terça-feira, 23 de julho de 2013

Precarização do trabalho no serviço público

FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO
PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO PÚBLICA
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA TERCEIRA REGIÃO
















ANÁLISE SOBRE A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO NO SERVIÇO PÚBLICO
E
RESENHA DO ARTIGO
 “OS MODOS DE SER DA INFORMALIDADE: RUMO A UMA NOVA ERA DA PRECARIZAÇÃO ESTRUTURAL DO TRABALHO?”

Trabalhos de Sociologia das Organizações
Professora:
Neimar Duarte Azevedo


















Fernanda Flávia Martins Ferreira

Belo Horizonte, 27 de junho de 2013.

Análise sobre a precarização do trabalho no serviço público

No que toca aos servidores públicos, podemos traçar uma trajetória de desvalorização e precarização das condições salariais e de trabalho na história recente, a começar pelo desmantelamento de vários órgãos da Administração Pública no governo Collor.
Naquele momento, acabara de ser aprovado o Consenso de Washington (1989). O Consenso decretou a inviabilidade política e financeira do Estado de Bem-Estar Social e inaugurou a fase das políticas neoliberais para os países ocidentais alinhados a hegemonia estadunidense. Essa conjuntura, mais a situação interna de falência do Estado Brasileiro, deram a Fernando Collor de Mello a legitimidade necessária para colocar os servidores públicos como marajás, corruptos e culpados pela crise, responsabilizando os gastos absurdos com o pagamento de um quadro administrativo ocioso por todos os problemas enfrentados pelo país.
O contexto de redemocratização recente, após a constituinte e o governo Sarney, marcado pelo fracasso no combate a inflação, conferiu força a esse discurso. E, além, as falhas no sistema previdenciário, nas regras de aposentadoria, corrupção, patrimonialismo, clientelismo, uma estrutura legalizada de privilégios e enorme poder discricionário conferido a altos funcionários na contratação de servidores, corroboraram essa campanha contra os servidores públicos. E, de fato, acabou prejudicando enormemente não só os servidores públicos, mas também os serviços públicos.
Por um lado, essa busca exacerbada por um "Cristo" ou "Bode Expiatório", deu a contribuição de trazer para o âmbito da reflexão e da discussão pública a necessidade de realizar mudanças legislativas, estruturais e culturais, na Administração Pública brasileira. Com pouca ou muita experiência sabe-se que no poder judiciário há casos de juízes/desembargadores que colocaram suas empregadas domésticas como servidoras públicas. Sendo essas analfabetas, muitas delas sequer chegaram a por os pés em qualquer setor do tribunal, embora recebam aposentadoria como analistas judiciárias, cargo de nível superior. Mais que isso, quem recebe esse valor não são elas, e sim aquele que as colocou nesse cargo, configurando, além de imoralidade, crime administrativo e penal. Caso menos gritante, porém ainda de indignar um cidadão ou cidadã, são os (as) servidores (as) com escolaridade de ensino fundamental que se aposentam como analistas judiciários, com remuneração que pode ultrapassar facilmente a cifra de R$ 12.000,00. Havia resoluções que conduziam um conjunto de servidores para a ascensão funcional sem critérios de avaliação, nem mesmo concurso interno. Hoje grande parte dos técnicos judiciários possui graduação e até pós-graduação, mas só poderão receber remuneração correspondente a sua escolaridade se forem aprovados em concurso público, nomeados e tomarem posse num cargo de nível superior, como qualquer pessoa que ainda não seja servidora do tribunal. Ouvimos vários depoimentos de pessoas com 20 anos ou mais de serviço no TRT: os relatos se repetem, cultura do favor, do setor público como "cabide de empregos", patrimonialismo com pouca ou nenhuma preocupação com a qualidade dos serviços prestados à população.
Os servidores públicos, por sua vez, de uma situação muito privilegiada, de um seleto grupo que ainda aufere benefícios absurdos diante das desigualdades do país, passaram a desvalorização por parte dos governos e ao desprestígio social. A exceção a esse quadro ainda é o atrativo da estabilidade, suficiente para movimentar a indústria dos cursos preparatórios. Esse fenômeno é, inclusive, uma consequência da precarização estrutural do trabalho nas sociedades capitalistas, somada ao fraco desenvolvimento da industrialização e da economia de mercado em diversas regiões brasileiras, bem como dos os problemas educacionais brasileiros que agravam a situação daqueles que buscam um emprego. Hoje o analfabetismo foi bastante reduzido e a educação básica tornou-se praticamente universal, mas cresceu o analfabetismo funcional. Isso significa que as pessoas passam pela escola, mas saem dela sem desenvoltura linguística. Têm dificuldade para escrever, para compreender e interpretar o lêem. Se falar no problema da capacitação profissional, escassa, porém, cada vez mais exigida pelas empresas.
Mas a lógica neoliberal de redução do Estado, considerando a administração pública como ineficiente a priori e a iniciativa privada como esfera da excelência[i] deixou herança indelével, cujas consequências repercutem atualmente. O governo Itamar, em substituição ao presidente Collor, cujos direitos políticos foram cassados por oito anos, seguiu sem grandes alterações do "desmonte" do Estado operado pelo seu antecessor.
"Foi uma verdadeira loucura -afirmou servidor aposentado, dando seu depoimento- o Collor colocou o ministério inteiro em uma única secretaria, eu não tinha onde me sentar para trabalhar e não havia onde guardar os processos."
Porém, ao assumir Fernando Henrique Cardoso prosseguiu com a agenda neoliberal do Consenso de Washington, dessa vez planejando uma reforma do Estado que atendesse a necessidade de recuperar o equilíbrio macroeconômico do país, as contas públicas e o orçamento fiscal da União. Desse modo, o Plano de Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE, 1995), do ministro da administração federal e reforma do Estado, Luiz Carlos Bresser Pereira, foi aplicado prioritariamente naquilo que forneceu para atingir os objetivos da equipe econômica, a exceção do fortalecimento do núcleo estratégico, ou carreiras consideradas de Estado. 
Uma das propostas de reforma aplicadas àquela época foi a substituição dos servidores públicos pela contratação de mão-de-obra terceirizada, para a prestação de serviços de natureza auxiliar ao Estado, alheios às atividades administrativas ou finalísticas, como serviços de limpeza, transporte e vigilância. No entanto, a herança Collor e a ausência de concursos públicos, até mesmo para reposição dos quadros governamentais, conduziram a uma terceirização generalizada dos serviços públicos, muito além da proposta inicial. O Estado vazio de servidores públicos e cheio de funcionários terceirizados foi apenas um resultado da desvalorização do servidor público. A precarização do trabalho ocorre tanto para servidores quanto para terceirizados.  Não é preciso ir muito longe do ponto de vista técnico-jurídico para perceber essa injustiça. Nos governos FHC, Lula, e, atualmente, Dilma, ocorrem periodicamente licitações que selecionam diversas empresas para fornecimento de mão-de-obra terceirizada aos ministérios, e assim: os funcionários José, Maria e João saem da empresa X que perdeu a licitação e vão para a empresa Y que ganhou. A empresa X os demite e não lhes paga os direitos trabalhistas da rescisão contratual, o Ministério também não. Se quiserem terão que acionar a justiça do trabalho. Esses trabalhadores iniciam novo contrato de trabalho com a empresa Y, e novo período aquisitivo de férias. Isso resulta em funcionários sem descanso por pelo menos dois anos seguidos, a cada vez que se encerra um contrato e a licitação concede vitória a outra prestadora. Ademais, qualquer direito que a empresa Y deixe de pagar a eles, como auxílio transporte ou alimentação (o que acontece), e estarão completamente desamparados pelo órgão contratante da empresa.
O § 6º do art. 37 da CF/88 estabelece que a responsabilidade do Estado é objetiva, mas a lei estabelece que em relação ao trabalhador a responsabilidade do Estado é subjetiva. Responsabilidade objetiva significa que:
“(...) o particular não precisa provar a culpa para pleitear a indenização. Tal responsabilidade fundamenta-se no risco que o Estado oferece a seus Administrados no exercício de suas atribuições e com isso na possibilidade de potencial lesão ou de injustiça; assim, a teoria objetiva reconhece a obrigação do Estado e lhe atribui o dever de indenizar a vítima independentemente de dolo ou culpa do Agente Público.” (Souza, 2008: 54)
Já a responsabilidade subjetiva coloca o Estado em pé de igualdade com o indivíduo/cidadão, pois nela admite-se “(...) a responsabilidade do Estado nos moldes do Direito Civil, ou seja, o administrado (...)” (Idem) tem que provar a culpa do Agente Público para pleitear a indenização. Assim, a responsabilidade do Estado diante do trabalhador contratado via terceirização equipara-se às empresas que, na esfera privada, efetuam contratação do mesmo tipo de serviço, assumindo papel apenas subsidiário no cumprimento das obrigações relativas ao contrato de trabalho.
A terceirização constitui burla a regra constitucional do concurso público e viola o princípio da isonomia. No governo Lula o Ministério Público Federal, ao verificar irregularidades na contratação de funcionários do Poder Executivo, com quase totalidade de seus quadros administrativos compostos por funcionários terceirizados, estabeleceu em acordo com o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão para a realização de concursos públicos, acabando com a ocupação de cargos públicos por meio desse tipo de contratação precária. Essa situação foi objeto de denúncia, pois muitos candidatos aprovados dentro das vagas ofertadas nos editais deixaram de ser nomeados por terem suas vagas ocupadas por contratados temporários ou de terceirização, e só conseguiam tomar posse pela via judicial.
No entanto, para aqueles que ingressaram nos ministérios a partir dos concursos realizados para finalmente cumprir a determinação constitucional ignorada pela política neoliberal, o contexto encontrado foi de rivalidade e hostilidade por parte dos terceirizados que permaneceram nos ministérios. E essa hostilidade se traduz em perseguição, calúnia, difamação e assédio moral para muitos servidores, concebidos por eles como usurpadores, especialmente quando se sentem ameaçados por um(a) servidor(a) cuja competência e reconhecida pela chefia. Essa realidade grotesca dos ambientes organizacionais infelizmente não é isolada ou restrita a ministério W ou Z, é um fenômeno recorrente na Esplanada dos Ministérios.
Adicione-se a essa receita excelente para a saúde o corporativismo entre os membros das carreiras de Estado. Isso significa que os novos servidores são considerados também por essa outra categoria de servidores como ameaçadores, especialmente na conquista de cargos de confiança, os cargos de direção e assessoramento (DAS). Enquanto tolera-se a presença de servidores ociosos nessas carreiras, que não cumprem o horário de trabalho ou sequer comparecem, sem qualquer justificativa, sobrecarregando de trabalho os colegas ou os servidores do quadro administrativo, esses mesmos integrantes da carreira de Estado fazem um dossiê sobre esse tipo de conduta da parte de um servidor da área administrativa, para ser entregue ao ocupante do cargo mais alto abaixo do secretário executivo e do ministro. Muitos integrantes dessa carreira de Estado agem inclusive como se fossem outra categoria de pessoas, seres humanos superiores, pertencentes a uma casta que não se mistura com as demais. Isso significa que simplesmente não se relacionam com servidores da área administrativa, não conversam, não cumprimentam, e se sequer sabem seus nomes, a não ser que isso seja absolutamente necessário para suas atividades. Não entrarei nessa seara para falar dos garçons, das copeiras, porteiros e faxineiras. Pois se os servidores são tratados dessa maneira, imagine esses, que sequer a uma casta inferior pertencem... Casta superior não atende telefone, não deixa recado, não busca cafézinho para o colega, não tira Xerox, não carimba processo, não limpa a própria sujeira, discrimina serviço inferior de superior como separa pessoa inferior de superior, não regula a temperatura do ar condicionado pensando na casta inferior que se senta à mesa ao lado. E não contrarie quaisquer interesses da casta superior, mesmo com o aval da diretoria, seu futuro estará perdido no setor, talvez até no ministério.
Os servidores são tratados como idiotas incompetentes por definição e o desvio de função varia ao sabor das conveniências da chefia e de seus colegas de classe. Se há algo que ninguém da casta superior quer fazer, lembra-se daquele (a) servidor (a) da área administrativa, de nível superior, capacitado para realizar a tarefa. Se o servidor de nível médio não faz, ou faz errado, ao de nível superior se passa a tarefa, se não tem servidor da carreira de Estado para o serviço, ensina-se ao da área administrativa o que fazer em seu lugar sem receber um centavo a mais por isso. Se aparece um servidor da carreira interessado, o administrativo é retirado, sem qualquer satisfação. A chefia passa todos os dias na sala dos colegas para conversar e dar bom dia, mas na sala dos servidores da área administrativa, quase nem aparece, só para passar tarefas extra cotidianas.
De fato, a preocupação do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE) com o núcleo estratégico gerou quadros altamente qualificados para liderar quadros administrativos altamente defasados e precarizados. Em alguns ministérios, ainda nos dias atuais, mal há servidores, como no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS) ou no Ministério da Saúde (MS). O primeiro é povoado por consultores, especialmente contratados via PNUD[ii], no segundo a carreira é tão ruim, que predominam os comissionados. O que pode fazer pelo Estado brasileiro, em termos de gestão e políticas públicas, um núcleo estratégico altamente capacitado diante desse contexto administrativo desolador?
O ambiente e a cultura organizacional
Para completar esse cenário, a presidente e seus prepostos não têm política de gestão de pessoas, a não ser quando é para tratar os servidores de modo autoritário e repressivo, como bandido ou culpado, até que prove o contrário. Corrobora-se aí o alardeado preconceito do servidor corrupto, desidioso, despreparado e ineficiente, ao invés de buscar capacitá-lo, incentivá-lo e valorizá-lo em sua carreira e local de trabalho como servidor do público. Estabelecem ponto eletrônico em plena era de flexibilização das jornadas de trabalho e priorização de resultados e produtividade. Com isso, a não ser na real necessidade de atribuições que exigem atendimento ao público, conseguirão manter os (as) servidores (as) no local de trabalho por tempo milimetricamente controlado. Porém, aqueles que são ociosos, hoje uma minoria, continuarão ociosos, e aqueles que trabalham, serão punidos, pela ausência do pagamento de horas extras ou banco de horas - além de contarem com mais um mecanismo de perseguição por parte de colegas e chefias. Pois a avaliação de desempenho, principalmente para aqueles que pertencem às carreiras superiores, é feita de modo ritualístico, igualando o incompetente ao competente.  Logo, resolve-se o problema da presença no local de trabalho, mas persiste o problema da produtividade. Afinal, as pessoas estão em suas mesas fazendo o quê?
O abandono de uma pessoa assídua ao local de trabalho, sem que a ela sejam dadas tarefas anteriormente prometidas, dando a outro funcionário sem qualquer justificativa, ou abandoná-la em sobrecarga de trabalho com a falsa promessa de um funcionário para dividir a carga seria também, no conjunto dessa obra, assédio moral?
Toda essa história, a se desenrolar nos bastidores do serviço público, de fazer inveja às novelas, transforma os servidores, frequentemente, em colecionares de doenças como insônia, depressão e ansiedade.
Essa postura de competitividade destrutiva de pequenas crueldades cotidianas agrava-se pela atuação, conivência ou omissão das chefias, que tratam os (as) servidores (as) como lixo. Para completar, a disparidade exacerbada entre as carreiras, a atualização remuneratória de algumas em detrimento de outras, reproduz no interior do Estado a estrutura social de injustiça evidenciada pela enorme distância entre ricos e pobres no Brasil, oriundas da extrema concentração de renda em uma diminuta parcela da população.
O controle da jornada de trabalho mediante ponto biométrico pode ser considerado moralizador, organizador do ponto de vista formal, mas é primário do ponto de vista educacional. Piaget estabeleceu três estágios de desenvolvimento humano: a anomia, a heteronomia e a autonomia. Anomia é ausência de normas, o indivíduo não limita sua conduta por parâmetros legais, morais ou éticos, no limite, é um psicopata. O indivíduo heterônomo segue as regras, mas porque teme a punição, a sanção externa. O indivíduo autônomo, por sua vez, interioriza de forma crítica normas formais, informais e preceitos morais, pautando sua conduta pelo que considera justo para si e para os outros. A sanção do indivíduo é, pois, interna, independente de coerção social (Piaget in Alves, 2001: 116-118). Logo, que tipo de ser humano a repressão e o excesso controle patrocinam? É a cultura hierárquica e autoritária cuja herança perversa persiste e se reproduz nas salas e corredores das repartições públicas, assumindo novas formas, atualizadas ao século XXI.
Na justiça do trabalho, o tele trabalho, a princípio um avanço, é acompanhado de maior exigência em metas de produtividade, ou seja, horas extras gratuitas. Muitos assumem o encargo de assistente de juízes e desembargadores sem recebimento de função, e, quando recebem, são premiados tanto quanto os "sem função", com a sobrecarga de trabalho e uma jornada prolongada a fins de semana, feriados e até mesmo férias, ficando 24h à disposição de suas chefias (juízes/desembargadores) para a recepção de telefonemas pedindo ajustes ou alterações nos votos ou decisões monocráticas. São eles que julgam em lugar das excelências, mas como se elas fossem, moldando-se a seus posicionamentos jurídico-doutrinários. Pode haver quem valorize status e remuneração acima de saúde e vida pessoal e tenha prazer nesse trabalho intelectual sem autonomia...  
Nos âmbitos das administrações estaduais e municipais a situação é ainda pior, a começar pela estrutura remuneratória. Um cargo técnico de nível superior na Prefeitura Municipal de Contagem era (no ano de 2006) remunerado mensalmente com R$ 1.473,00, que se tornavam R$ 1.273,00 após o desconto previdenciário, com uma jornada de 40h semanais, sem auxílio transporte ou alimentação. Adicione-se a isso um trabalho diário em total desvio de função, atendendo telefonemas no lugar da secretária que não deseja fazer seu trabalho, respondendo à mesma pergunta de cinco em cinco minutos porque a prefeitura não assume uma posição diante do problema, atuando no lugar da assistente social de licença que ninguém pode substituir, nem mesmo a outra assistente social do setor, sem qualquer competência para tanto, pois o edital exigia uma pessoa com formação sociológica. Contudo, a chefia, além de atribuir tarefas desprovidas de qualquer sentido para o (a) servidor (a), inclusive por entender muito pouco do que está fazendo, concede uma jornada de quatro horas diárias para os servidores antigos, enquanto obriga os novatos a cumprir as oito horas normais. Obviamente, qualquer pessoa com um mínimo de ambição, deseja livrar-se rapidamente desse emprego frustrante e mal pago, ingressando em uma carreira melhor e mais satisfatória. Ora, isso somente contribui para a continuidade do sucateamento estrutural das administrações públicas locais, incompetentes para aplicar ou gerir quaisquer políticas que possam beneficiar os cidadãos. Haja vista a aplicação clientelista e corrupta da política habitacional em Contagem, que gerou a interrupção do Programa de Arrendamento Residencial (PAR, financiado pela Caixa Econômica Federal) no município, e ainda uma investigação dos governos A e B, pela venda de lugares em fila de espera ou compra de votos mediante colocação de pessoas à frente, para obtenção de moradias populares, da parte de vereadores, eventualmente integrantes do partido de situação. É melhor ignorar o que mais acontece em outras prefeituras do interior de Minas Gerais. Silêncio sobre as injustiças presenciadas ao ir às ruas e verificar a aplicação desigual, baseada tão somente em interesses eleitorais, na aplicação do programa Bolsa Moradia.
Morte aos pobres, vida longa aos nossos queridos politiqueiros! Também é graças a eles que os servidores públicos, além de serem desvalorizados, mal remunerados, perseguidos e sofrerem com sobrecarga de trabalho, ainda contam com baixa estima social herdada da corrupção passada e presente das poucas, mas destruidoras ervas daninhas que ainda vicejam no Estado brasileiro.

A estrutura e o direito administrativo
A separação tradicional feita na teoria da administração entre staff e linha, atividade meio e atividade fim vem sendo criticada. Por ser preconceituosa e compartimentada, essa divisão tornou-se obsoleta, pois desconsidera que as atividades administrativas são essenciais à sobrevivência da organização e que podem ser tão ou mais complexas que as atividades finalísticas. Entretanto, tal ideia é dominante na Administração Pública Federal, tanto no Poder Executivo quanto no Poder Judiciário.
Outra crítica, feita na Agenda Nacional de Administração Pública (Unger & Johannpeter, 2009:13) é a defasagem e rigidez do Direito Administrativo brasileiro, sem espaço para o controle social e a participação democrática nas políticas, seguindo sem reformas e atualizações ao longo de sucessivos governos e legislaturas. Ademais, nossa burocracia conta com uma estrutura burocrática inflexível, piramidal que se mantém intacta e refratária às demandas sociais e até mesmo políticas. Esse talvez seja um aspecto que requer mudanças, com a adoção de estruturas mais horizontalizadas. Mais uma vez as teorias administrativas nos fornecem subsídios, trazendo formas de estruturação organizacional divisionais, matriciais, por funções, equipes ou em redes, que podem ser combinadas em um mesmo órgão ou nos diversos órgãos da Administração Pública, adaptadas conforme as necessidades de cada setor e as vantagens que se queira obter delas.
Na área de gestão de pessoas a teoria da hierarquia das necessidades de Maslow é reveladora. Em primeiro lugar precisamos atender nossas necessidades fisiológicas (sede, sono, fome, e outras ligadas à sobrevivência biológica), em segundo lugar estão as necessidades de segurança (proteção contra perigos físicos e emocionais). Atendidas essas buscamos as necessidades sociais de afeição, filiação, amizade, aceitação. Em quarto lugar estão as necessidades de estima, ligadas a fatores internos e externos. A auto-estima, o auto-respeito, autonomia e o senso de competência. Os fatores externos desse patamar correspondem a status, reconhecimento, prestígio, atenção e consideração. Em quinto e último lugar, Maslow coloca as necessidades de auto-realização. São as mais elevadas do ser humano. “Constitui o impulso de ser aquilo que é capaz de ser e de maximizar as aptidões e capacidades potenciais”, esses desejos incluem “crescimento pessoal e alcance de plena potencialidade da pessoa. Nessa teoria, (...) quando uma necessidade é relativamente satisfeita, a próxima necessidade mais elevada torna-se dominante no comportamento da pessoa” (Godoy, 2009:15).
No contexto atual de precarização das carreiras públicas e alta rotatividade dos quadros de servidores, torna-se importante manter as pessoas nas organizações. Nesse sentido, parecem-nos equivocadas as formulações que reduzem o servidor público ao homo economicus, cujo interesse exclusivo no aumento dos patamares remuneratórios reduz a motivação às formas de pagamento variável atreladas à produtividade e desempenho. É uma crítica aplicável inclusive à Agenda Nacional de Administração Pública, a qual se enquadra perfeitamente às tendências atuais de incluir parcelas variáveis nas remunerações dos servidores e conceder aumentos irrisórios às categorias especificamente nessas parcelas, mantendo o vencimento básico praticamente congelado e diminuto diante das perdas inflacionárias. 
As pessoas não desejam apenas dinheiro. Essa é a explicação de casos testemunhados de servidores abandonando a carreira de Analista de Comércio Exterior pela de Auditor de Finanças e Controle (ambas carreiras de Estado) ou um cargo de Consultor Legislativo no Senado (cerca de R$ 18.000,00) pela carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (R$ 13.000,00), em função de insatisfação profissional, seja em relação a tarefas, seja em relação ao ambiente e à cultura organizacional.
Atualmente, muitos concurseiros aprovados em cargos de nível intermediário possuem formação universitária, ou mais, são graduados e pós-graduados, ou seja, são demasiadamente capacitados para as atribuições do cargo. Ao concorrer a uma vaga como essa a pessoa deve aceitar conscientemente as atribuições do cargo, ainda que estejam aquém de suas capacidades. Mas, nada impede que, ocorrendo necessidade da administração, sua competência seja reconhecida e que elas possam exercer atividades de maior responsabilidade e complexidade. Isso em administração se chama enriquecimento de cargo ou Job Enrichment. Está claro que, o enriquecimento de cargo possui um aspecto explorador do trabalho, ao aumentar a responsabilidade do funcionário sem que isso implique, necessariamente, em aumento de remuneração. Contudo é uma medida válida, ao considerarmos a teoria da hierarquia das necessidades de Maslow, pois atende aos fatores externos de estima, no quarto nível e pode até chegar a atender a necessidade de auto-realização do servidor, no quinto nível.
Infelizmente, flexibilização das estruturas organizacionais para atendimento de demandas sociais e enriquecimento de cargos são impossibilidades legais na Administração Pública brasileira. É preciso dizer que são frequentemente impossibilidades culturais também. As avaliações de desempenho, além de serem recorrentemente esvaziadas de real esforço avaliativo, costumam também serem eivadas de vícios. Por que os servidores podem se avaliar mutuamente nos moldes 360º, mas a chefia é avaliada somente por seu superior hierárquico? Avaliações entre iguais também podem resultar em injustiças, refletir antipatias e perseguições. Por que um chefe não pode ser avaliado por seus subordinados se é com eles que convive cotidianamente? A avaliação do chefe por seu superior hierárquico tende a ser apenas técnica, mas e o aspecto da liderança vivenciado pelos subordinados? O chefe avalia o funcionário e o funcionário não tem direito real de defesa diante de qualquer queixa que o chefe acolha de um colega e que reflita em sua avaliação. Assim, se o chefe possui uma queixa do subordinado e o avalia bem, é um favor que faz a ele, mesmo que tenha acabado de cometer uma injustiça! Logo, se a avaliação 360º deve ser vista com reservas, a avaliação da chefia pelos subordinados também. Entretanto, isso não justifica que as avaliações recíprocas sejam meramente descartadas em nome da hierarquia funcional. Com isso, muitos chefes vêm cometendo assédio moral, assédio sexual, omitindo-se e/ou sendo coniventes com posturas antiéticas, persecutórias, ilegais e imorais, porém, seguem impunes e intactos em suas posições de poder. Ao servidor só restam por alternativas: fuga do órgão ou do setor e adoecimento. Com esses vícios: a) flexibilização estrutural é bagunça; b) desvio de cargo é ilegal, mas prática utilizada à vontade, conforme a conveniência das chefias (ou seja, aleatoriamente, sem qualquer critério, reconhecimento ou sentido de Job Enrichment); c) trabalho em equipe é conto de fadas; e d) competição é darwinismo social.


“Os modos de ser da informalidade: rumo a uma nova era da precarização estrutural do trabalho?”
Ricardo Antunes
O autor considera ainda mais válida para esse início de século XXI a análise de Karl Marx sobre o Capital. Marx descreve a tendência a reduzir o trabalho vivo diretamente empregado na produção como uma das grandes tendências e processos do capitalismo.
Esse fenômeno vem assumindo diversas formas na Modernidade Tardia[iii], mas todas elas marcadas pela corrosão do trabalho contratado e regulamentado. Empregadas domésticas trabalhando até 90 horas semanais, com apenas uma folga por mês; terceirização do trabalho; conversão do cooperativismo dos trabalhadores em cooperativismo patronal para erodir ainda mais direitos trabalhistas; empreendedorismo; trabalho voluntário; trabalho escravo de imigrantes, cortadores de cana-de-açúcar tirando de 10 a 18 toneladas por dia; operários japoneses e migrantes dormindo em cápsulas de vidro; ausência de políticas de gestão e capacitação de pessoas, planos de carreira defasados e tratamento autoritário dos servidores públicos por parte de governantes, expansão da informalidade, dos contratos temporários... Enfim, sob novos e velhos mecanismos de intensificação da exploração do trabalho, a empresa capitalista global amplia formas geradoras de valor sob aparência de não-valor e gera desemprego estrutural em escala transnacional.
Entre os modos de ser da informalidade existem os trabalhadores informais tradicionais: pedreiros, costureiras, jardineiros, faxineiras, vendedores (as) ambulantes de produtos de consumo imediato, como roupas, alimentos e cosméticos, sapateiros, camelôs, empregados domésticos, oficinas de reparos, encanadores, eletricistas, bombeiros. Existem também aqueles que conjugam o trabalho formal com os chamados bicos, para complementar a renda, trabalhando nos momentos de folga. Nessa categoria também se inserem faxineiras, além de digitadores, salgadeiras e a confecção de artesanato. A situação de informalidade pode ser adotada num momento de desemprego e acabar se tornando permanente. A informalidade em geral se aplica a situações de renda muito baixa, sem acesso a direitos sociais e trabalhistas básicos, como aposentadoria, férias, auxílio-doença, FGTS, licença-maternidade.
Outra modalidade de trabalhadores informais são aqueles assalariados sem registro ou sem carteira assinada, como ocorre na indústria têxtil e de calçados. Uma quarta modalidade é a dos trabalhadores informais por conta própria. São produtores de mercadorias simples que podem subcontratar força de trabalho assalariado e/ou empregar mão-de-obra familiar com ou sem remuneração. Nessa seara proliferam pequenos negócios em torno de grandes corporações que determinam os limites de sua atuação em áreas de produção, comércio e prestação de serviços.
A precarização estrutural do trabalho ocorre, contraditoriamente, num discurso de responsabilidade social e qualidade total das empresas. Mas, é preciso ressaltar, a despeito da análise do autor, que realmente vem surgindo algumas práticas de responsabilidade social da parte das empresas, ainda que isso aconteça com interesses fiscais e para alcançar maior aceitabilidade social. É o caso dos supermercados que instalam postos de coleta seletiva do lixo em seus estacionamentos, incentivam o uso de sacolas retornáveis e só fornecem sacolas de plástico orgânico de rápida decomposição no solo. Aliás, a abundância de contradições também é uma característica do capitalismo, coexistindo no interior de empresas e mercados essa lógica destrutiva e intensificadora do sobretrabalho com discursos e/ou diversas práticas sustentabilidade. Em verdade, é interessante verificar a hipótese de que mais vale uma boa imagem social, do que boas práticas internas em relação a empregados e ambiente de trabalho. Às vezes, vale a filosofia: “não é preciso ser, basta aparentar ser”.
A qualidade total é realmente um contra-senso ao se constatar que as mercadorias são produzidas para durabilidade limitada, visando descarte rápido e compra de novo produto para substituí-las, com o objetivo de fazer girar cada vez mais rápido a roda do mercado.  Prevalece a tendência “decrescente do valor de uso das mercadorias”, aproximando descarte do trabalho a superfluidade da produção em geral. Isso em parte se deve a velocidade dos avanços tecnológicos, mas até mesmo esses são direcionados de modo a emperrar o uso das mercadorias, obrigando o consumidor a nova compra em períodos de obsolescência programada. Afinal, é como diz a música da banda Engenheiros do Hawaii...
3ª Do Plural
Corrida pra vender cigarro
Cigarro pra vender remédio
Remédio pra curar a tosse
Tossir, cuspir, jogar pra fora
Corrida pra vender os carros
Pneu, cerveja e gasolina
Cabeça pra usar boné
E professar a fé de quem patrocina
Eles querem te vender,
Eles querem te comprar,
Querem te matar (de rir),
Querem te fazer chorar
Quem são eles?
Quem eles pensam que são? (4x)
Corrida contra o relógio
Silicone contra a gravidade
Dedo no gatilho, velocidade
Quem mente antes diz a verdade
Satisfação garantida
Obsolescência programada
Eles ganham a corrida
Antes mesmo da largada
Eles querem te vender,
Eles querem te comprar
Querem te matar (a sede),
Eles querem te sedar
Quem são eles?
Quem eles pensam que são? (4x)
Vender, comprar, vendar os olhos
Jogar a rede... contra a parede
Querem te deixar com sede
Não querem te deixar pensar
Quem são eles?
Quem eles pensam que são? (2x)
Quem são eles?
A expansão da precarização do trabalho convive diariamente com a substituição do ser pelo ter na sociedade de consumo, em que status se define por quantidades e marcas de bens adquiridos, alienação do trabalho e alienação da realidade no divertimento, pão e circo para que não se pense nem no ontem, nem no hoje, nem no amanhã, numa busca desenfreada por mais e mais bens materiais e conforto. É mais uma contradição, pois como quem é desprovido do trabalho digno poderá se candidatar aos padrões atuais de consumo?
Se o cidadão não se identifica e não se auto-realiza com seu trabalho e está fora das relações consumistas, acabam buscando formas de individuação e socialização nas “esferas isoladas do não trabalho”, como atividades de formação, benevolência e serviços. Permito-me discordar de conceito tão restrito de trabalho, considerando-o somente aquele que possui retribuição monetária. Os serviços domésticos da dona de casa também constituem trabalho, embora não sejam remunerados. As atividades de estudo também são trabalho, embora muitas vezes o aluno pague para estudar. Colocar preço em tudo é um movimento exatamente contrário ao discurso crítico da precarização do trabalho, ao admitir que a vida humana só possa realizar-se inserida na relação empregatícia formal entre capital e trabalho, e, portanto, só tenha valor quando puder ser também precificada. Dessa maneira, na atual conjuntura, legitimamos a concepção subjacente ao sistema de dar bem pouco valor à vida humana... Principalmente se ela estiver fora do mercado. É de se questionar se o sentido da vida é somente trabalhar para sustentar a vida material e dedicar-se a família consangüínea. Cada um vivendo para si mesmo e para os seus na sua esfera privada. Essa é apenas a filosofia liberal individualista compatível com o sistema econômico vigente.
Na verdade, o que a globalização tem nos mostrado em escala mundial é a incompetência dos capitais para inclusão e humanização das relações sociais. A crise revela o sentido da mudança.











ANEXO
Alguns dados para reflexão...
·         O crescimento do emprego público no país desde 1930 não alcançou os índices de países centrais. Em 1982 a proporção do emprego público na População economicamente ativa (PEA) nos EUA era de 16,6%, enquanto que no Brasil, em 1986, era de 8,16% - será que, a culpa da falência do Estado em 1990 era realmente do excesso de servidores públicos? (Gomes, Silva e Sória, 2012: 167)

·         A adesão do Brasil ao Consenso de Washington nos anos 1990 destacou o funcionalismo como ponto fundamental na agenda das reformas. Os governos desde então tendem a tratar o emprego público como um problema fiscal, atuando no sentido de restringir sua dimensão; (Idem, 167-8)

·         Nos países centrais também houve piora das condições de trabalhos dos servidores públicos, com crescimento da parcela variável na estrutura remuneratória, intensificação do trabalho e precarização do vínculo pela ampliação de contratos temporários (Idem, 167);

·         De 1992 a 2001 a PEA cresceu 2,1% ao ano, enquanto o percentual da população ocupada cresceu apenas 1,8% ao ano. Assim cresceram as taxas de desemprego, de 7,2% em 1992 para 10,1% em 2001 (Idem, 168);

·         A baixa geração de postos de trabalho atingiu mais fortemente a criação de empregos formais: em 1989 51,9% do total da população ocupada tinha emprego formalizado, em 1999 esse percentual passou para 42,8%. Parcela que se tornou mais heterogênea pelas novas modalidades contratuais introduzidas nos anos 1990, como os contratos em tempo parcial e temporários (Idem, 168-9);

·         Verificou-se também nos anos 1990 a redução do quadro de servidores públicos na esfera federal e estadual, mas houve ampliação no plano municipal pelo aumento no número de municípios e descentralização da execução de políticas públicas, conforme determinações da Constituição de 1988; (Idem, 169)

·         No governo Collor houve fechamento de órgãos, privatização e demissão sumária de servidores, mas limitações da legislação impediram o ajuste do funcionalismo pela via da demissão. Então, optou-se pela limitação no ingresso de novos servidores, via contenção e suspensão da realização de concursos públicos; (Idem, 169)

·         A falta de diagnóstico levou o governo a conceber o problema ainda como excesso de servidores, mas em 1997 perceberam que o problema residia na folha de inativos, ou seja, na Previdência Social; (Abrucio, 2005: 52)

·         O governo FHC trouxe reformas pelas Emendas Constitucionais nº 19 e 20, aprovadas em 1998. Essas emendas alteraram o regime, princípios normas da Administração Pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e equiparam o regime próprio de previdência social dos servidores ao regime geral de previdência social (CF/88). Ambas refletem diretrizes do Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (1995); (Gomes, Silva e Sória, 2012: 169-170)

·         Há poucos estudos sobre os resultados dessas reformas, o quantitativo de servidores também diminuiu pela corrida a aposentadoria por causa da reforma da previdência e pela não reposição dos quadros via realização de novos concursos e a perda de cargo determinada pelo desempenho insatisfatório nas avaliações ainda não foi regulamentado; (Idem, 171)

·         O debate sobre o “inchaço” muitas vezes oculta o comprometimento da prestação de serviços essenciais, providos integral ou parcialmente pelo Estado, como os educacionais e de saúde. Houve queda de quase 19% no número de professores entre 1995 e 1999 (PNAD/IBGE, 2009). Em Breve Diagnóstico da Administração Pública Federal (Presidência da República, 2004), a Casa Civil diagnosticou gravíssimo déficit institucional em áreas estratégicas como Receita Federal, Fiscalização Agropecuária e do Trabalho, Proteção do Patrimônio Histórico, Propriedade Industrial, Polícia Federal, Secretaria de Previdência Complementar, entre outros (Idem, 171).
Esses dados dão uma pequena amostra, em documentos e dados estatísticos confiáveis das análises que buscamos empreender nos texto deste trabalho.


























BIBLIOGRAFIA
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ABRUCIO, Fernando Luiz. “A Coordenação Federativa no Brasil: a experiência do governo FHC e os desafios do governo Lula”. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, 24, p.41-67, junho de 2005.
GIDDENS, Anthony. Modernidade e Identidade. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.
GODOY, Juliana. Apostila de Noções de Administração. Belo Horizonte: Meritus Concursos Públicos, 2009.
GOMES, Darcilene Cláudio, SILVA, Leonardo Barbosa e, SÓRIA, Sidartha. “Condições e relações de trabalho no serviço público: o caso do governo Lula”. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 20, n.42, p.167-181, junho de 2012.
NOGUEIRA, Marco Aurélio. “Um Estado para a Sociedade Civil”. In: Temas éticos e políticos da gestão democrática. São Paulo: Cortez, 2004
PEREIRA BRESSER, Luiz Carlos. Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado. Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), 1995.
SOUZA, Alessandra Mara Freitas Silva de. Apostila de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Meritus Concursos Públicos, 2008.
UNGER, Roberto Mangabeira & JOHANNPETER, Jorge Gerdau.  Agenda Nacional de Administração Pública. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR) e Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, 2009.




[i] A história provou ser equivocado esse pressuposto, como relata Marco Aurélio Nogueira (2004:77-8).
[ii] Plano das Nações Unidas para o Desenvolvimento, da Organização das Nações Unidas (ONU).
[iii] Anthony Giddens (2002).

Administração Pública, Federação e Políticas Públicas

FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO



















ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, FEDERAÇÃO E
POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL

Trabalho Final de Gestão Pública
Professora:
Telma Maria Gonçalves Menicucci

















Ana Rita Gonçalves Lara
Fernanda Flávia Martins Ferreira
Roberta Silveira Zanetti


Belo Horizonte, 2 de julho de 2013.

Desafios para a elaboração e a implementação de políticas públicas: a reforma do Estado e a Coordenação Federativa

Em capítulo sobre a formação da burocracia brasileira Abrucio, Pedroti e Pó (2010) sintetizam a trajetória do Estado brasileiro da época da colonização à redemocratização com a Constituição de 1988. Nos anos 1990 as ideias de reforma do Estado culminaram no Plano de Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE, 1995) e na Reforma da Previdência em 1998, sob a liderança e governo de Fernando Henrique Cardoso. Em artigo de Abrucio (2005) sobre a coordenação federativa, observamos uma análise atenta do arranjo federativo construído a partir da Carta Magna de 1988 e seus desdobramentos do governo Sarney ao início do governo Lula. Em 2005 o Decreto nº 5.378/2005 institui o Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização, o GESPÚBLICA. E em 2009, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR), o Conselho Nacional de Secretários de Estado da Administração (CONSAD) e o Movimento Brasil Competitivo se unem e mobilizam estados e Sociedade Civil para compor a Agenda Nacional de Gestão Pública, sintetizada pelo Ministro Mangabeira Unger e por Jorge Gerdau Johannpeter, líder do Movimento Brasil Competitivo.
Esses textos se enquadram num panorama cronológico tanto dos fenômenos e fatos analisados quanto das épocas em que foram publicados. Embora socialmente não possamos compreender a história como uma linha evolutiva reta, buscamos uma modesta compreensão de onde partimos e até onde chegamos com todos os caminhos percorridos pelas forças políticas, ideológicas e configurações estruturais assumidas pela Administração Pública brasileira, nos planos legais, culturais e das práticas cotidianas. E assim, sem pretensão de abarcar o todo, decidimos nos dedicar a algumas bibliografias selecionadas para o presente trabalho.

Aspectos históricos

À época do Brasil colonial o sistema de capitanias hereditárias na organização territorial traduzia um resquício feudal da monarquia portuguesa. Esse sistema não deu certo, haja vista o cenário de disputas por territórios ultramarinos entre os países europeus. Essa disputa marcou a era do absolutismo monárquico e a fase mercantilista e manufatureira, nos primórdios do capitalismo, e resultou em invasões da colônia portuguesa na América. As mais notáveis na lembrança são as experiências do domínio holandês no norte e nordeste, com Maurício de Nassau e a França Antártica, nas regiões atualmente correspondentes a Rio de Janeiro e São Paulo.
As capitanias eram domínios privados, nos quais os prepostos do rei eram senhores da lei, da vida e da morte das pessoas, vassalos exploradores das terras selvagens cujas obrigações eram obediência e fidelidade ao rei, proteção e defesa das terras e pagamento dos tributos coloniais. As bases de comando e uniformização do processo colonizador eram o Conselho Ultramarino e a Igreja Católica, e, posteriormente, o governo-geral.
Em meados do século XVIII o Marquês de Pombal buscou corrigir a ineficiência do sistema de capitanias hereditárias, implantando reformas que fortaleciam a intervenção da metrópole nos rumos da colônia. Pombal manteve o viés centralista e regulamentador temperado pelo patrimonialismo local. Aliás, esse patrimonialismo decorria em alto grau da ausência do Estado na maior parte do território. Nesse sentido, deu continuidade ao princípio filosófico de que o Estado antecede a sociedade, ao modelo administrativo pouco efetivo e excessivamente regulamentador, bem como à lógica de privatização do espaço público.
Contudo, as reformas pombalinas inseriram nessa tendência um elemento novo e contrário às formas tradicionais do poder estabelecido: a formação de uma elite burocrática brasileira, lideranças altamente capacitadas (profissionais) em Portugal, especialmente na Universidade de Coimbra, para compor os altos postos da administração colonial. Uma elite bastante homogênea em termos de ideias e propósitos, que passou a influenciar decisivamente os rumos da história brasileira.
Essa alta burocracia pombalina tornou-se genuinamente brasileira após a independência e teve uma atuação ambígua na modernização do Estado, introduzindo elementos progressistas e conservadores. Esses Homens de Mil, pois, na concepção de Oliveira Viana, cada um desses funcionários valia por mil homens, inauguraram uma forma estadocêntrica e centralizadora de fazer reformas, o que levou Luiz Werneck Vianna[1] a apropriar-se do conceito gramsciano e denominar, posteriormente, os processos de mudança social do Brasil de “Revolução Passiva”, ou seja, com pouca ou nenhuma participação popular. 
Esse modelo, embora tenha sofrido mudanças incrementais, continuou sendo a marca de nosso modus operandi reformista. Reformas liberalizantes, porém, com manutenção do status quo e introdução autoritária de mudanças (“de cima para baixo”).
Com a independência, a Constituição de 1824 adotou o Estado Unitário, centralizado com poderes excessivos nas mãos do Imperador. Nesse momento histórico, a forma de Estado adotado teve a estratégia de manter a unidade nacional e evitar o desmembramento do território, como ocorrido nas colônias da “América Espanhola” (Silva, 2010).
A elite burocrática brasileira, por ser profissional, era selecionada pela associação de tradicionais critérios patrimoniais (laços sociais) e de critérios meritocráticos (formação e experiência). Dessa maneira, não era uma burocracia pública, nem no sentido liberal nem no democrático, era uma burocracia privada, fechada sobre si mesma e alheia à sociedade, que devia obediência somente ao Imperador. Em sentido liberal os Homens de Mil romperam com Portugal e apoiaram a independência do Brasil; lutaram pelo fim do absolutismo monárquico e pela constitucionalização do Brasil, tinham um projeto de nação e impediram a fragmentação do país após a independência; integravam o Conselho de Estado do Imperador, favorecendo a introdução de direitos civis e políticos no art.179 da Constituição de 1824; eles eram contrários a escravidão, embora tentassem extingui-la. No sentido conservador, consolidaram e estabilizaram o modelo político imperial no Segundo Reinado; reduziram a esfera pública às decisões dos agentes estatais, e, para manter unidade do país, fortaleceram aspectos patrimoniais do Estado.
A burocracia estatal exerceu seu poder como minoria, boa parte das funções estatais continuou a cargo de entes privados, sem que a administração do império alcançasse a maior parte do território brasileiro. A Guarda Nacional, por exemplo, era um exército privado organizado para fins de defesa do país.
Num momento de economia fraca o serviço público era “vocação de todos”. Baixa burocracia exerceu papel fundamental na aquisição de apoio político por meio da distribuição de cargos. A burocracia então se dividiu: uma parte baseada primordialmente no mérito, outra primordialmente na patronagem.
Na Primeira República ou República Velha, a partir de 1889 houve um retrocesso geral. O Estado enfraqueceu, principalmente no poder central, e predominaram as oligarquias estaduais, baseadas no domínio local dos coronéis, donos do poder social, econômico e político. No século XIX as burocracias estatais pelo mundo eram em geral todas parecidas com a brasileira, marcadas pelo patrimonialismo. No entanto, no início do século XX começam os primeiros esforços de racionalização burocrática analisados por Max Weber, e então começamos a “perder o bonde da história”.
As ilustres exceções do período remontam ao Movimento Tenentista, cujas reivindicações culminaram na criação de um Exército público. A necessidade dos presidentes de uma diplomacia forte e competente para solucionar nossos problemas territoriais culminou na fundação do Itamaraty, nossas duas primeiras burocracias profissionais selecionadas mediante critérios universalistas e meritocráticos.
A Revolução de 1930 foi o fim da República Velha. Getúlio Vargas ascendeu ao poder pela via eleitoral, mas em 1937 deu o golpe de Estado que iniciou o Estado Novo, o qual perdurou até 1945.
Vargas empreendeu um esforço de construção do Estado baseado no Nacional-Desenvolvimentismo, com o intuito de completar formação nacional com ampla intervenção nos domínios econômico e social, voltado para industrialização, urbanização e crescimento. Para isso precisava de uma burocracia profissional competente, capaz de conduzir “as diretrizes de modernização econômica e desenvolvimento almejadas” (Abrucio, Pedroti e Pó, 2010:35). E a diplomacia serviu como modelo para estruturação do serviço civil, expandido para toda a administração pública, “a primeira estrutura burocrática weberiana destinada a produzir políticas públicas em larga escala” (Id., 2010:36).
A Constituição de 1934 eleva pela primeira vez o concurso público à norma constitucional como regra geral de acesso aos cargos públicos. Esta regra foi mantida na Constituição de 1937 e em 1938 foi criado o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP).  
A reforma do DASP foi a primeira que gerou uma burocracia institucionalizada, em que a Administração e os objetivos do Estado são mais importantes que os burocratas e seus laços sociais. Durante a reforma administrativa conduzida pelo DASP foram criadas até 1945, 56 agências estatais, entre autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações, unidades descentralizadas da burocracia federal, atualmente denominadas Administração Indireta, com fulcro no Decreto-Lei nº 200 de 1967, obra da Ditadura Militar que manteve muitas continuidades com o modelo de Estado varguista. Esse período marcou também o esforço de implantar no Brasil os preceitos mais modernos de gestão e administração vigentes à época, envolvendo pesquisas sobre as burocracias estatais de outros países.
O DASP perdeu poder assim que Vargas caiu e se estabeleceu o governo provisório, e essa decadência se estendeu até sua extinção na década de 1980. Entretanto, deu a contribuição de implantar a cultura do mérito em alguns setores do serviço público.
Em 1952 Juscelino Kubitschek, ao adotar a estratégia de criar uma administração paralela para conduzir seu Plano de Metas. Com isso, reforça também a estratégia, já adotada na Era Vargas, de insulamento burocrático para formar as ilhas de excelência, reservando para outras partes da administração a tarefa clientelista de nomeações para garantir apoios políticos. Com a lógica da administração paralela Kubitschek aprofundou também a já existente fragmentação dos órgãos governamentais. A herança positiva desse governo foi a eficácia dos projetos desenvolvimentistas, a criação da Petrobrás e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (atual BNDES).
 Nesse mesmo ano foi aprovado o primeiro Estatuto dos Funcionários Públicos Civis, a Lei nº 1.711/1952. Essa lei reforçou o princípio do concurso público, embora tal norma tenha continuado a ser sistematicamente violada, a exemplo da Lei nº 4.069/1962, apelida de Lei do Favor.
A partir do golpe de 1964, os militares buscaram apoio em alguns setores da elite política e social para legitimar seu governo. Com um discurso anticomunista, antipolítico e tecnoburocrático intitulavam seu regime de modernizador. Acreditando na superioridade da técnica sobre a política, investiram na Administração Pública fortalecendo algumas carreiras de Estado com base em princípios meritocráticos.
Essa política se refletiu na criação do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), do Banco Central (BACEN), da Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa). O Decreto-Lei nº 200/1967 instituiu a Administração Indireta autônoma e flexível, com regime de contratação pela CLT, objetivando facilitar o recrutamento e a oferta de melhores salários. Entretanto, o decreto previu formas de coordenação e controle das unidades que não funcionaram. Desse modo, ficamos com uma administração indireta forte, competente, mas fragmentada e sem controles de legalidade ou desempenho, e, por outro lado, com uma administração direta fraca e ineficiente.
Na estrutura federativa o regime militar estimulou a reprodução da estrutura institucional federal nos estados e municípios, mas não alterou as formas de recrutamento nas esferas locais. Assim como à época de força do DASP, o regime militar recrudesceu a distância entre a administração pública federal e as administrações locais frágeis, precárias e clientelistas, baseados no argumento de que a modernização viria “de cima para baixo”.
A ideologia de superioridade da técnica sobre a política isolou a burocracia, deixando-a imune ao controle público. Contudo, isso não a fez imune a interesses privados, que nela penetraram por meio dos anéis burocráticos (Cardoso in Abrucio, Pedroti e Pó, 2010:50-1) [2].
O Departamento de Defesa Comercial do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior é um caso demonstrativo de que a estratégia do insulamento ainda é um recurso político válido. A política de defesa comercial brasileira tem como protagonista as investigações de dumping, seguidas pelas investigações de subsídios, as investigações contra surtos de importação (que podem resultar nas medidas de salvaguarda) e contra práticas elisivas (de burla a direitos antidumping em vigor). O departamento tem por meio de competência delegada o poder de conduzir essas investigações e de concluir pela aplicação ou não aplicação das medidas, restando a Câmara de Ministros de Comércio Exterior (CAMEX), a possibilidade de decidir a duração de uma medida pelo prazo de dois ou cinco anos, ou ainda, suspender ou cancelar uma medida para garantir o interesse público.
Embora a Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) possa iniciar uma investigação de ofício, o departamento (integrante da SECEX) tem agido por provocação de empresas que o procuram com petições antidumping, que devem ser instruídas conforme as exigências do Decreto nº 1.602/1995 (decreto antidumping) e outras legislações específicas ou subsidiárias, o que, por si só, já exige bastante conhecimento técnico de escritórios de advocacia que se especializam para atender essa demanda. As medidas de defesa são submetidas a revisão no último de sua vigência, por meio de petição dos interessados, ou se extinguem ao fim de seu prazo. Contudo, não há limite temporal para que se não possa mais revisar e reaplicar uma medida antidumping, de maneira que há medidas há mais de vinte anos, como é o caso do PVC, o plástico utilizado na fabricação de canos. Não é exigida nenhuma contrapartida das empresas beneficiadas com essas medidas, nenhuma melhoria para se tornar mais competitiva e independente da presença de medidas de defesa que aumentem o valor das importações para que se mantenham no mercado. Não há nenhum tipo de avaliação ou cobrança em relação às condições de trabalho ou a manutenção do número de empregados, já que a medida de defesa comercial irá reduzir suas perdas, e, por conseguinte, sua necessidade de dispensa da força de trabalho. A recuperação de postos de trabalho ou a manutenção do emprego das pessoas é apenas uma conseqüência esperada nesse contexto. Os trabalhadores das empresas peticionárias não participam de modo algum desse processo.
Além disso, a esmagadora maioria das empresas que ingressam no departamento com petições em quaisquer modalidades de defesa comercial são de grande porte, e, frequentemente, são transnacionais. A própria legislação limita o acesso de pequenas e médias empresas a esse instrumento, pois devem reunir-se e entrar juntas com uma petição, para que juntas componham de 25% ou 50% do mercado nacional e sejam consideradas representantes de seu setor econômico.
As investigações se baseiam em análises contábeis e microeconômicas, visando saber se há nexo causal entre os danos sofridos pelas empresas de determinado mercado e a prática de dumping pelos exportadores. Se há algum questionamento nos impactos macroeconômicos a constante de mais de oitenta medidas de defesa comercial acarreta, ele não se reflete em qualquer mudança da política. De fato, embora o DECOM atue sob os limites dos acordos e negociações internacionais, não seria o caso de refletir se a política de defesa comercial brasileira tem consequências protecionistas?
Há ainda um setor mais amplo da sociedade afetado pelas medidas de defesa comercial, que também não participa de modo algum, nem exerce qualquer tipo de controle sobre a política de defesa comercial brasileira: nós cidadãos consumidores dos produtos que, ao chegarem ao país, além dos impostos de importação, são obrigados a pagar as tarifas definidas lá no DECOM, chegando mais caros às prateleiras das lojas e supermercados.
Por fim, quanto o país arrecada com a cobrança de direitos antidumping? Para onde vai esse dinheiro? Por quê?
Logo, o Departamento de Defesa Comercial é uma ilha de excelência, afetada por interesses privados via anéis burocráticos, imune ao controle público. A política de defesa comercial, representada por ele, carece de uma avaliação externa sobre sua eficácia e repercussão, principalmente na política econômica, de modo amplo.
Porém, a tendência atual não é de avaliar, e sim de produzir mais do mesmo com maior intensidade. Assim foi feito um concurso público com 120 vagas para o DECOM, para reforçar a defesa comercial, num contexto em que o Brasil e vários países, enfrentam o problema concorrencial da China e de outros países asiáticos emergentes. O que há, além disso, é um esforço em atualizar a legislação de 1995.
O caso analisado é apenas uma demonstração de como o passado influencia o presente, de como a herança e a cultura autoritária, hierárquica, e, portanto, baseada na desigualdade ainda permeia o Estado brasileiro. Esse passado aparece tanto nas permanências estruturais quanto nas mudanças empreendidas, especialmente quando são claramente motivadas pelo desejo de superação e adaptação a novos contextos e momentos sociais, históricos, políticos e/ou econômicos. A redemocratização foi assim, um fato social total (Mauss, 1925) [3], pois envolveu uma mudança em todos os aspectos mencionados. A transfiguração dessa mudança abrangente, resultado dos esforços de todos os movimentos populares e partidários rumo à ruptura do regime autoritário foi a Constituição de 1988.

Redemocratização, Federação e Gestão Pública

Para Abrucio (2005:41), o elemento comum à maior parte dos estudos nacionais e internacionais sobre a estruturação federativa do Estado é o jogo de poder entre o governo federal e os entes subnacionais, entre as forças de centralização e descentralização. Embora esse foco analítico seja fundamental para compreender o fenômeno é insuficiente, pois os sistemas federais são mais bem compreendidos quando acrescentamos ao seu estudo a análise da coordenação intergovernamental.
A coordenação intergovernamental trata das formas de compartilhamento, decisão e integração presentes nas federações. As relações intergovernamentais tornaram-se complexas nos últimos anos, em razão de tendências conflituosas e de difícil solução. Na verdade, são esses mesmos problemas que recolocam a questão, as soluções não residem em optar entre centralização ou descentralização, precisamos estar dispostos a “mover em ambas as direções – descentralizando algumas funções e ao mesmo tempo centralizando outras responsabilidades cruciais na formulação de políticas”. É o que a Organização pela Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OECD) concluiu em um de seus estudos (Abrucio, 2005:42).
Atualmente vivemos três dilemas principais: a) para manter um Estado de Bem-Estar Social em uma situação de escassez de recursos, é preciso que os governos sejam mais eficientes (façam mais com menos) e mais eficazes (atinjam as causas dos problemas sociais). Tudo isso exige “maior coordenação entre as esferas político-administrativas na gestão das políticas públicas”; b) as demandas por maior autonomia de governos locais e/ou grupos étnicos/ culturais cresceram, mas, simultaneamente, os governos lutam para evitar os problemas decorrentes da fragmentação, como o descontrole de gastos das unidades subnacionais, a guerra fiscal entre os entes federativos, ou surgimento de focos de secessão; c) o campo de relações dos governos locais se ampliou para além do governo central, envolvendo parcerias com a sociedade civil, conexões com empresas e organismos transnacionais. No entanto, essa mudança de cenário coexiste com a necessidade de reforço das instâncias nacionais para organizar a inserção internacional e combater os aspectos negativos da globalização (Idem, 42).
O arranjo federal resulta de uma situação federativa (Abrucio apud Burgess, 2005: 42), na qual há um território de grande extensão e/ou diversidade física. Heterogeneidades étnicas, culturais, lingüísticas, sócio-econômicas e políticas, diferenciando o processo de constituição das elites regionais com presença de forte rivalidade entre elas. Assim, os países se constituem como federações para dar conta dessas heterogeneidades e manter a unidade nacional, evitando o risco de fragmentação.
A ideia fundamental da federação é a unidade na diversidade, por meio da soberania compartilhada de modo matricial e não piramidal, buscando a autonomia e a interdependência dos governos entre si (Abrucio, 2005:43). Para tanto, o sucesso da federação depende do equilíbrio entre esses dois aspectos, a autonomia e a interdependência, o que, na prática, se traduz na conjugação de formas de cooperação e competição. A competição entre os entes conduz à efetivação dos controles mútuos, à inovação e ao melhor desempenho das gestões locais, evitando “a armadilha da decisão conjunta” na qual são comuns a falta de responsabilização da administração pública[4], o paternalismo e o parasitismo, causados pela dependência em relação a esferas superiores de poder. A cooperação, por sua vez, traz consigo a construção de instâncias de poder compartilhado, como os consórcios e os conselhos de políticas públicas, onde haja decisões conjuntas, divisão de tarefas e competências entre os entes federativos, favorecendo a boa aplicação das políticas públicas, pela continuidade e coerência de seu ciclo desde a elaboração, no âmbito federal à execução em âmbitos estaduais e municipais.
Assim, previne-se o excesso de competição, gerador da guerra fiscal entre os níveis de governo, uma disputa em busca de investimentos, na qual os estados brasileiros abdicaram de receitas, cujos resultados foram o repasse de dívidas para o nível federal, ou seja, para toda a nação, próximas gerações, ocasionando deterioração dos serviços públicos, e, ainda, sem obtenção dos resultados esperados (Abrucio & Gaetani, 2006)[5]. Esse foi o federalismo vigente no país de 1982 a 1994 (Abrucio, 2005:46), estadualista, predatório e não cooperativo. Pois a redemocratização configurou um federalismo compartimentalizado, “em que cada nível de governo procurava encontrar seu papel específico e não havia incentivos para o compartilhamento de tarefas e atuação consorciada” (Id., Ibid:49). No caso brasileiro, esses problemas trouxeram a necessidade de maior articulação entre os entes federativos, principalmente nas áreas ligadas à saúde, educação e segurança pública para que os serviços possam chegar à população de forma eficiente e eficaz.
Apesar do Estado Unitário criado pela Constituição de 1824, o desejo de instaurar uma federação não era consensual, mas já estava presente na elite intelectual brasileira. Monarquistas famosos como Joaquim Nabuco e Rui Barbosa defendiam essa forma de Estado (Silva, 2010).
Nossa formação histórica diverge do modelo norte-americano, em que os integrantes da Confederação (1777) cederam sua soberania ao Governo central, que se estruturou sob a forma federativa no ano de 1787 (Silva, 2010). No Brasil o federalismo foi implantado do centro para a periferia (de forma centrífuga) pela Constituição de 1891. Ou seja, o Estado Unitário imperial cedeu seu poder ao descentralizar-se administrativamente (Magalhães, 2010) e repartir suas competências com as unidades territoriais convertidas em entes federativos.
O Federalismo brasileiro é marcado por um excesso de atribuições e competências previstas para serem realizadas no âmbito da União Federal, ao passo que no modelo norte americano há uma maior descentralização administrativa e autonomia dos Estados-membros.
Além disso, após a Constituição de 1981 tivemos um retrocesso em relação a esse sistema. Nas Constituições de 1937, 1967 e 1969[6]o federalismo era apenas nominal, já que a autonomia dos entes federados, necessária para caracterização do federalismo, ficava comprometida por uma série de mecanismos centralizadores e interventivos” (Silva, 2010). Por isso, no período da redemocratização, a descentralização foi associada à democracia, em oposição ao forte centralismo da tradição militar.
O Brasil é todo dividido em municípios, há países que têm somente um município em uma grande região. É, portanto, bastante descentralizado, mas oscila historicamente entre essas duas forças (a descentralização e a centralização), conforme o contexto, ou arranjo de forças políticas e econômicas. Assim, em comparação com outros países, os estados e municípios brasileiros se mantiveram fortes desde a Proclamação da República, em 1891, quando o Brasil se tornou uma federação. No nosso modelo federal instituído os Municípios surgem como entes autônomos. Isso retirou dos governos estaduais a responsabilidade de execução direta e acarretou a municipalização de várias políticas públicas (Abrucio & Gaetani, 2006). A descentralização de competências foi acompanhada por conquistas tributárias dos entes subnacionais, mas a disparidade econômica foi reforçada pelo grande número de municípios pequenos, incapazes de sobreviver com recursos próprios. Esse processo buscou a democratização nos planos locais, porém, associada à descentralização administrativa, também produziu o municipalismo autárquico, isolando os municípios entre si e dificultando parcerias para solução de problemas regionais, em especial os que afetam as regiões metropolitanas (Abrucio, 2005:48 e 62).
Nesse sentido, uma boa solução seria a celebração de consórcios públicos. A Lei nº 11.107, de 06 de abril de 2005, prevê a possibilidade de a União celebrar consórcio com os estados e o Distrito Federal, e, caso haja participação dos estados, é possível a participação dos Municípios nestes consórcios (art. 1º, § 2º, da referida Lei). Contudo, não é legalmente possível a realização direta de consórcios públicos entre a União e Municípios[7], nem celebração de consórcio apenas entre municípios. Há previsão somente de realização de consórcio público entre estados e municípios, ou entre estados e união. Apesar da previsão legal, a composição consorciada entre estados e municípios não tem sido bem utilizada na prática (Abrucio & Gaetani, 2006).
Os governos estaduais passaram a desfrutar de uma autonomia de fato, a partir do processo de redemocratização do país, que teve seu início com as eleições para governador em 1992, consolidando-se com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Nesse contexto, os estados foram levados a assumir um papel diferente daquele a que estavam acostumados, pois passam a ter o papel de coordenação, financiamento suplementar e atuação conjunta com o poder local. Entretanto, acabaram cooptando prefeitos e líderes locais, colocando o poder político acima das políticas públicas (Id., Ibid.), em fidelidade à herança patrimonialista e oligárquica.
Em verdade, a CF/88 atribuiu papeis bem definidos à União e Municípios, mas deixou um vazio em relação às competências dos estados e de como se relacionariam com os demais níveis de governo. Assim, os estados procuravam participar de políticas financiadas pela União e, quando não, se eximiam da responsabilidade, repassando-a aos municípios (Abrucio, 2005:49).
O sistema federativo exige mecanismos que possibilitem a atuação articulada entre os entes federativos, para que se estabeleça um serviço público de melhor qualidade, celeridade e eficiência em prol da população, o que nortearia o chamado “federalismo de cooperação” (Carvalho Filho, 2010). Nessa forma de Estado é muitas vezes difícil a execução de políticas públicas, já que existe mais de um centro decisório, dificultando a coordenação das vontades entre os diversos os entes federativos (Silva, 2010).
Antes de 1984 iniciou-se no Brasil um processo de descentralização por pressões feitas sobre o regime militar por estados e municípios. Na Reforma Tributária realizada durante a ditadura foram criados os Fundos de Participação dos Estados e de Participação dos Municípios. Essa descentralização de recursos ocorreu por demanda, enquanto a descentralização por oferta, proposta pelo Banco Mundial, consiste na oferta de poderes aos estados e municípios da parte do governo central.
A Constituição de 1988 consagrou a descentralização. Todavia, mesmo com a Constituição Federal de 1988, percebe-se uma centralização de competências significativa na União e competências pouco relevantes para os estados-membros (Silva, 2010). No entanto, as regras do texto original supõem homogeneidade dos estados e municípios, e, na realidade, são muito diferentes e número de habitantes, capacidade de arrecadação e gestão. Nesse sentido, a descentralização exacerbada prejudicou a estabilização da economia, pois enquanto o governo federal desejava conter os gastos e o endividamento, estados e municípios faziam o oposto, além de transferirem o ônus de suas dívidas para a União. Esse processo seguiu a tendência da década de 1980, quando o governo federal descentralizou recursos, mas continuou concentrando atribuições.
Por outro lado, ao contrário do regime centralizador autoritário, a adesão dos governos estaduais e municipais às políticas federais não é mais imposta, depende de negociações, barganhas, coalizões e incentivos de esferas superiores de poder, processos integrantes da democracia, cujo sucesso depende da coordenação intergovernamental (Abrucio, 2005:49).

Governo FHC[8]

Nos governos de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), ocorreu movimento contrário, maior descentralização de competências para estados e municípios, porém centralização de recursos. É nesse período que começa a haver maior preocupação com a qualidade dos gastos, buscando conceder mais autonomia para os órgãos que gastam bem o dinheiro, e, dessa maneira, alcançam resultados melhores, e restringir a autonomia daqueles que aplicam mal o dinheiro.
A reviravolta nesse sistema de federalismo compartimentalizado só foi possível porque a União e a Presidência da República entraram em uma séria crise, que durou pelo menos uma década. Fernando Henrique Cardoso ingressou na presidência com o país enfraquecido pela dívida externa e pelos desequilíbrios federativos, mas a Era do Real colocou em cheque o estadualismo predatório, embora não tenha conseguido acabar com a guerra fiscal.
Algumas condições prévias favoreceram as melhorias alcançadas pelas reformas no governo FHC: 1) até 1991, o país passava pela combinação perversa entre redução de empréstimos e refinanciamento da dívida externa, somada a transferência massiva de recursos para os credores estrangeiros, esse quadro foi revertido, e entre 1992 e 1997, aconteceu o auge do fluxo de capitais para a América Latina. Isso permitiu a renegociação da dívida externa em 1993; 2) a “Era do Real” recebeu do governo Sarney a modernização orçamentária e o crescimento das reservas cambiais, além de um progressivo aumento arrecadação federal no governo Itamar, quando ele mesmo, Fernando Henrique, atuou, como ministro da fazenda, em prol da criação do Fundo Social de Emergência; 3) na sociedade brasileira consolidou-se a ideia de que reformas constitucionais seriam a salvação do país, essa predisposição, associada ao sucesso do Plano Real, deu grande popularidade a Fernando Henrique Cardoso; 4) no plano eleitoral, pela primeira vez desde a redemocratização as eleições presidenciais foram realizadas concomitantemente às eleições para o Congresso Nacional e estaduais, vinculando congressistas e presidente, mas também governadores, pois a maioria dos eleitos derivou sua vitória do apoio ao Plano Real.
O sucesso do Plano Real no combate à inflação permitiu estabilizar as transferências intergovernamentais. Assim a União poderia negociar o repasse de encargos juntamente com os recursos de forma programada e racional. Foi essa situação que deu ensejo a elaboração de políticas coordenadas.
Dessa maneira, com contexto internacional favorável, estabilidade monetária e apoio político, o caminho estava aberto.
A primeira frente foi o combate ao déficit público nos governos subnacionais. Houve uma atuação conjunta pela modernização fazendária de vários estados e aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, no ano 2000. Essa lei foi de grande importância, para impedir que a situação reinante se repetisse, obrigando tanto governantes atuais quanto futuros. A privatização, extinção e federalização dos bancos estaduais foram fundamentais, pois era por meio deles os estados repassavam custos ao Banco Central. Contudo, o Plano Real por si só foi um golpe para as dívidas estaduais, por causa da política de valorização cambial e financiamento por poupança externa (atração de investimentos estrangeiros pela oferta de juros altos) baseada na manutenção de altas taxas de juros, mas é preciso assinalar que os grandes responsáveis pela crise eram os próprios estados, cujos gastos eram descontrolados. Aliás, foi essa conjuntura que gerou a perda das receitas obtidas com as privatizações nos estados, dinheiro que, a princípio, seria utilizado para pagamento das dívidas com a União. Ainda outra coisa aconteceu: boa parte dos estados optou por aplicar esse dinheiro em gastos correntes, em vez de pagar suas dívidas.
Esse processo teve um custo altíssimo para a União, especialmente pela situação do Banespa e pela necessidade de criar um instrumento de transição financeira, cuja conta chegou a R$ 70 bilhões em 2002. As privatizações, embora tenha sido uma mudança crucial rumo ao reequilíbrio fiscal e financeiro dos estados, e desses em relação à União, trouxe consigo um processo de privatização dos lucros, para os compradores das empresas cujas dívidas foram assumidas pelo governo, e socialização dos prejuízos, para a população brasileira. Outro aspecto negativo da política de privatizações foi a ausência de aparato governamental regulatório, um número pequeno de estados envolvidos criaram agência reguladoras dos setores.
O “capítulo final” dessa história foi a renegociação das dívidas dos estados, regulamentada pela Lei nº 9496/97. Essa lei contribuiu muito para a ordenação das relações federativas, rompendo com o modelo predatório. O acordo contemplou quase todas as unidades estaduais, e, o mais importante, estabeleceu punições para quem deixasse de cumpri-lo, pela retenção de recursos federais.
O governo federal também auxiliou os estados na criação e capitalização de fundos de pensão dos servidores estaduais. Nesse sentido, quando se tratou da solução de problemas econômicos e financeiros, FHC soube combinar descentralização, reforma administrativa e fiscal.
O fato é que, “das 34 emendas constitucionais aprovadas” entre 1995 e 2002, “quinze delas afetavam diretamente o pacto federativo”, como ocorreu com a Emenda Constitucional nº 19/1998, que, ao realizar a reforma administrativa, previu formas de articulação entre os entes federativos:

“(...) a gestão associada na prestação de serviços públicos a ser implementada, através de lei, por convênios de cooperação e consórcios públicos celebrados entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Trata-se, (...), de instrumentos de cooperação de atividades visando a alcançar objetivos de interesse comuns dos pactuantes.

A noção de gestão associada emana da própria expressão: significa uma conjugação de esforços visando a fins de interesse comum dos gestores. Em relação à gestão associada de serviços públicos, pode-se adotar a conceituação de que corresponde ao “exercício de atividades de planejamento, regulação ou fiscalização de serviços públicos por meio de consórcio público ou de convênio de cooperação entre entes federados, acompanhadas ou não da prestação de serviços públicos ou da transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.” (Carvalho Filho, 2011:324)

Esse esforço de reestruturação federativa ocorreu também nos âmbitos tributário, previdenciário (Emenda Constitucional nº 20/1998) e na área social, com a aprovação do Fundef (Emenda Constitucional nº 14/1996), para a educação e da Emenda Constitucional nº 29/2000, para a saúde, bem como do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza pela Emenda Constitucional nº 31/2000. A prática de avaliação das políticas públicas descentralizadas inseriu-se no contexto das inovações administrativas, apesar de sua implantação ter ocorrido somente no Ministério da Educação, sem generalizar-se na Esplanada dos Ministérios.
No sentido da democratização o repasse de recursos passou a ser condicionado à “participação e à fiscalização da sociedade local”, continuando a estratégia constitucional de criação dos Conselhos de Políticas Públicas, seguindo os moldes participativos do Sistema Único de Saúde (SUS).
O SUS é o exemplo de maior tradição e sucesso em coordenação federativa.  Nos termos do art. 198, da Constituição Federal, é um sistema estruturado regionalmente, hierarquizado e descentralizado, que elevou o Município a figura chave do sistema, consagrado pela Lei nº 8.080/1990 (Silva, 2010).  Regularizar os repasses foi um objetivo importante da política de saúde no governo FHC foi. Entre 1995 e 1999, com a redistribuição dos recursos, os gastos da União passaram a 23%, dos estados a 25% e os municípios para 52%.
O Fundef foi uma experiência inédita no federalismo brasileiro, introduzindo um sistema de repasse proporcional ao número de alunos matriculados. Com isso conseguiu reduzir as desigualdades regionais e no interior dos próprios estados, refletida nas disparidades da rede de ensino pública. Até então a atuação da União na educação era “multitarefa”, devido à confusa distribuição de competências, com o Fundef o governo federal finalmente dedicou-se a universalização e equidade do ensino público. Em 1996, 37% das matrículas pertenciam a escolas municipais e 63% a escolas estaduais. Após o Fundef 49% das matrículas se tornaram municipais e 51% estaduais.
Por fim, foram adotadas políticas de distribuição de renda direta à população, concebendo que problemas de ordem redistributiva numa federação devem ser mediados pela intervenção do governo federal. O grande problema dessa política foi sua enorme fragmentação em diversos programas pertencentes a diversos ministérios, dificultando sua fiscalização, coordenação e avaliação. No entanto, a participação em tais programas passou a ser condicionada a certos objetivos e a focalização mais bem definida, recorrendo-se ao índice de desenvolvimento humano dos municípios.
Entre os problemas que permaneceram meio a toda essa “revolução”, estão a guerra fiscal entre os estados e a ausência de política urbana. A guerra fiscal se revelou mais negativa que positiva, pois dos sete estados que a praticaram no período, apenas o Ceará aumentou sua participação no PIB nacional. No setor urbano cresceram os problemas das regiões metropolitanas, sem que existam quaisquer mecanismos ou instituições capazes de equacioná-los. Nesse ponto, o federalismo compartimentalizado por oposição ao centralismo autoritário e o municipalismo autárquico continuam a firmar seu terreno, mas está claro que, sem a constituição de instâncias metropolitanas envolvendo estados, municípios e sociedade civil. Logo, com coordenação intergovernamental, como nos casos do SUS e do Fundef.
Os estados e municípios permanecem com administrações públicas precárias e não houve formação de uma rede nacional, com interconexões de longo prazo entre as burocracias municipais, estaduais e federais. Todo o processo de reformas conduzido por FHC foi realizado sem a criação e o fortalecimento de fóruns federativos, para discussão e negociação entre os entes, promovendo de fato a soberania compartilhada.























BIBLIOGRAFIA

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ABRUCIO, F. L.; GAETANI, F. “Avanços e perspectivas da gestão pública nos estados: agenda, aprendizado e coalizão”. Seminário Avanços e Perspectivas da Gestão Pública nos Estados. Brasília: Consad, p. 21-80, 2006.

ABRUCIO, Fernando Luiz. “A Coordenação Federativa no Brasil: a experiência do período FHC e os desafios do governo Lula”. In: Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n.24, p.41-67, junho de 2005.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 24ª edição, revista, ampl. E atual. Até 31/12/2010. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2011.

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MAUSS, Marcel. “Ensaio sobre a dádiva”. In: MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2003, p.185-314.

SILVA, Virgílio Afonso. Federalismo e articulação de competências no Brasil. In: PETERS, Guy e PIERRE, Joh (Orgs). (2010), Administração Pública – coletânea. Brasília: ENAP e UNESP.

VIANNA, Luiz Werneck. A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1997.










[1] VIANNA, Luiz Werneck. A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1997.
[2] CARDOSO, Fernando Henrique. Autoritarismo e democratização. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.
Frizzarini explica o conceito de FHC da seguinte maneira: A fim de satisfazer os interesses em torno do estado, formam-se “estruturas burocráticas” que se articulam através de “anéis burocráticos”, mecanismos que atravessam as grandes burocracias, a pública e a privada, constituindo-se numa espécie de teia que vincula as diferentes facções e permite aos setores da burocracia pública e estatal ligarem-se aos grupos de interesses das empresas privadas (da burocracia privada que responde pelos interesses dos grandes conglomerados) e vice-versa. Em substituição ao antigo sistema político e às formas de representatividade da sociedade civil, nas quais as classes sociais se organizavam em torno do estado – suplantando, portanto, os mecanismos que permitiam a influência e pressão dos setores tradicionais (atrasados) e da classe trabalhadora –, aqueles “anéis” conectam os empresários, os funcionários do estado e os próprios militares, segundo interesses e objetivos diversos, não apenas econômicos.
FRIZZARINI, Maria Goreti Juvencio Sobrinho. “O Pensamento Político de Fernando Henrique Cardoso”. In: Revista Ponto-e-Vírgula. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica, n.4, 2008. http://www4.pucsp.br/ponto-e-virgula/n4/indexn4.htm
[3] “Ensaio sobre a dádiva”. In: MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2003, p.185-314. Marcel Mauss elaborou o conceito de fato social total para explicar as formas de troca na Melanésia, ilhas Trobriand, Andaman, Polinésia, Samoa e noroeste da América do Norte, integrando diversos povos, tribos e clãs nessa região do Pacífico, inclusive os Maoris (focalizados no filme A Encantadora de Baleias), hoje minoria populacional na Nova Zelândia.
[4] Nenhum dos entes participantes se comprometerá a resolver os problemas advindos da implementação de políticas, nem assumirá a culpa por desvios que porventura aconteçam.
[5] Apud Abrucio &Ferreira Costa, 1998.
[6] Não é pacífico na doutrina que se a Emenda 1/69 é uma constituição ou uma Emenda à Constituição de 1967.
[7] Não confundir os consórcios públicos disciplinados pela Lei nº 11.107/2005 com os consórcios tradicionais entre pessoas administrativas. Os consórcios públicos se formalizam entre pessoas jurídicas, o que não ocorre com os tradicionais (Carvalho Filho, 2011: 325).
[8] O texto que se segue é uma síntese baseada no artigo “A Coordenação Federativa no Brasil: a experiência do período FHC e os desafios do governo Lula”, de Fernando Luiz Abrucio, publicado em 2005. As referências bibliográficas que não pertençam a este autor serão explicitadas no texto.