sábado, 26 de novembro de 2016

Cinco tipos de políticos

Como partidos são organizações, e têm incorrido em práticas ilícitas no financiamento de suas campanhas eleitorais, nossos procuradores, juízes e imprensa têm recorrido à expressão "crime organizado", me parece, com excessiva liberalidade. Há matizes importantes a serem observados nessa matéria, e sugiro distinguir os políticos em cinco categorias no que diz respeito à sua relação com a moralidade, a lei e, ocasionalmente, com práticas criminosas.
(1) Os incorruptíveis, kantianos incondicionais, que não apenas seguem a lei, mas se recusam até mesmo a permitir-se "conveniências" como indicações legais de aliados para empregos e favorecimentos diversos. Operam apenas no plano do embate de ideias e, aristocraticamente, desprezam clientelismos e "fisiologismos". Improvável que pareça, essas pessoas existem. Mas perdem eleições. Receio que poderemos ignorar essa categoria sem muito perigo de comprometermos a tipologia. (2) Atores politicamente engajados, partidários, estrategicamente atuantes em favor de seu partido ou sua causa, mas nos limites estritos da lei. Promoverão os interesses de aliados, ocasionalmente bancarão indicações para cargos e empregos; aceitarão, em suma, o jogo fisiológico se for preciso, mas não incorrerão em ilegalidades. Jogam o jogo, mas seu limite é a lei. Nunca é demais lembrar: fisiologismo não é igual a corrupção. (3) Categoria média, tipo médio e, com toda probabilidade, predominante. Joga o jogo com realismo cru, e trata de ganhar. Lança mão, para isso, do que for "preciso". Admite, para tanto, recorrer a ilegalidades. Compactua com atos ilícitos, e eventualmente incorre neles pessoalmente. Mas sua prioridade ainda é política: está na luta, comprometido com ela, e quer vencer. Talvez nem se lembre mais exatamente qual era sua "causa" no início de tudo. Mas profissionalizou-se, sabe seu "lado", reconhece e cumpre seus compromissos, promove seus aliados, e luta pelo poder. Se for preciso, mete o pé na lama, enfia a mão na merda: o foco é a luta política. Tipicamente, um conservador - senão na plataforma, no estilo: acima de tudo, sua prioridade é preservar sua posição no sistema político a longo prazo, se possível para a vida toda. Cultiva aliados e evita riscos desnecessários. (4) O larápio. Primariamente um político, mas quer ficar rico, e se utiliza do poder para faturar. Não perde uma chance de embolsar, admitindo até mesmo o risco de arcar com algum prejuízo político, algum desgaste na reputação, se a grana compensar. O arquétipo do corrupto. (5) O testa de ferro do crime organizado. Sua preocupação não é, talvez jamais tenha sido, prioritariamente política. Não é um político que eventualmente se corrompeu. É um criminoso (ou um cúmplice de criminosos) que foi à política para promover os interesses da atividade criminosa. Seus compromissos residem antes na organização criminosa que no partido. Tem inimigos, mais que adversários, e os confronta com destemor peculiar. Agressivo, aceita riscos políticos maiores que os demais, porque sua rede de proteção reside primariamente em outro lugar. Preocupa-se pouco com a segurança de sua posição a longo prazo. *** 3, 4 e 5 praticam crimes. São, a rigor, criminosos. Talvez organizadamente, principalmente 3 e 5. Mas, representante do "crime organizado", propriamente dito, com todo seu potencial destrutivo para a ordem política e social, é o último. Todos eles devem ser contidos e, caso apanhados e condenados, devem ser punidos, na forma da lei. Devemos apenas cuidar de evitar que, ao enchermos as cadeias com 3, terminemos por encher os plenários legislativos com 5.
2 é, em princípio, um cumpridor da lei, embora ultimamente corra certo risco de ver seu critério de definição de legalidade reinterpretado (ex-post) por algum procurador ou juiz especialmente obstinado. Pode acabar por descobrir-se confundido com 3 ou 4 - ou mesmo 5.
Por tudo isso, também, pode-se dizer que a condução do toma-lá-dá-cá fisiológico (ainda que nos limites da presumível legalidade) é uma responsabilidade da chefia do governo. Deixar esse mercado correr solto é dar asa a cobra, ao abrir o campo para algum aventureiro (talvez do pior tipo) se imiscuir e constituir-se como fonte alternativa - e predatória - de patronato político.
Se alguém quiser tentar ilustrar as categorias com exemplos reais, por favor, fique à vontade.

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