Muitas vezes me abstenho nas
conversações sobre política porque sou uma pessoa de esquerda, mas não sou dona
da verdade. Isso tem muito mais a ver com a filosofia “é melhor ser feliz que
ter razão” do que com ignorância (no sentido estrito, falta de conhecimento). E
sou de esquerda desde a adolescência, por reflexão, muito mais que por
influência desta ou daquela pessoa, por causa desta ou daquela notícia ou
movimento.
Sou favorável a esquerda porque nela
vejo a possibilidade de discutir, propor, mudar e alcançar uma vida melhor para
a maior parte da humanidade, que é pobre e trabalhadora, de modo que é muito
mais útil e leal a esta parcela populacional do que a conservação da ordem
capitalista, excludente e super exploratória defendida em geral pela direita.
Isto sem tocar nos conteúdos racistas, machistas e homofóbicos que são empregados
para manter e justificar esta ordem ou das “verdades” absolutas de caráter econômico
aparentemente científicas ou imparciais, ou ainda, das argumentações que se
revestem do sagrado, de caráter religioso.
Então, conversar com pessoas inflexíveis,
que se julgam claramente superiores, mais inteligentes ou melhores que eu, deixa
a impressão antidemocrática da burrice, daquele que não sabe e nem quer saber
um ponto de vista diferente do seu (agora assim, da ignorância em sentido
amplo, de querer continuar no mesmo lugar). Isto passa bem longe, portanto, de
me convencer de qualquer falha ou lapso em minha própria perspectiva, algo que
só pode ser alcançado em uma conversa franca, de igual para igual, com
argumentos que venham da própria pessoa, e não de vídeos do YouTube cheios de afirmações
sem fundamento, citações sem fontes, relatos desconexos e campanhas de
difamação pessoal que não conseguem ter a elegância (ou inteligência?) de argumentar contra as ideias do
Outro. Essas coisas parecem basear-se no fundamento de que um lado da história
é totalmente bom e o outro, totalmente mau. Qualquer terapeuta ou pessoa
razoável sabe que esta redução/ simplificação não corresponde à realidade e sim
a um distúrbio neurótico. Poucos seres deste mundo foram chamados de santos e
muitos deles tiveram em suas biografias sua parcela de pecado e inferno
pessoal. Interpretar os fatos de maneira moralista, estabelecendo uma oposição
similar a dos desenhos animados infantis, demonstra claramente que a idade
mental frequentemente não acompanha a idade cronológica.
Esses elementos conduzem a pensar nos
motivos pelos quais me tornei Alquimista. Uma pessoa não faz terapia se estiver
plenamente satisfeita consigo mesma e com sua vida. Para se dispor à terapia é
necessário haver pelo menos um problema, um incômodo interior para o qual se
deseja descobrir a causa e encontrar a solução. E é difícil, pois após descobrir
o que incomoda e por que incomoda (autoconhecimento) é preciso decidir o que
fazer. Decidir aqui é um ato solitário, que requer responsabilidade sobre as
consequências e este ato pode ser compreendido na encruzilhada entre permanecer
onde está ou promover uma mudança, uma transformação. Mudar, por sua vez,
requer coragem. Então, a permanência no mesmo lugar, a conservação da ordem
aparece como uma violação do trabalho terapêutico, assim como a conservação da
ordem social viola meu senso de justiça. Porém, enquanto ao paciente dou meu
respeito a seu livre-arbítrio, ao ato da terapia dou meu amor pela
transformação. Este ou aquele indivíduo pode decidir se conservar, mas não me
dou ao luxo de trabalhar pela manutenção dos problemas sem solução.
Dito isso, não vejo como uma Nova Era
pode surgir sem uma Nova Consciência. A transformação social está intimamente
ligada à transformação individual. São indivíduos que dão respaldo a sistemas
políticos e econômicos, nenhum governo se faz sozinho. Sem o descentramento do
ego, sem a libertação humana do egoísmo em todas as suas formas não haverá
ascensão avassaladora da igualdade, da fraternidade, da liberdade e da solidariedade
UNIVERSAIS. O mundo continuará constituído pela exploração dos mais fortes
sobre os mais fracos humanos e não-humanos. As sociedades continuarão falhas e decadentes
na manutenção dos laços sociais que evitam a depressão, a doença e o suicídio.
Assim, a luta pela manutenção de
privilégios e pela concessão de direitos apenas a quem possa pagar, para privatizar
a saúde, a educação, a previdência social e todas as riquezas que deveriam ser
do povo, não se coaduna com o amor universal, nem com a compaixão, pois
argumentar que alguém é pobre porque merece, ou porque não tem méritos, além de
cruel é também descartar o fato básico de que para desenvolver-se as pessoas
precisam ter oportunidades que lhes são sistematicamente negadas, geração após
geração. Não é gratuito que a pobreza tenha cor e sexo, ou, dito de outro modo,
seja negra, mestiça, indígena e feminina. Logo, não se trata de problema
meramente individual. Essas afirmações distorcidas do ponto de vista
sociológico soam mais estranhas quando se considera que o pressuposto das oportunidades
para o desenvolvimento humano é reconhecido por um filósofo liberal, John
Stuart Mill.
Qualquer sistema ou ideologia que tire
do Outro (como alguém diferente de você ou dos seus padrões e princípios) sua
capacidade de ser contraria a universalidade amorosa, torna o amor egoísta,
condicional e medíocre. Exatamente como tem sido a humanidade há séculos. Qualquer
ideologia que se baseie em mentiras para se tornar verdade é como tem sido várias
ideologias na humanidade há séculos.
Qualquer terapia que não ajude o
indivíduo a transformar a si mesmo, a se tornar mais amoroso consigo e com os
outros, a ter coragem para realizar mudanças necessárias à sua felicidade, é
uma terapia medíocre, ou tão paliativa e imediata quanto um comprimido para dor
de cabeça.
“Os
problemas, portanto, nos compelem a um estado de soledade e orfandade absoluta,
onde nos sentimos abandonados inclusive pela natureza e onde somos obrigados a
nos tornar conscientes. Não temos outra via de saída, e somos forçados a
substituir nossa confiança nos acontecimentos naturais por decisões e soluções
conscientes. Cada problema, portanto, implica a possibilidade de ampliar a
consciência, mas também a necessidade de nos desprendermos de qualquer traço de
infantilismo e de confiança inconsciente na natureza. Esta necessidade é um
fato psíquico de tal monta que constitui um dos ensinamentos simbólicos mais
essenciais da religião cristã. É o sacrifício do homem puramente natural,
do ser inconsciente natural, cuja tragédia começou com o ato de comer a maçã no
paraíso. A queda do homem segundo a bíblia nos apresenta o despontar da consciência
como uma maldição. E é assim que vemos qualquer problema que nos obriga a uma
consciência maior e nos afasta mais ainda do paraíso de nossa infantilidade
inconsciente. Cada um de nós
espontaneamente evita encarar seus problemas, enquanto possível; não se deve
mencioná-los, ou melhor ainda, nega-se sua existência. Queremos que nossa vida
seja simples, segura e tranquila, e por isto os problemas são tabu. Queremos
certezas e não dúvidas; queremos resultados e não experimentos, sem entretanto
nos darmos conta de que as certezas só podem surgir através da dúvida, e os
resultados através do experimento. Assim, a negação artificial dos problemas
não gera a convicção; pelo contrário, para obtermos certeza e claridade,
precisamos de uma consciência mais ampla e superior.” (JUNG, Carl Gustav. A
Natureza da Psique. Trad. Mateus Ramalho Rocha. 10ª Ed. Petrópolis: Vozes,
2013. Cap. XV, p. 344-345)