FUNDAÇÃO
JOÃO PINHEIRO
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, FEDERAÇÃO E
POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL
Trabalho Final de Gestão Pública
Professora:
Telma Maria Gonçalves Menicucci
Ana Rita
Gonçalves Lara
Fernanda Flávia
Martins Ferreira
Roberta Silveira
Zanetti
Belo
Horizonte, 2 de julho de 2013.
Desafios para a elaboração e a implementação de políticas públicas: a reforma do Estado e a Coordenação Federativa
Em capítulo sobre a
formação da burocracia brasileira Abrucio, Pedroti e Pó (2010) sintetizam a
trajetória do Estado brasileiro da época da colonização à redemocratização com
a Constituição de 1988. Nos anos 1990 as ideias de reforma do Estado culminaram
no Plano de Reforma do Aparelho do Estado
(PDRAE, 1995) e na Reforma da Previdência em 1998, sob a liderança e governo de
Fernando Henrique Cardoso. Em artigo de Abrucio (2005) sobre a coordenação
federativa, observamos uma análise atenta do arranjo federativo construído a
partir da Carta Magna de 1988 e seus desdobramentos do governo Sarney ao início
do governo Lula. Em 2005 o Decreto nº 5.378/2005 institui o Programa Nacional
de Gestão Pública e Desburocratização, o GESPÚBLICA. E em 2009, o Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), a Secretaria de Assuntos Estratégicos
da Presidência da República (SAE/PR), o Conselho Nacional de Secretários de
Estado da Administração (CONSAD) e o Movimento Brasil Competitivo se unem e
mobilizam estados e Sociedade Civil para compor a Agenda Nacional de Gestão
Pública, sintetizada pelo Ministro Mangabeira Unger e por Jorge Gerdau
Johannpeter, líder do Movimento Brasil Competitivo.
Esses textos se
enquadram num panorama cronológico tanto dos fenômenos e fatos analisados
quanto das épocas em que foram publicados. Embora socialmente não possamos
compreender a história como uma linha evolutiva reta, buscamos uma modesta
compreensão de onde partimos e até onde chegamos com todos os caminhos
percorridos pelas forças políticas, ideológicas e configurações estruturais
assumidas pela Administração Pública brasileira, nos planos legais, culturais e
das práticas cotidianas. E assim, sem pretensão de abarcar o todo, decidimos
nos dedicar a algumas bibliografias selecionadas para o presente trabalho.
Aspectos históricos
À época do Brasil
colonial o sistema de capitanias hereditárias na organização territorial
traduzia um resquício feudal da monarquia portuguesa. Esse sistema não deu
certo, haja vista o cenário de disputas por territórios ultramarinos entre os
países europeus. Essa disputa marcou a era do absolutismo monárquico e a fase
mercantilista e manufatureira, nos primórdios do capitalismo, e resultou em
invasões da colônia portuguesa na América. As mais notáveis na lembrança são as
experiências do domínio holandês no norte e nordeste, com Maurício de Nassau e
a França Antártica, nas regiões atualmente correspondentes a Rio de Janeiro e
São Paulo.
As capitanias eram
domínios privados, nos quais os prepostos do rei eram senhores da lei, da vida
e da morte das pessoas, vassalos exploradores das terras selvagens cujas
obrigações eram obediência e fidelidade ao rei, proteção e defesa das terras e
pagamento dos tributos coloniais. As bases de comando e uniformização do
processo colonizador eram o Conselho Ultramarino e a Igreja Católica, e,
posteriormente, o governo-geral.
Em meados do século
XVIII o Marquês de Pombal buscou corrigir a ineficiência do sistema de
capitanias hereditárias, implantando reformas que fortaleciam a intervenção da
metrópole nos rumos da colônia. Pombal manteve o viés centralista e
regulamentador temperado pelo patrimonialismo local. Aliás, esse
patrimonialismo decorria em alto grau da ausência do Estado na maior parte do
território. Nesse sentido, deu continuidade ao princípio filosófico de que o
Estado antecede a sociedade, ao modelo administrativo pouco efetivo e
excessivamente regulamentador, bem como à lógica de privatização do espaço
público.
Contudo, as reformas
pombalinas inseriram nessa tendência um elemento novo e contrário às formas
tradicionais do poder estabelecido: a formação de uma elite burocrática
brasileira, lideranças altamente capacitadas (profissionais) em Portugal,
especialmente na Universidade de Coimbra, para compor os altos postos da
administração colonial. Uma elite bastante homogênea em termos de ideias e
propósitos, que passou a influenciar decisivamente os rumos da história
brasileira.
Essa alta burocracia pombalina
tornou-se genuinamente brasileira após a independência e teve uma atuação
ambígua na modernização do Estado, introduzindo elementos progressistas e
conservadores. Esses Homens de Mil,
pois, na concepção de Oliveira Viana, cada um desses funcionários valia por mil
homens, inauguraram uma forma estadocêntrica
e centralizadora de fazer reformas, o que levou Luiz Werneck Vianna[1]
a
apropriar-se do conceito gramsciano e denominar,
posteriormente, os processos de mudança social do Brasil de “Revolução Passiva”,
ou seja, com pouca ou nenhuma participação popular.
Esse modelo, embora
tenha sofrido mudanças incrementais, continuou sendo a marca de nosso modus
operandi reformista. Reformas liberalizantes, porém, com manutenção do status
quo e introdução autoritária de mudanças (“de cima para baixo”).
Com a independência, a Constituição de
1824 adotou o Estado Unitário, centralizado com poderes excessivos nas mãos do
Imperador. Nesse momento histórico, a forma de Estado adotado teve a estratégia
de manter a unidade nacional e evitar o desmembramento do território, como
ocorrido nas colônias da “América Espanhola” (Silva, 2010).
A elite burocrática
brasileira, por ser profissional, era selecionada pela associação de tradicionais
critérios patrimoniais (laços sociais) e de critérios meritocráticos (formação
e experiência). Dessa maneira, não era uma burocracia pública, nem no sentido
liberal nem no democrático, era uma burocracia privada, fechada sobre si mesma
e alheia à sociedade, que devia obediência somente ao Imperador. Em sentido
liberal os Homens de Mil romperam com
Portugal e apoiaram a independência do Brasil; lutaram pelo fim do absolutismo
monárquico e pela constitucionalização do Brasil, tinham um projeto de nação e
impediram a fragmentação do país após a independência; integravam o Conselho de
Estado do Imperador, favorecendo a introdução de direitos civis e políticos no
art.179 da Constituição de 1824; eles eram contrários a escravidão, embora tentassem
extingui-la. No sentido conservador, consolidaram e estabilizaram o modelo
político imperial no Segundo Reinado; reduziram a esfera pública às decisões
dos agentes estatais, e, para manter unidade do país, fortaleceram aspectos
patrimoniais do Estado.
A burocracia estatal
exerceu seu poder como minoria, boa parte das funções estatais continuou a
cargo de entes privados, sem que a administração do império alcançasse a maior
parte do território brasileiro. A Guarda Nacional, por exemplo, era um exército
privado organizado para fins de defesa do país.
Num momento de economia
fraca o serviço público era “vocação de todos”. Baixa burocracia exerceu papel
fundamental na aquisição de apoio político por meio da distribuição de cargos.
A burocracia então se dividiu: uma parte baseada primordialmente no mérito,
outra primordialmente na patronagem.
Na Primeira República
ou República Velha, a partir de 1889 houve um retrocesso geral. O Estado
enfraqueceu, principalmente no poder central, e predominaram as oligarquias
estaduais, baseadas no domínio local dos coronéis, donos do poder social,
econômico e político. No século XIX as burocracias estatais pelo mundo eram em
geral todas parecidas com a brasileira, marcadas pelo patrimonialismo. No
entanto, no início do século XX começam os primeiros esforços de racionalização
burocrática analisados por Max Weber, e então começamos a “perder o bonde da
história”.
As ilustres exceções do
período remontam ao Movimento Tenentista, cujas reivindicações culminaram na
criação de um Exército público. A necessidade dos presidentes de uma diplomacia
forte e competente para solucionar nossos problemas territoriais culminou na
fundação do Itamaraty, nossas duas primeiras burocracias profissionais
selecionadas mediante critérios universalistas e meritocráticos.
A Revolução de 1930 foi
o fim da República Velha. Getúlio Vargas ascendeu ao poder pela via eleitoral,
mas em 1937 deu o golpe de Estado que iniciou o Estado Novo, o qual perdurou
até 1945.
Vargas empreendeu um
esforço de construção do Estado baseado no Nacional-Desenvolvimentismo, com o intuito de completar
formação nacional com ampla intervenção nos domínios econômico e social,
voltado para industrialização, urbanização e crescimento. Para isso precisava
de uma burocracia profissional competente, capaz de conduzir “as diretrizes de
modernização econômica e desenvolvimento almejadas” (Abrucio, Pedroti e Pó,
2010:35). E a diplomacia serviu como modelo para estruturação do serviço civil,
expandido para toda a administração pública, “a primeira estrutura burocrática
weberiana destinada a produzir políticas públicas em larga escala” (Id.,
2010:36).
A Constituição de 1934
eleva pela primeira vez o concurso público à norma constitucional como regra
geral de acesso aos cargos públicos. Esta regra foi mantida na Constituição de
1937 e em 1938 foi criado o Departamento Administrativo do Serviço Público
(DASP).
A reforma do DASP foi a
primeira que gerou uma burocracia institucionalizada, em que a Administração e
os objetivos do Estado são mais importantes que os burocratas e seus laços
sociais. Durante a reforma administrativa conduzida pelo DASP foram criadas até
1945, 56 agências estatais, entre autarquias, empresas públicas, sociedades de
economia mista e fundações, unidades descentralizadas da burocracia federal,
atualmente denominadas Administração Indireta, com fulcro no Decreto-Lei nº 200
de 1967, obra da Ditadura Militar que manteve muitas continuidades com o modelo
de Estado varguista. Esse período marcou também o esforço de implantar no
Brasil os preceitos mais modernos de gestão e administração vigentes à época,
envolvendo pesquisas sobre as burocracias estatais de outros países.
O DASP perdeu poder
assim que Vargas caiu e se estabeleceu o governo provisório, e essa decadência
se estendeu até sua extinção na década de 1980. Entretanto, deu a contribuição
de implantar a cultura do mérito em alguns setores do serviço público.
Em 1952 Juscelino
Kubitschek, ao adotar a estratégia de criar uma administração paralela para conduzir
seu Plano de Metas. Com isso, reforça também a estratégia, já adotada na Era
Vargas, de insulamento burocrático para formar as ilhas de excelência,
reservando para outras partes da administração a tarefa clientelista de
nomeações para garantir apoios políticos. Com a lógica da administração
paralela Kubitschek aprofundou também a já existente fragmentação dos órgãos
governamentais. A herança positiva desse governo foi a eficácia dos projetos
desenvolvimentistas, a criação da Petrobrás e do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico (atual BNDES).
Nesse mesmo ano foi aprovado o primeiro
Estatuto dos Funcionários Públicos Civis, a Lei nº 1.711/1952. Essa lei
reforçou o princípio do concurso público, embora tal norma tenha continuado a
ser sistematicamente violada, a exemplo da Lei nº 4.069/1962, apelida de Lei do
Favor.
A partir do golpe de
1964, os militares buscaram apoio em alguns setores da elite política e social
para legitimar seu governo. Com um discurso anticomunista, antipolítico e
tecnoburocrático intitulavam seu regime de modernizador. Acreditando na
superioridade da técnica sobre a política, investiram na Administração Pública
fortalecendo algumas carreiras de Estado com base em princípios meritocráticos.
Essa política se
refletiu na criação do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), do
Banco Central (BACEN), da Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias
(Embrapa). O Decreto-Lei nº 200/1967 instituiu a Administração Indireta
autônoma e flexível, com regime de contratação pela CLT, objetivando facilitar
o recrutamento e a oferta de melhores salários. Entretanto, o decreto previu
formas de coordenação e controle das unidades que não funcionaram. Desse modo,
ficamos com uma administração indireta forte, competente, mas fragmentada e sem
controles de legalidade ou desempenho, e, por outro lado, com uma administração
direta fraca e ineficiente.
Na estrutura federativa
o regime militar estimulou a reprodução da estrutura institucional federal nos
estados e municípios, mas não alterou as formas de recrutamento nas esferas
locais. Assim como à época de força do DASP, o regime militar recrudesceu a
distância entre a administração pública federal e as administrações locais
frágeis, precárias e clientelistas, baseados no argumento de que a modernização
viria “de cima para baixo”.
A ideologia de
superioridade da técnica sobre a política isolou a burocracia, deixando-a imune
ao controle público. Contudo, isso não a fez imune a interesses privados, que
nela penetraram por meio dos anéis burocráticos (Cardoso in Abrucio, Pedroti e
Pó, 2010:50-1) [2].
O Departamento de
Defesa Comercial do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior é um caso demonstrativo de que a estratégia do insulamento ainda é um
recurso político válido. A política de defesa comercial brasileira tem como
protagonista as investigações de dumping, seguidas pelas investigações de
subsídios, as investigações contra surtos de importação (que podem resultar nas
medidas de salvaguarda) e contra práticas elisivas (de burla a direitos
antidumping em vigor). O departamento tem por meio de competência delegada o
poder de conduzir essas investigações e de concluir pela aplicação ou não
aplicação das medidas, restando a Câmara de Ministros de Comércio Exterior
(CAMEX), a possibilidade de decidir a duração de uma medida pelo prazo de dois
ou cinco anos, ou ainda, suspender ou cancelar uma medida para garantir o
interesse público.
Embora a Secretaria de
Comércio Exterior (SECEX) possa iniciar uma investigação de ofício, o
departamento (integrante da SECEX) tem agido por provocação de empresas que o
procuram com petições antidumping, que devem ser instruídas conforme as
exigências do Decreto nº 1.602/1995 (decreto antidumping) e outras legislações
específicas ou subsidiárias, o que, por si só, já exige bastante conhecimento
técnico de escritórios de advocacia que se especializam para atender essa
demanda. As medidas de defesa são submetidas a revisão no último de sua
vigência, por meio de petição dos interessados, ou se extinguem ao fim de seu
prazo. Contudo, não há limite temporal para que se não possa mais revisar e
reaplicar uma medida antidumping, de maneira que há medidas há mais de vinte
anos, como é o caso do PVC, o plástico utilizado na fabricação de canos. Não é
exigida nenhuma contrapartida das empresas beneficiadas com essas medidas,
nenhuma melhoria para se tornar mais competitiva e independente da presença de
medidas de defesa que aumentem o valor das importações para que se mantenham no
mercado. Não há nenhum tipo de avaliação ou cobrança em relação às condições de
trabalho ou a manutenção do número de empregados, já que a medida de defesa
comercial irá reduzir suas perdas, e, por conseguinte, sua necessidade de
dispensa da força de trabalho. A recuperação de postos de trabalho ou a
manutenção do emprego das pessoas é apenas uma conseqüência esperada nesse
contexto. Os trabalhadores das empresas peticionárias não participam de modo
algum desse processo.
Além disso, a
esmagadora maioria das empresas que ingressam no departamento com petições em
quaisquer modalidades de defesa comercial são de grande porte, e, frequentemente,
são transnacionais. A própria legislação limita o acesso de pequenas e médias
empresas a esse instrumento, pois devem reunir-se e entrar juntas com uma
petição, para que juntas componham de 25% ou 50% do mercado nacional e sejam
consideradas representantes de seu setor econômico.
As investigações se baseiam
em análises contábeis e microeconômicas, visando saber se há nexo causal entre
os danos sofridos pelas empresas de determinado mercado e a prática de dumping
pelos exportadores. Se há algum questionamento nos impactos macroeconômicos a
constante de mais de oitenta medidas de defesa comercial acarreta, ele não se
reflete em qualquer mudança da política. De fato, embora o DECOM atue sob os
limites dos acordos e negociações internacionais, não seria o caso de refletir
se a política de defesa comercial brasileira tem consequências protecionistas?
Há ainda um setor mais
amplo da sociedade afetado pelas medidas de defesa comercial, que também não
participa de modo algum, nem exerce qualquer tipo de controle sobre a política
de defesa comercial brasileira: nós cidadãos consumidores dos produtos que, ao
chegarem ao país, além dos impostos de importação, são obrigados a pagar as
tarifas definidas lá no DECOM, chegando mais caros às prateleiras das lojas e
supermercados.
Por fim, quanto o país
arrecada com a cobrança de direitos antidumping? Para onde vai esse dinheiro? Por
quê?
Logo, o Departamento de
Defesa Comercial é uma ilha de excelência, afetada por interesses privados via
anéis burocráticos, imune ao controle público. A política de defesa comercial,
representada por ele, carece de uma avaliação externa sobre sua eficácia e
repercussão, principalmente na política econômica, de modo amplo.
Porém, a tendência
atual não é de avaliar, e sim de produzir mais do mesmo com maior intensidade.
Assim foi feito um concurso público com 120 vagas para o DECOM, para reforçar a
defesa comercial, num contexto em que o Brasil e vários países, enfrentam o
problema concorrencial da China e de outros países asiáticos emergentes. O que
há, além disso, é um esforço em atualizar a legislação de 1995.
O caso analisado é
apenas uma demonstração de como o passado influencia o presente, de como a
herança e a cultura autoritária, hierárquica, e, portanto, baseada na
desigualdade ainda permeia o Estado brasileiro. Esse passado aparece tanto nas
permanências estruturais quanto nas mudanças empreendidas, especialmente quando
são claramente motivadas pelo desejo de superação e adaptação a novos contextos
e momentos sociais, históricos, políticos e/ou econômicos. A redemocratização
foi assim, um fato social total
(Mauss, 1925) [3], pois
envolveu uma mudança em todos os aspectos mencionados. A transfiguração dessa
mudança abrangente, resultado dos esforços de todos os movimentos populares e
partidários rumo à ruptura do regime autoritário foi a Constituição de 1988.
Redemocratização, Federação e Gestão Pública
Para Abrucio (2005:41),
o elemento comum à maior parte dos estudos nacionais e internacionais sobre a
estruturação federativa do Estado é o jogo de poder entre o governo federal e
os entes subnacionais, entre as forças de centralização e descentralização. Embora
esse foco analítico seja fundamental para compreender o fenômeno é insuficiente,
pois os sistemas federais são mais bem compreendidos quando acrescentamos ao
seu estudo a análise da coordenação intergovernamental.
A coordenação
intergovernamental trata das formas de compartilhamento, decisão e integração
presentes nas federações. As relações intergovernamentais tornaram-se complexas
nos últimos anos, em razão de tendências conflituosas e de difícil solução. Na
verdade, são esses mesmos problemas que recolocam a questão, as soluções não
residem em optar entre centralização ou descentralização, precisamos estar
dispostos a “mover em ambas as direções – descentralizando algumas funções e ao
mesmo tempo centralizando outras responsabilidades cruciais na formulação de
políticas”. É o que a Organização pela Cooperação Econômica e Desenvolvimento
(OECD) concluiu em um de seus estudos (Abrucio, 2005:42).
Atualmente vivemos três
dilemas principais: a) para manter um Estado de Bem-Estar Social em uma situação
de escassez de recursos, é preciso que os governos sejam mais eficientes (façam
mais com menos) e mais eficazes (atinjam as causas dos problemas sociais). Tudo
isso exige “maior coordenação entre as esferas político-administrativas na
gestão das políticas públicas”; b) as demandas por maior autonomia de governos
locais e/ou grupos étnicos/ culturais cresceram, mas, simultaneamente, os
governos lutam para evitar os problemas decorrentes da fragmentação, como o
descontrole de gastos das unidades subnacionais, a guerra fiscal entre os entes
federativos, ou surgimento de focos de secessão; c) o campo de relações dos
governos locais se ampliou para além do governo central, envolvendo parcerias
com a sociedade civil, conexões com empresas e organismos transnacionais. No
entanto, essa mudança de cenário coexiste com a necessidade de reforço das
instâncias nacionais para organizar a inserção internacional e combater os
aspectos negativos da globalização (Idem, 42).
O arranjo federal
resulta de uma situação federativa (Abrucio apud Burgess, 2005: 42), na qual há
um território de grande extensão e/ou diversidade física. Heterogeneidades
étnicas, culturais, lingüísticas, sócio-econômicas e políticas, diferenciando o
processo de constituição das elites regionais com presença de forte rivalidade
entre elas. Assim, os países se constituem como federações para dar conta
dessas heterogeneidades e manter a unidade nacional, evitando o risco de
fragmentação.
A ideia fundamental da federação é a
unidade na diversidade, por meio da soberania compartilhada de modo matricial e
não piramidal, buscando a autonomia e a interdependência dos governos entre si
(Abrucio, 2005:43). Para tanto, o sucesso da federação depende do equilíbrio
entre esses dois aspectos, a autonomia e a interdependência, o que, na prática,
se traduz na conjugação de formas de cooperação e competição. A competição
entre os entes conduz à efetivação dos controles mútuos, à inovação e ao melhor
desempenho das gestões locais, evitando “a armadilha da decisão conjunta” na
qual são comuns a falta de responsabilização da administração pública[4], o
paternalismo e o parasitismo, causados pela dependência em relação a esferas
superiores de poder. A cooperação, por sua vez, traz consigo a construção de
instâncias de poder compartilhado, como os consórcios e os conselhos de
políticas públicas, onde haja decisões conjuntas, divisão de tarefas e
competências entre os entes federativos, favorecendo a boa aplicação das
políticas públicas, pela continuidade e coerência de seu ciclo desde a
elaboração, no âmbito federal à execução em âmbitos estaduais e municipais.
Assim, previne-se o excesso de
competição, gerador da guerra fiscal entre os níveis de governo, uma disputa em
busca de investimentos, na qual os estados brasileiros abdicaram de receitas,
cujos resultados foram o repasse de dívidas para o nível federal, ou seja, para
toda a nação, próximas gerações, ocasionando deterioração dos serviços
públicos, e, ainda, sem obtenção dos resultados esperados (Abrucio &
Gaetani, 2006)[5]. Esse foi o federalismo
vigente no país de 1982 a 1994 (Abrucio, 2005:46), estadualista, predatório e
não cooperativo. Pois a redemocratização configurou um federalismo compartimentalizado, “em que cada nível de governo procurava encontrar seu papel específico
e não havia incentivos para o compartilhamento de tarefas e atuação
consorciada” (Id., Ibid:49). No caso
brasileiro, esses problemas trouxeram a necessidade de maior articulação entre
os entes federativos, principalmente nas áreas ligadas à saúde, educação e
segurança pública para que os serviços possam chegar à população de forma
eficiente e eficaz.
Apesar do Estado Unitário criado pela
Constituição de 1824, o desejo de instaurar uma federação não era consensual,
mas já estava presente na elite intelectual brasileira. Monarquistas famosos
como Joaquim Nabuco e Rui Barbosa defendiam essa forma de Estado (Silva, 2010).
Nossa formação histórica diverge do
modelo norte-americano, em que os integrantes da Confederação (1777) cederam
sua soberania ao Governo central, que se estruturou sob a forma federativa no
ano de 1787 (Silva, 2010). No Brasil o federalismo foi implantado do centro
para a periferia (de forma centrífuga) pela Constituição de 1891. Ou seja, o
Estado Unitário imperial cedeu seu poder ao descentralizar-se
administrativamente (Magalhães, 2010) e repartir suas competências com as
unidades territoriais convertidas em entes federativos.
O Federalismo brasileiro é marcado por
um excesso de atribuições e competências previstas para serem realizadas no
âmbito da União Federal, ao passo que no modelo norte americano há uma maior
descentralização administrativa e autonomia dos Estados-membros.
Além disso, após a Constituição de 1981
tivemos um retrocesso em relação a esse sistema. Nas Constituições de 1937,
1967 e 1969[6] “o federalismo era apenas nominal, já que a autonomia dos entes
federados, necessária para caracterização do federalismo, ficava comprometida
por uma série de mecanismos centralizadores e interventivos” (Silva, 2010).
Por isso, no período da redemocratização, a descentralização foi associada à
democracia, em oposição ao forte centralismo da tradição militar.
O Brasil é todo
dividido em municípios, há países que têm somente um município em uma grande
região. É, portanto, bastante descentralizado, mas oscila historicamente entre
essas duas forças (a descentralização e a centralização), conforme o contexto,
ou arranjo de forças políticas e econômicas. Assim, em comparação com outros
países, os estados e municípios brasileiros se mantiveram fortes desde a
Proclamação da República, em 1891, quando o Brasil se tornou uma federação. No nosso modelo
federal instituído os Municípios surgem como entes autônomos. Isso retirou dos
governos estaduais a responsabilidade de execução direta e acarretou a municipalização
de várias políticas públicas (Abrucio & Gaetani, 2006). A descentralização
de competências foi acompanhada por conquistas tributárias dos entes
subnacionais, mas a disparidade econômica foi reforçada pelo grande número de
municípios pequenos, incapazes de sobreviver com recursos próprios. Esse
processo buscou a democratização nos planos locais, porém, associada à
descentralização administrativa, também produziu o municipalismo autárquico,
isolando os municípios entre si e dificultando parcerias para solução de
problemas regionais, em especial os que afetam as regiões metropolitanas
(Abrucio, 2005:48 e 62).
Nesse sentido, uma boa solução seria a
celebração de consórcios públicos. A Lei nº 11.107, de 06 de abril de 2005,
prevê a possibilidade de a União celebrar consórcio com os estados e o Distrito
Federal, e, caso haja participação dos estados, é possível a participação dos
Municípios nestes consórcios (art. 1º, § 2º, da referida Lei). Contudo, não é legalmente
possível a realização direta de consórcios públicos entre a União e Municípios[7],
nem celebração de consórcio apenas entre municípios. Há previsão somente de
realização de consórcio público entre estados e municípios, ou entre estados e
união. Apesar da previsão legal, a composição consorciada entre estados e
municípios não tem sido bem utilizada na prática (Abrucio & Gaetani, 2006).
Os governos estaduais passaram a
desfrutar de uma autonomia de fato, a partir do processo de redemocratização do
país, que teve seu início com as eleições para governador em 1992,
consolidando-se com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Nesse
contexto, os estados foram levados a assumir um papel diferente daquele a que
estavam acostumados, pois passam a ter o papel de coordenação, financiamento
suplementar e atuação conjunta com o poder local. Entretanto, acabaram cooptando
prefeitos e líderes locais, colocando o poder político acima das políticas públicas
(Id., Ibid.), em fidelidade à herança patrimonialista e oligárquica.
Em verdade, a CF/88 atribuiu papeis bem
definidos à União e Municípios, mas deixou um vazio em relação às competências
dos estados e de como se relacionariam com os demais níveis de governo. Assim,
os estados procuravam participar de políticas financiadas pela União e, quando
não, se eximiam da responsabilidade, repassando-a aos municípios (Abrucio,
2005:49).
O sistema federativo exige mecanismos
que possibilitem a atuação articulada entre os entes federativos, para que se
estabeleça um serviço público de melhor qualidade, celeridade e eficiência em
prol da população, o que nortearia o chamado “federalismo de cooperação”
(Carvalho Filho, 2010). Nessa forma de Estado é muitas vezes difícil a execução
de políticas públicas, já que existe mais de um centro decisório, dificultando
a coordenação das vontades entre os diversos os entes federativos (Silva, 2010).
Antes de 1984
iniciou-se no Brasil um processo de descentralização por pressões feitas sobre
o regime militar por estados e municípios. Na Reforma Tributária realizada
durante a ditadura foram criados os Fundos de Participação dos Estados e de
Participação dos Municípios. Essa descentralização de recursos ocorreu por
demanda, enquanto a descentralização por oferta, proposta pelo Banco Mundial,
consiste na oferta de poderes aos estados e municípios da parte do governo
central.
A Constituição de 1988
consagrou a descentralização. Todavia, mesmo com a Constituição Federal de 1988,
percebe-se uma centralização de competências significativa na União e competências
pouco relevantes para os estados-membros (Silva, 2010). No entanto, as regras do texto original supõem homogeneidade dos estados
e municípios, e, na realidade, são muito diferentes e número de habitantes,
capacidade de arrecadação e gestão. Nesse sentido, a descentralização exacerbada
prejudicou a estabilização da economia, pois enquanto o governo federal
desejava conter os gastos e o endividamento, estados e municípios faziam o
oposto, além de transferirem o ônus de suas dívidas para a União. Esse processo
seguiu a tendência da década de 1980, quando o governo federal descentralizou
recursos, mas continuou concentrando atribuições.
Por outro lado, ao
contrário do regime centralizador autoritário, a adesão dos governos estaduais
e municipais às políticas federais não é mais imposta, depende de negociações,
barganhas, coalizões e incentivos de esferas superiores de poder, processos
integrantes da democracia, cujo sucesso depende da coordenação
intergovernamental (Abrucio, 2005:49).
Governo FHC[8]
Nos governos de
Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), ocorreu movimento contrário, maior
descentralização de competências para estados e municípios, porém centralização
de recursos. É nesse período que começa a haver maior preocupação com a
qualidade dos gastos, buscando conceder mais autonomia para os órgãos que
gastam bem o dinheiro, e, dessa maneira, alcançam resultados melhores, e
restringir a autonomia daqueles que aplicam mal o dinheiro.
A reviravolta nesse sistema de federalismo compartimentalizado só foi
possível porque a União e a Presidência da República entraram em uma séria
crise, que durou pelo menos uma década. Fernando Henrique Cardoso ingressou na
presidência com o país enfraquecido pela dívida externa e pelos desequilíbrios
federativos, mas a Era do Real colocou em cheque o estadualismo predatório,
embora não tenha conseguido acabar com a guerra fiscal.
Algumas condições prévias favoreceram as
melhorias alcançadas pelas reformas no governo FHC: 1) até 1991, o país passava
pela combinação perversa entre redução de empréstimos e refinanciamento da
dívida externa, somada a transferência massiva de recursos para os credores
estrangeiros, esse quadro foi revertido, e entre 1992 e 1997, aconteceu o auge
do fluxo de capitais para a América Latina. Isso permitiu a renegociação da
dívida externa em 1993; 2) a “Era do Real” recebeu do governo Sarney a
modernização orçamentária e o crescimento das reservas cambiais, além de um
progressivo aumento arrecadação federal no governo Itamar, quando ele mesmo,
Fernando Henrique, atuou, como ministro da fazenda, em prol da criação do Fundo
Social de Emergência; 3) na sociedade brasileira consolidou-se a ideia de que
reformas constitucionais seriam a salvação do país, essa predisposição,
associada ao sucesso do Plano Real, deu grande popularidade a Fernando Henrique Cardoso; 4) no plano eleitoral, pela
primeira vez desde a redemocratização as eleições presidenciais foram
realizadas concomitantemente às eleições para o Congresso Nacional e estaduais,
vinculando congressistas e presidente, mas também governadores, pois a maioria
dos eleitos derivou sua vitória do apoio ao Plano Real.
O sucesso do Plano Real no combate à
inflação permitiu estabilizar as transferências intergovernamentais. Assim a
União poderia negociar o repasse de encargos juntamente com os recursos de
forma programada e racional. Foi essa situação que deu ensejo a elaboração de
políticas coordenadas.
Dessa maneira, com contexto
internacional favorável, estabilidade monetária e apoio político, o caminho
estava aberto.
A primeira frente foi o combate ao
déficit público nos governos subnacionais. Houve uma atuação conjunta pela
modernização fazendária de vários estados e aprovação da Lei de
Responsabilidade Fiscal, no ano 2000. Essa lei foi de grande importância, para
impedir que a situação reinante se repetisse, obrigando tanto governantes
atuais quanto futuros. A privatização, extinção e federalização dos bancos
estaduais foram fundamentais, pois era por meio deles os estados repassavam
custos ao Banco Central. Contudo, o Plano Real por si só foi um golpe para as
dívidas estaduais, por causa da política de valorização cambial e financiamento
por poupança externa (atração de investimentos estrangeiros pela oferta de
juros altos) baseada na manutenção de altas taxas de juros, mas é preciso assinalar
que os grandes responsáveis pela crise eram os próprios estados, cujos gastos
eram descontrolados. Aliás, foi essa conjuntura que gerou a perda das receitas
obtidas com as privatizações nos estados, dinheiro que, a princípio, seria
utilizado para pagamento das dívidas com a União. Ainda outra coisa aconteceu:
boa parte dos estados optou por aplicar esse dinheiro em gastos correntes, em
vez de pagar suas dívidas.
Esse processo teve um custo altíssimo
para a União, especialmente pela situação do Banespa e pela necessidade de
criar um instrumento de transição financeira, cuja conta chegou a R$ 70 bilhões
em 2002. As privatizações, embora tenha sido uma mudança crucial rumo ao
reequilíbrio fiscal e financeiro dos estados, e desses em relação à União, trouxe
consigo um processo de privatização dos lucros, para os compradores das
empresas cujas dívidas foram assumidas pelo governo, e socialização dos
prejuízos, para a população brasileira. Outro aspecto negativo da política de
privatizações foi a ausência de aparato governamental regulatório, um número
pequeno de estados envolvidos criaram agência reguladoras dos setores.
O “capítulo final” dessa história foi a
renegociação das dívidas dos estados, regulamentada pela Lei nº 9496/97. Essa
lei contribuiu muito para a ordenação das relações federativas, rompendo com o
modelo predatório. O acordo contemplou quase todas as unidades estaduais, e, o
mais importante, estabeleceu punições para quem deixasse de cumpri-lo, pela
retenção de recursos federais.
O governo federal também auxiliou os
estados na criação e capitalização de fundos de pensão dos servidores
estaduais. Nesse sentido, quando se tratou da solução de problemas econômicos e
financeiros, FHC soube combinar descentralização, reforma administrativa e fiscal.
O fato é que, “das 34 emendas constitucionais aprovadas” entre 1995 e 2002, “quinze delas afetavam diretamente o pacto
federativo”, como ocorreu com a Emenda Constitucional nº 19/1998, que, ao
realizar a reforma administrativa, previu formas de articulação entre os entes
federativos:
“(...) a gestão associada na prestação de serviços públicos a ser
implementada, através de lei, por convênios de cooperação e consórcios públicos
celebrados entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Trata-se, (...), de instrumentos de cooperação de atividades visando a alcançar
objetivos de interesse comuns dos pactuantes.
A
noção de gestão associada emana da própria expressão: significa uma conjugação
de esforços visando a fins de interesse comum dos gestores. Em relação à gestão
associada de serviços públicos, pode-se adotar a conceituação de que
corresponde ao “exercício de atividades de planejamento, regulação ou
fiscalização de serviços públicos por meio de consórcio público ou de convênio
de cooperação entre entes federados, acompanhadas ou não da prestação de
serviços públicos ou da transferência total ou parcial de encargos, serviços,
pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.” (Carvalho
Filho, 2011:324)
Esse esforço de reestruturação
federativa ocorreu também nos âmbitos tributário, previdenciário (Emenda
Constitucional nº 20/1998) e na área social, com a aprovação do Fundef (Emenda
Constitucional nº 14/1996), para a educação e da Emenda Constitucional nº
29/2000, para a saúde, bem como do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza
pela Emenda Constitucional nº 31/2000. A prática de avaliação das políticas
públicas descentralizadas inseriu-se no contexto das inovações administrativas,
apesar de sua implantação ter ocorrido somente no Ministério da Educação, sem
generalizar-se na Esplanada dos Ministérios.
No sentido da democratização o repasse
de recursos passou a ser condicionado à “participação e à fiscalização da
sociedade local”, continuando a estratégia constitucional de criação dos
Conselhos de Políticas Públicas, seguindo os moldes participativos do Sistema
Único de Saúde (SUS).
O SUS é o exemplo de maior tradição e
sucesso em coordenação federativa. Nos
termos do art. 198, da Constituição Federal, é um sistema estruturado
regionalmente, hierarquizado e descentralizado, que elevou o Município a figura
chave do sistema, consagrado pela Lei nº 8.080/1990 (Silva, 2010). Regularizar os repasses foi um objetivo importante
da política de saúde no governo FHC foi. Entre 1995 e 1999, com a
redistribuição dos recursos, os gastos da União passaram a 23%, dos estados a
25% e os municípios para 52%.
O Fundef foi uma experiência inédita no
federalismo brasileiro, introduzindo um sistema de repasse proporcional ao
número de alunos matriculados. Com isso conseguiu reduzir as desigualdades
regionais e no interior dos próprios estados, refletida nas disparidades da
rede de ensino pública. Até então a atuação da União na educação era
“multitarefa”, devido à confusa distribuição de competências, com o Fundef o
governo federal finalmente dedicou-se a universalização e equidade do ensino
público. Em 1996, 37% das matrículas pertenciam a escolas municipais e 63% a
escolas estaduais. Após o Fundef 49% das matrículas se tornaram municipais e
51% estaduais.
Por fim, foram adotadas políticas de
distribuição de renda direta à população, concebendo que problemas de ordem
redistributiva numa federação devem ser mediados pela intervenção do governo
federal. O grande problema dessa política foi sua enorme fragmentação em
diversos programas pertencentes a diversos ministérios, dificultando sua
fiscalização, coordenação e avaliação. No entanto, a participação em tais
programas passou a ser condicionada a certos objetivos e a focalização mais bem
definida, recorrendo-se ao índice de desenvolvimento humano dos municípios.
Entre os problemas que permaneceram meio
a toda essa “revolução”, estão a guerra fiscal entre os estados e a ausência de
política urbana. A guerra fiscal se revelou mais negativa que positiva, pois
dos sete estados que a praticaram no período, apenas o Ceará aumentou sua
participação no PIB nacional. No setor urbano cresceram os problemas das
regiões metropolitanas, sem que existam quaisquer mecanismos ou instituições
capazes de equacioná-los. Nesse ponto, o federalismo
compartimentalizado por oposição ao centralismo autoritário e o municipalismo autárquico continuam a
firmar seu terreno, mas está claro que, sem a constituição de instâncias
metropolitanas envolvendo estados, municípios e sociedade civil. Logo, com
coordenação intergovernamental, como nos casos do SUS e do Fundef.
Os estados e municípios permanecem com
administrações públicas precárias e não houve formação de uma rede nacional,
com interconexões de longo prazo entre as burocracias municipais, estaduais e
federais. Todo o processo de reformas conduzido por FHC foi realizado sem a
criação e o fortalecimento de fóruns federativos, para discussão e negociação
entre os entes, promovendo de fato a soberania compartilhada.
BIBLIOGRAFIA
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Fernando Luiz; PEDROTI, Paula; PÓ, Marcos Vinicius. “A formação da burocracia
brasileira: a trajetória e o significado das reformas administrativas”. In:
Loureiro, Maria R.; Abrucio, Fernando, l e Pacheco, Regina S. (orgs) Burocracia e política no Brasil. Rio de Janeiro:
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GAETANI, F. “Avanços e perspectivas da gestão pública nos estados: agenda,
aprendizado e coalizão”. Seminário
Avanços e Perspectivas da Gestão Pública nos Estados. Brasília: Consad, p.
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FHC e os desafios do governo Lula”. In: Revista
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Administrativo, 24ª edição, revista, ampl. E atual. Até 31/12/2010. Rio de
Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2011.
FRIZZARINI, Maria Goreti Juvencio Sobrinho. “O Pensamento Político de
Fernando Henrique Cardoso”. In: Revista
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Centrípeto ou Centrífugo, O Estado Federal de Dois Níveis ou de Três Níveis e o
Estado Federal Simétrico ou Assimétrico. https://sites.google.com/a/direitoufmg.com/direito-ufmg/1o-periodo.
Acesso em 16/06/2013.
MAUSS, Marcel.
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e Antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2003, p.185-314.
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competências no Brasil. In: PETERS, Guy e PIERRE, Joh (Orgs). (2010),
Administração Pública – coletânea. Brasília: ENAP e UNESP.
VIANNA, Luiz Werneck. A
revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil. Rio de Janeiro:
Revan, 1997.
[1] VIANNA, Luiz Werneck. A
revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil. Rio de Janeiro:
Revan, 1997.
[2] CARDOSO, Fernando Henrique. Autoritarismo e democratização. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1975.
Frizzarini explica o conceito de FHC da seguinte maneira: A fim de satisfazer os interesses em torno
do estado, formam-se “estruturas burocráticas” que se articulam através de
“anéis burocráticos”, mecanismos que atravessam as grandes burocracias, a
pública e a privada, constituindo-se numa espécie de teia que vincula as
diferentes facções e permite aos setores da burocracia pública e estatal
ligarem-se aos grupos de interesses das empresas privadas (da burocracia
privada que responde pelos interesses dos grandes conglomerados) e vice-versa.
Em substituição ao antigo sistema político e às formas de representatividade da
sociedade civil, nas quais as classes sociais se organizavam em torno do estado
– suplantando, portanto, os mecanismos que permitiam a influência e pressão dos
setores tradicionais (atrasados) e da classe trabalhadora –, aqueles “anéis”
conectam os empresários, os funcionários do estado e os próprios militares,
segundo interesses e objetivos diversos, não apenas econômicos.
FRIZZARINI, Maria Goreti Juvencio Sobrinho. “O Pensamento Político de
Fernando Henrique Cardoso”. In: Revista
Ponto-e-Vírgula. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica, n.4, 2008. http://www4.pucsp.br/ponto-e-virgula/n4/indexn4.htm
[3] “Ensaio sobre a dádiva”. In:
MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia.
São Paulo: Cosac Naify, 2003, p.185-314. Marcel Mauss elaborou o conceito de fato social total para explicar as
formas de troca na Melanésia, ilhas Trobriand, Andaman, Polinésia, Samoa e
noroeste da América do Norte, integrando diversos povos, tribos e clãs nessa
região do Pacífico, inclusive os Maoris (focalizados no filme A Encantadora de Baleias), hoje minoria
populacional na Nova Zelândia.
[4]
Nenhum dos entes
participantes se comprometerá a resolver os problemas advindos da implementação
de políticas, nem assumirá a culpa por desvios que porventura aconteçam.
[5] Apud Abrucio &Ferreira
Costa, 1998.
[6] Não é pacífico na doutrina que
se a Emenda 1/69 é uma constituição ou uma Emenda à Constituição de 1967.
[7] Não confundir os consórcios
públicos disciplinados pela Lei nº 11.107/2005 com os consórcios tradicionais
entre pessoas administrativas. Os consórcios públicos se formalizam entre
pessoas jurídicas, o que não ocorre com os tradicionais (Carvalho Filho, 2011: 325).
[8] O texto que se segue é uma
síntese baseada no artigo “A Coordenação Federativa no Brasil: a experiência do
período FHC e os desafios do governo Lula”, de Fernando Luiz Abrucio, publicado
em 2005. As referências bibliográficas que não pertençam a este autor serão
explicitadas no texto.
Um comentário:
Lei nº 11.107/2005:
"Art. 1º Esta Lei dispõe sobre normas gerais para a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios contratarem consórcios públicos para a realização de objetivos de interesse comum e dá outras providências.
§ 1º O consórcio público constituirá associação pública ou pessoa jurídica de direito privado.
§ 2º A União somente participará de consórcios públicos em que também façam parte todos os Estados em cujos territórios estejam situados os Municípios consorciados."
Portanto, a União não pode ser parte de consórcio intermunicipal sem que dele seja também parte o(s) Estado(s) a(os) qual(is) pertencem os municípios integrantes.
Contudo, pode haver consórcio apenas entre municípios, sem a participação do(s) estado(s) a cujo(s) território(s) pertençam:
"Art. 4º São cláusulas necessárias do protocolo de intenções as que estabeleçam:
...
§ 1º Para os fins do inciso III do caput deste artigo, considera-se como área de atuação do consórcio público, independentemente de figurar a União como consorciada, a que corresponde à soma dos territórios:
I – dos Municípios, quando o consórcio público for constituído somente por Municípios ou por um Estado e Municípios com territórios nele contidos;
II – dos Estados ou dos Estados e do Distrito Federal, quando o consórcio público for, respectivamente, constituído por mais de 1 (um) Estado ou por 1 (um) ou mais Estados e o Distrito Federal;
III – (VETADO)
IV – dos Municípios e do Distrito Federal, quando o consórcio for constituído pelo Distrito Federal e os Municípios; e
V – (VETADO)"
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