sábado, 13 de agosto de 2016

O Lixo


A depressão é o lixo.
O lixo que te torna lixo.
Quando não nos amamos envolvemo-nos com pessoas e situações que nos trazem ou trarão dor e sofrimento. A gente se envolve com quem nos transforma em objeto, com quem irá utilizar nossos "serviços" e descartar como aquele copinho descartável que fica ao lado do filtro nos consultórios médicos.

 Talvez a grande sacada do hedonismo seja consagrar o vazio do individualismo egoísta. E, ao soterrar o masoquismo no inconsciente sob sua ideologia de prazer, desumaniza as relações sociais acrescentando a elas mais uma camada de mentira. 
As pessoas já são coisas no mercado, que mal há em serem também nas relações privadas? 

Então, existem vários tipos de prostituição... Aquele que se deve a luxúria, por exemplo, e aquele que se deve ao lixo... Você se torna um objeto porque o Outro e incapaz de ve-lo além de uma coisa a ser usada. Então "ser coisa" se torna algo melhor que nada. É o real em contraposição ao ideal, é aquilo que se pode ter contra a negação da realidade. Esta consciência, quando chega, é insuportável. A gente pode até continuar se sentindo lixo, mas não consegue mais desejar o lixo. A resposta é solidão. Solidão verdadeira, autêntica, sem fuga. Solidão que te torna "fora do lugar, fora do tempo, fora de si". Mas, a um passo da comunhão com Deus.

Fui ao consultório médico esta semana. Estava lotado. Vi uma senhora a quem faltava um braço de um lado, uma perna do outro. Pessoas da família a conduziam, carinhosamente. Pensei obviamente como sou abençoada, pois meu pai está doente, mas não lhe falta nenhum membro. Ao mesmo tempo, me senti mutilada da alma... 

E logo após atender essa paciente, minha médica me perguntou: "como você está?" Fiquei tentada a mentir, por um milésimo de segundo, já que, obviamente, a gente, com todos os membros e saudável, sempre pensa estar melhor que uma pessoa em cadeira de rodas (seria estupido achar ao contrário, ne?!). Porém, fui sincera. Naquele dia estava realmente muito triste e saída de uma crise muito longa de lágrimas... Contudo, como sempre, me esforçando para levantar. Então respondi: "vou indo...". Fui sincera como há muito tempo não sou, já que as pessoas nunca fazem essa pergunta esperando que o outro diga simplesmente "a verdade". E aí, tive a impressão de incomodar minha médica querida, como se estivesse confortável no meu lugar de tristeza... E meio sem noção do meu drama, já que entrara após "aquela" paciente. 

No entanto, falei a verdade sem culpa, pois me senti assim mesmo ao ve-la... Mutilada da alma... Como se faltasse a mim algum pedaço que não consigo juntar. E é  assim mesmo. Existem mutilações físicas e psíquicas, fraturas dos ossos e fraturas do coração. E não preciso ser óbvia para mostrar isso a alguém que não queira compreender. 

Não senti pena daquela mulher. Senti que éramos iguais. Senti que qualquer pessoa é digna da felicidade a qualquer momento da eternidade sem tempo, em qualquer estado que se apresente seu ser, sob quaisquer aparências externas provisórias, situações ou vestes passageiras.

A vida é cheia de flores e espinhos. Impossível cuidar do jardim sem arranhões. 

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