Vejamos o que temos aqui, o que temos
agora: um momento de recessão num contexto de crise mundial, uma eleição
frustrada para o partido de oposição, um governo que não é mais esquerda,
talvez centro-direita, mas que foi o único que se preocupou, em nossa história,
com a pobreza e a desigualdade social tão vergonhosa desse país que se
assemelha aos piores em concentração de renda- e, assim- ameaça “assustadoramente”
o status quo.
Menos sensacionalista: vamos reconsiderar
os dois lados. A corrupção não é boa para o país, mas não foi inventada pelo
PT. A Dilma foi reeleita num “placar”
apertado, mas a regra da maioria significa 50% +1, é regra da maioria simples,
adotada para as eleições do Poder Executivo em nosso país, consagrada pela
Constituição de 1988, também chamada de Constituição Cidadã. Então, ok, o PSDB
perdeu o jogo por pouco, mas perdeu. Do
ponto de vista da legitimidade política de um governo representativo, convenhamos,
isso não é bom, mas fica pior quando os derrotados não aceitam a derrota e
querem acabar com o jogo do governo, antes que termine. Isso significa abalar
nossa democracia, isso significa colocar na mesma frase “luto pela democracia,
intervenção militar já!” – era o que dizia um dos cartazes que li, na
manifestação do dia 15 de março de 2015. Como alguém, em sã consciência pode
colocar essas duas palavras na mesma frase? É como dizer que o autoritarismo de
várias medidas governamentais podem ser sanadas por uma nova ditadura militar. Eu "trabalhei" para a Dilma, eu "trabalho" para ela, sou servidora pública (mas, meu patrão é você leitor, não ela!). No
Ministério do Planejamento fui tratada no melhor modelo Taylorista que conheci,
melhor que a central de atendimento de telemarketing de uma grande empresa de
telecomunicações (celular, fixo, TV e internet) onde trabalhei. Trabalhei
supervisionada em minutos e segundos de chegada, saída e almoço, sem poder
trocar duas palavras com o colega ao lado durante o expediente, tratada como
criminosa pronta a matar o serviço, a produzir menos por preguiça, pelo espírito humano naturalmente propenso à corrupção nos moldes filosóficos de
Thomas Hobbes no século XVII. Fui perseguida por funcionários terceirizados no
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, ironizada,
humilhada e difamada por colegas e Analistas de Comércio Exterior, ignorada e
abandonada pela minha chefia e sabotada em meu serviço até por estagiários.
Cheguei ao Tribunal Regional do Trabalho e foi diferente por um tempinho... (hoje vivo numa ilha de paz em meio à multidão - alívio-) E
quase votei nulo na eleição passada, mas senti que seria fugir à
responsabilidade. E, na última hora, no dia da eleição, votei na Dilma pelo
motivo acima: nós temos uma herança que não pode ser abandonada sob pena de
derrota coletiva. Nosso país está provado, como nenhum outro, pode tornar-se desenvolvido com tantos seres humanos na miséria, excluídos absolutamente de
quaisquer acessos a saúde, educação, alimentação, saneamento básico, moradia.
Está lá, no site do Ipea, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, entidade da
Administração Indireta do governo federal, http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=5226&catid=159&Itemid=75,
o índice de GINI mede a desigualdade da renda nos países, quanto mais perto de
1, maior o grau de concentração das riquezas nas mãos de poucas pessoas, no
topo da pirâmide social. Pessoas de classes mais altas, com mentalidade
elitista, tendem a considerar o Programa Bolsa Família como esmola do governo
aos mais pobres dada com seu dinheiro. É claro que a mera transferência de
renda não resolve o problema da desigualdade, é um alívio para as privações
vividas por essas camadas populacionais – quem sabe o que é sentir fome, frio,
dormir na rua, não ter o dinheiro do aluguel (...), talvez entenda. Quem
elaborou a política sabe muito bem disso, e é por esse motivo que foram criadas
as condicionalidades, para colocar na escola e proporcionar saúde aos filhos
dessas famílias. A ideia é proporcionar a mobilidade social ascendente
intergeracional. Fraudes existem. Mas, existem em tudo, não diga que você nunca
viu um playboy de carrão importado avançando o sinal vermelho, tirando sua vez
na parada, fazendo ultrapassagem proibida, entrando na contramão... Ou um rico
empresário pagando propina em licitação pública? Desonestidade não é essência
de pobre, como baunilha em bolo de chocolate.
De fato, nós, o povo, falamos demais
sem saber exatamente do que estamos falando...
Li em outro cartaz: “Minha família não
consegue mais ter empregada doméstica”. Um efeito perverso de se conferir mais
direitos ao trabalhador é a redução da parcela populacional dos que podem pagar
por esses direitos. Porém, isso quer dizer que as empregadas domésticas não
devem ter esses direitos? Ó pobre menina rica, que agora tem que lavar seus
copos sujos e suas roupas íntimas...
E em mais outro cartaz, re-ve-la-dor: “Coxinhas,
uni-vos”. Puxa vida! Nunca conheci alguém tão sincero além de eu mesma! Nada
para acrescentar.
Apenas uma coisinha: queridos irmãos
em humanidade, democracia é coisa séria. Democracia é respeito à diversidade e
às regras do jogo. Se não achássemos bobagem as aulas de história no colégio - “perda
de tempo, vestibular para história!”- saberíamos que intervenção militar no
Brasil, só em Estado de Defesa ou em Estado de Sítio –momentos de exceção à paz
e à democracia- exceção esta que, mais recentemente, durou 21 anos neste país, 21
anos de mordaça que impediram a todos nós de falar contra o regime, o governo,
a corrupção ou o que quer que seja. Por isso falem, e defendam suas bolsas em
detrimento do resto do mundo (das pessoas, tão pessoas quanto você), todavia,
jamais se esqueçam, de respeitar nossas árduas conquistas históricas e
ponderar, buscando justiça, que política não é a luta do Bem contra o Mal, nos
folhetins globais ou nos enlatados americanos.
Fernanda Flávia Martins Ferreira
Brasileira
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