segunda-feira, 23 de março de 2015

“Pelos poderes de Greyskull!”

Vejamos o que temos aqui, o que temos agora: um momento de recessão num contexto de crise mundial, uma eleição frustrada para o partido de oposição, um governo que não é mais esquerda, talvez centro-direita, mas que foi o único que se preocupou, em nossa história, com a pobreza e a desigualdade social tão vergonhosa desse país que se assemelha aos piores em concentração de renda- e, assim- ameaça “assustadoramente” o status quo.
Menos sensacionalista: vamos reconsiderar os dois lados. A corrupção não é boa para o país, mas não foi inventada pelo PT.  A Dilma foi reeleita num “placar” apertado, mas a regra da maioria significa 50% +1, é regra da maioria simples, adotada para as eleições do Poder Executivo em nosso país, consagrada pela Constituição de 1988, também chamada de Constituição Cidadã. Então, ok, o PSDB perdeu o jogo por pouco, mas perdeu.  Do ponto de vista da legitimidade política de um governo representativo, convenhamos, isso não é bom, mas fica pior quando os derrotados não aceitam a derrota e querem acabar com o jogo do governo, antes que termine. Isso significa abalar nossa democracia, isso significa colocar na mesma frase “luto pela democracia, intervenção militar já!” – era o que dizia um dos cartazes que li, na manifestação do dia 15 de março de 2015. Como alguém, em sã consciência pode colocar essas duas palavras na mesma frase? É como dizer que o autoritarismo de várias medidas governamentais podem ser sanadas por uma nova ditadura militar. Eu "trabalhei" para a Dilma, eu "trabalho" para ela, sou servidora pública (mas, meu patrão é você leitor, não ela!). No Ministério do Planejamento fui tratada no melhor modelo Taylorista que conheci, melhor que a central de atendimento de telemarketing de uma grande empresa de telecomunicações (celular, fixo, TV e internet) onde trabalhei. Trabalhei supervisionada em minutos e segundos de chegada, saída e almoço, sem poder trocar duas palavras com o colega ao lado durante o expediente, tratada como criminosa pronta a matar o serviço, a produzir menos por preguiça, pelo espírito humano naturalmente propenso à corrupção nos moldes filosóficos de Thomas Hobbes no século XVII. Fui perseguida por funcionários terceirizados no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, ironizada, humilhada e difamada por colegas e Analistas de Comércio Exterior, ignorada e abandonada pela minha chefia e sabotada em meu serviço até por estagiários. Cheguei ao Tribunal Regional do Trabalho e foi diferente por um tempinho... (hoje vivo numa ilha de paz em meio à multidão - alívio-) E quase votei nulo na eleição passada, mas senti que seria fugir à responsabilidade. E, na última hora, no dia da eleição, votei na Dilma pelo motivo acima: nós temos uma herança que não pode ser abandonada sob pena de derrota coletiva. Nosso país está provado, como nenhum outro, pode tornar-se desenvolvido com tantos seres humanos na miséria, excluídos absolutamente de quaisquer acessos a saúde, educação, alimentação, saneamento básico, moradia. Está lá, no site do Ipea, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, entidade da Administração Indireta do governo federal, http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=5226&catid=159&Itemid=75, o índice de GINI mede a desigualdade da renda nos países, quanto mais perto de 1, maior o grau de concentração das riquezas nas mãos de poucas pessoas, no topo da pirâmide social. Pessoas de classes mais altas, com mentalidade elitista, tendem a considerar o Programa Bolsa Família como esmola do governo aos mais pobres dada com seu dinheiro. É claro que a mera transferência de renda não resolve o problema da desigualdade, é um alívio para as privações vividas por essas camadas populacionais – quem sabe o que é sentir fome, frio, dormir na rua, não ter o dinheiro do aluguel (...), talvez entenda. Quem elaborou a política sabe muito bem disso, e é por esse motivo que foram criadas as condicionalidades, para colocar na escola e proporcionar saúde aos filhos dessas famílias. A ideia é proporcionar a mobilidade social ascendente intergeracional. Fraudes existem. Mas, existem em tudo, não diga que você nunca viu um playboy de carrão importado avançando o sinal vermelho, tirando sua vez na parada, fazendo ultrapassagem proibida, entrando na contramão... Ou um rico empresário pagando propina em licitação pública? Desonestidade não é essência de pobre, como baunilha em bolo de chocolate.
De fato, nós, o povo, falamos demais sem saber exatamente do que estamos falando...
Li em outro cartaz: “Minha família não consegue mais ter empregada doméstica”. Um efeito perverso de se conferir mais direitos ao trabalhador é a redução da parcela populacional dos que podem pagar por esses direitos. Porém, isso quer dizer que as empregadas domésticas não devem ter esses direitos? Ó pobre menina rica, que agora tem que lavar seus copos sujos e suas roupas íntimas...
E em mais outro cartaz, re-ve-la-dor: “Coxinhas, uni-vos”. Puxa vida! Nunca conheci alguém tão sincero além de eu mesma! Nada para acrescentar.

Apenas uma coisinha: queridos irmãos em humanidade, democracia é coisa séria. Democracia é respeito à diversidade e às regras do jogo. Se não achássemos bobagem as aulas de história no colégio - “perda de tempo, vestibular para história!”- saberíamos que intervenção militar no Brasil, só em Estado de Defesa ou em Estado de Sítio –momentos de exceção à paz e à democracia- exceção esta que, mais recentemente, durou 21 anos neste país, 21 anos de mordaça que impediram a todos nós de falar contra o regime, o governo, a corrupção ou o que quer que seja. Por isso falem, e defendam suas bolsas em detrimento do resto do mundo (das pessoas, tão pessoas quanto você), todavia, jamais se esqueçam, de respeitar nossas árduas conquistas históricas e ponderar, buscando justiça, que política não é a luta do Bem contra o Mal, nos folhetins globais ou nos enlatados americanos. 

Fernanda Flávia Martins Ferreira
Brasileira

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