde jaz o Mercado Central?

As palmeiras imperiais estavam na verdade no cume ornamental da Avenida João Pinheiro e o canto celestial vinha do Conservatório de Música. Algumas pessoas rodavam feito perus desatinados em torno do espaço verde, como se adorassem o último reduto de ar puro e esperança da selva.

- O senhor pode me informar onde jaz o Mercado Central? Era um rapazinho de 15 anos, lindo como Adônis, portanto, boneco excessivamente belo e delicado para suportar brinquedo. Permaneceu estacado imóvel e silencioso consumindo instantes da agonia de Márcia Beatriz. Pasmando na palavra “jaz”...

- Ah! É só você continuar andando aqui pela praça e pegar a avenida à direita. Não tem erro.

- Mui-to o-brigada. Respondeu esforçando-se novamente por reproduzir a linguagem engomada que a patroa exigia. Se queria aprender melhor ir treinando em todas as conversas.

O garoto retomou seu curso piãoneiro, abandonando-a ao próprio raciocínio.

- Com mil Uais! Dirêta minha ô dire-ita deie?

Ora bolas, quem falaria usando um referencial alheio? Só vira tamanha renúncia no dia em que Padre Pôncio, por acidente, acendeu uma vela ao contrário quando chegou Zulmira no altar dizem que, possuída pelo diabo. Queimou os dedos ao segurar a base e não pôde conter um: “- Aí! Com mil diabos!”. Alegria despertou com sua esperteza épica, que um anjo viu reacender-se em seu olhar. De fato, era a OUTRA avenida.

E desceu desceu desceu... Acreditou que a direita estaria novamente sua perdição e foi para a esquerda, evitando também a avenida. Finalmente, levantou o rosto ao céu em súplica e viu uma placa enorme com a única palavra que leria em sua vida: CENTRO. “- Se o Mercado é Centr-al! Se a avenida Am... Am... Amazonas está nesta direção e seu estou andando numa rua paralela, devo entrar numa que vá reto pra ela”. A lógica nos engana. Ruas paralelas e perpendiculares umas às outras são o sonho das cidades planejadas tal qual Belo Horizonte.

Respirou tão leve que parecia uma rolinha gorda no verão. Em mais dos inúmeros cruzamentos com que se deparara deu o derradeiro suspiro defronte a Cinecitá, na rua dos Aimorés. Sentada no parapeito, bem no cantinho da entrada do reduto alugador de imaginação humana, desaguou o pranto devastador. Aturdidos pelos soluços que pareciam vir das profundezas de uma mina de ouro emudeceram atendentes e clientes.

- Ei moça, o que há com você?

- Estou completamente perdida neste deserto horroroso dos livros da vovó preta que chamam de cidade e ainda por cima de BELO HORIZONTE. Respondeu i-me-dia-ta-mente sem hesitar sobre uma sílaba que fosse.

- Não se aflija por mais nenhum momento. O super Lauro vai levar você onde quiser. Só espere um pouco. Vou levar estas fitas na casa de uma cliente e passo aqui pra te buscar.

PÁRA TUDO, PÁRA TUDO! Alguém resolve ajudar prontamente alguém? Isso não está acontecendo!

- Não num espero não moço Lauro, vô com cê. Recaída no mineirês da roça (?).

- Está bem, não tem problema. Encerrei meu horário de trabalho.Como você se chama?

- As pessoa-s me chama-m de Márcia Beatriz.

- Que nome encantador.

- Minha tia diz que é brega, coisa de novela mexicana.

- Não dê ouvidos a ela, os nomes duplos de novelas mexicanas não são tão bem casados como o seu.

- Ã?

- Não combinam tão bem.

Caminharam mais uns 10 metros.

- Ué, cadê o teto da casa?

- Desculpe, não é casa, é apartamento.

- Apartamento... Movendo o rosto para o alto.

- O povo mora nisso aí? Pensei que era que nem o sino da Igreja, só de enfeite...

- Vamos subir de elevador porque ela mora no 17° andar.

- Tá, t...Tá.

No elevador, que quando desce devia denominar-se abaixador:

- Má que trem é esse que parece dançá forré in vez de forró sentano e abaixano num braseiro?!

Moço Lauro esboçou um sorriso cheio de dentes fortes, brancos e sem cáries expressando o deleite imenso de ouvir a antecedente falação. Gargalharia se o elevador-abaixador não tivesse estacionado de sua fúria incandescente no interior de um cano da terra.

- Não sei Márcia Beatriz, parece que tem um Homem nu lá em cima porque o elevador não sabe pra onde ir... Agora. Parou. Vou apertar o botão de emergência.

Foi acabar de executar essa tarefa e Márcia Beatriz atirou-se a seus pés desesperada e dilatou as pupilas ao máximo e ardeu agarrando-o exaltada.

- Vamo ficá preso aqui?

- Acho que sim, só um pouquinho, até o técnico chegar. Tentou consolá-la.

E pensou baixinho: “- Por que uma coisa que tem meia chance em 1 milhão tem que acontecer justo comigo!” Márcia Beatriz começou a suar, depois a andar de lá pra cá de cá pra lá, em todas as direções e sentidos, depois a suar frio, depois a suar quente, e após isto a descabelar as tranças negras, e após isto apertou Lauro, de apertar Lauro...

- Socorr! Socorr-o!!! Ahahahahahahahahahahah, um fio de Deus me tira daqui!

E apertou mais (e gritou mais) e apertou mais (e gritou mais), até que se rasgou e rasgou o moço e obviamente enlouqueceu. Descobriu mais tarde, muito mais tarde que tinha claustrofobia, repetindo para decorar, claus-tro-fo-bia.

Ao cabo de 3600 infindáveis segundos a vizinhança em peso de desocupados e recém descansados recebia-os contentes de seu retorno ao mundo. Lauro emitiu um “Graças a Deus” passando a mão na testa suarenta que mais parecia um “Graças a todos os minutos de orgasmos inexistentes que passei aqui com esta garota”. Exausto, fez questão de carregá-la desmaiada até a saída, descendo pelas escadas rodopiantes como o povo na praça da Liberdade. Antes entregou as fitas, claro. Já estava de saco cheio então comprou um copinho de água mineral pra jogar na cara dela. Acordada a moça, convidou-a para sentar na lanchonete, tomar um sorvete e esquecer toda a confusão do dia. Márcia Beatriz desafogou integralmente sua mágoa naquela taça de sorvete de creme com baunilha e calda de chocolate crocante.

Entreolharam-se várias vezes, num surto doce de simpatia inesperada, perdendo-se em suspiros, sorrisos e gestos orquestrados, entregando-se um ao outro em intimidade irritantemente simples. Ele a colocou em seu fusquinha preto e branco e deixaram-se conduzir até o Mercado Central. O fusquinha logo se agarrou a saveiro e afastou-se do monza.

- Onde você mora? Dessa vez foi ela que esboçou um sorriso de prazer cheio de dentes fortes, brancos e dois do fundo com cáries recentes provocadas pelos desgastes urbanos apesar de toneladas do doce de leite ingerido na infância. Balançou a cabeça simultânea a abertura cordial da boca, seqüestrou a caneta no bolso da camisa de Lauro e na palma de sua mão escreveu.

- Pode ligar pra esse número. Fechando a palma da mão dele com a sua.

- Não fica chateada, muita gente que nasceu aqui ou que mora há anos fica perdida nas ruas diariamente.

E foi-se.

Parada em frente ao MERCADO CENTRAL respirou muito fundo boquiaberta e o que leu foi isso: “Aberto das 8 às 19h”. As tripas de Márcia Beatriz, entretanto, assumiram o controle contorcendo-se independentes de sua vontade. “- É nó nas tripa, quer dizer, apendinite.” Não, era dor de barriga mesmo. Descarregou ali a massa imponente sem suportar a emoção do relógio: 15 min. Tentou correr e o máximo que conseguia era disfarçar até alcançar o bar mais próximo “pé imundo”, entrar no mictório e tirar a roupa íntima dos membros inferiores afetados pela enxurrada sólida e sórdida que não serve nem pra misturar nas raízes do jardim. Jogou “a coisa” no lixo, o que não ia introduzir muita distinção ao ambiente e saiu como quem não fez nem quis nada. Posicionada novamente na frente de batalha: 5 min.

- Se chegar a tempo ele é obrigado a me atender! Mas como entrar nesse fedô num lugar que vende comida?

Meia volta volver. Desanimou de esperar o transporte coletivo, envergonhada que estava de sua condição. Voltou a pé na escuridão da noite, guiando-se por vias ignotas e sinais igualmente ignotos sem errar uma esquina. Nunca mais errou o caminho de casa. Porque a casa é o centro da vida de quem a tem.

A propósito, não tinha alergia a sorvete, a causa da descarga de opróbrio. Era a essência de baunilha. Ou melhor, sabor de baunilha falsificado.

Jean Bizzy

O Dia do Fim

Acho que nós precisamos conversar. Eu não consigo mais continuar assim. Existem coisas em você que me incomodam muito. Nós conversamos antes e você concordou que são defeitos, que procuraria mudar, e nada... Você continua o mesmo. E cheguei a conclusão que você não tem que mudar por mim ou porque eu quero mas porque você quer e acha que precisa realmente transformar sua vida se quiser se sentir melhor. Pode ser que para outra pessoa o que você faz não seja tão agressivo ou insuportável... Contudo, sinto que o que considero mais caro para manter minha integridade moral foi atingido. São valores que prezo muito, que considero sagrados.

Não é de repente, não é nenhuma surpresa. Se eu não tivesse dito nada ou feito qualquer sinal, continuaria sendo um problema queimado de tanto assar no forno. A diferença é que você seria o último a saber. Eu quero muito poder dizer o que eu penso sem esperar apenas censuras e discordâncias categóricas, sem chance de discussão. É claro que também tenho defeitos... Mas já não consigo suportar com a mesma alegria e entusiasmo de antes porque seus defeitos estão pesando mais que as qualidades. Estou ficando paranóica. Quando você vem me buscar para sairmos olho no seu rosto e qualquer coisa que diga já é motivo para imaginar mil bobagens e péssimas interpretações.

Existe em qualquer relação a intimidade criada pela conquista, preocupação recíproca e consideração. Há mesmo a afinidade descoberta nesse esforço de continuação, algo que surge e que não poderia ser antes de nos conhecermos. Porém há também características tão arraigadas no ser que para abandoná-las seria preciso virar-se do avesso, nascer de novo, sei lá, ter outra família, outra socialização primária... Podemos conciliar as diferenças, porém, não sei até que ponto isso é possível. Por isso estou terminando antes que eu comece a anular minha personalidade por sua causa. Antes que eu comece a negar todos os meus sonhos e desejos para fazer você feliz e ainda por cima achando que com isso vou ficar satisfeitíssima. Jesus nos disse para darmos a outra face ao tapa. Qual é afinal o limite do bem e do mal que permitimos ser feito a nós mesmos? Onde estarei amando a mim mesma e onde tudo não passa de amor-próprio e egoísmo?

Estou experimentando. É pela sensação de estar rompendo ou cedendo que vou descobrir. Como vou quebrar, não sei. Só sei que o que você quer de mim, não posso dar. Podemos ficar juntos? Somente na base de MUITA conciliação, consenso e acordo. Tá bom! Vamos ser políticos. Barganha, esse é o nosso nome... Razão e sentimento. Que ótimo casamento!!!

Talvez para outra pessoa não seja tão importante preservar o que você destrói. Nesse X afinidade ou é ou não é. Não dá pra comprar na feira hippie.

Sabe, aprendi que o sim é muito bom mas que o não precisa ser dito e ouvido. E que a vida dorme sempre que dizemos não a ela. E o dia (que romântico), nasce outra vez...

Já viu o amor? Amar é a casca do amor. Amor a gente demonstra. Amar a gente ama. E ama certo ama errado, quem é que pode dizer? É um presente sem embalagem, uma máquina sem manual. Um tesouro sem mapa. Uma bíblia sem salvação.

O preço sem cifra, a passagem inevitável. Desculpe. Não sou capaz de fazer o que você precisa. Tolerar, perdoar. Deste modo não há culpados, apenas inocentes ou vítimas de si mesmos. Um engano. Pode ser. Você vai para a direita e eu vou para esquerda onde é a sede do meu partido.

É sua última palavra?

Não. Estamos conversando, discutindo o fim... Não, quer dizer, não vou voltar atrás. Posso desdizer o que disse, não desfazer. Só se eu tivesse um daqueles aparelhos do tempo dos filmes de ficção científica. Pobre Einstein, deve revirar no túmulo com alguns deles... Enfim, estou querendo explicar que o relacionamento é entre duas pessoas e temos chance de terminarmos juntos ao invés de sairmos daqui com um dissídio unilateral.

Você é tão democrática!!!

E você é tão irônico. Você quer que eu te convença, então vamos lá, vamos lavar a roupa suja. Deve estar toda no tanque esperando!

Não, espera. Não quero que mude sua personalidade. Quero você igualzinha daqui há dez anos.

Resposta errada. PEEEM!!!

É a campainha.

Visita inconveniente. Vá embora, estamos discutindo a relação!

Lá vem você com essa história. Pensei que só estávamos nos divorciando antes de casar.

NÃO. Estamos terminando. Viu? Nem nisso nós concordamos.

É apenas um jogo de palavras com o mesmo sentido.

Dá para fazer uma frase com mais de quatro orações? Não vou ser igual daqui há dez anos. Deus me livre!!! Não adianta. Ou gosto de você do jeito que você é ou estou frita nesse negócio de gente.

Casa comigo.

Ficou doido de vez.

Já viu uma anta? Você se chama de anta. Anta mor, anta de quixute. Mas a anta é um bichinho de Deus como todos os outros. É até bonitinha. Tá certo que um pouco lenta, mas assim já é demais!!! Eu não vou dizer as três palavras senão vou bater duas vezes meu recorde de frases.

Vou fazer as malas. E pegar seu calmante.

www.ministeriodasaude/calmantes.org.br

Chatice. Quando você volta?

Sexta-feira... Quer dizer. Nunca mais.

Nunca diga nunca. Você pode se arrepender.

Não me arrependo do passado ele é só uma culpa em expiação na consciência.

1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, ...

Vou ficar Estupidice. A gasolina acabou.

O síndico tá treinando pra São Silvestre.

Exagerada. Qual é o nome da peça?

O Dia do Fim.

Fernanda Flávia

20/04/2003

Nós, Vós, Ele

Nesta hora de suprema lembrança guardo para vocês o meu supremo pedido.

De estar onde se quer, com quem se quer e como quer.

De fazer uma canção e compreender a emoção.

De voar sem direção!

Ainda que as nuvens e o tempo fechem a visão,

não há nada como o dom da correspondência,

como o prazer do merecimento;

e o princípio da reciprocidade.

Até nas tramas da inconsciência,

por onde se esvai a existência,

vibra uma questão amena.

Uma questão de desistência.

Existência pede ausência,

como vida pede poema.

Desfigura a turbulência,

revigora a indigência.

Vislumbra a luminescência.

Repara na indulgência.

Descansa na ligação,

o ligamento do universo,

a harmonia do eterno,

a mecânica do perfeito.

Perpetua-se na ligação,

a graça do paraíso,

o sacrifício do sentido.

Vibra no mundo,

a tudocidade da complexidade paralela,

daquele que medita e ouve,

os benefícios do bem benéfico.

Jean Bizzy