quinta-feira, 15 de maio de 2008

Determinações valorativas da percepção do risco de vitimização na modernidade

Fernanda Flávia Martins Ferreira*

RESUMO

O foco principal deste artigo é empreender uma discussão preliminar esclarecendo como valores abstratos, contidos na discussão teórica de Giddens e Inglehart sobre a modernidade, influenciam um fenômeno específico como a percepção do risco de vitimização. Com base nos dados do banco de dados da primeira fase da Pesquisa por amostragem probabilística da região metropolitana de Belo Horizonte, começamos o teste das seguintes hipóteses, por meio de associações e correlações, repetindo-as em dois eixos, o moderno e o tradicional, pois há valores para pouca ou muita confiança em ambos- 1) quanto maior a concentração de fatores de otimismo maior a confiança e menor a percepção do risco; 2) quanto menor a concentração de fatores de otimismo menor a confiança e maior a percepção do risco. Os resultados preliminares apontam para uma influência direta dos “valores otimismo” sobre as percepções do risco de vitimização e da confiança nos vizinhos sobre estas últimas, dentre as questões levantadas pelas estatísticas, algumas podem ser de ordem teórica, metodológica ou cognitiva.

PALAVRAS-CHAVE: Giddens, Inglehart, percepção do risco de vitimização, valores, confiança, segurança, tradicional, moderno, reflexividade, risco, local, global.

Introdução

A idéia inicial para este trabalho consistia vagamente numa hipótese de correlação negativa entre confiança nas pessoas e percepção do risco de vitimização local e não local. Ou seja, quanto maior a percepção do risco, menor a confiança nas pessoas.

Tal idéia, conduzida pela teoria de Giddens sobre a modernidade e pelas orientações recebidas, fez-me notar o quanto pode ser complexificada e aprofundada essa relação, passando do macro ao microssociológico e vice-versa, devido ao caráter específico das perguntas do módulo polícia e criminalidade. Logo, a importância do trabalho que por hora começamos, reside na compreensão do caráter mais propriamente subjetivo da percepção do risco, no que se refere às concepções que as pessoas possuem umas sobre as outras e o mundo em que vivem, através das noções centrais de risco e confiança, subjacentes, mesmo que não contempladas nesta pequena pesquisa, as concepções que possuem sobre o crime, a violência e aqueles que os cometem. Objetivando finalmente construir com as variáveis do modelo, diferentes configurações da percepção de risco na modernidade em grupos de status e idade, na região metropolitana de Belo Horizonte. [1]

Para o estabelecimento panorâmico da ligação que aqui constitui o objeto de estudo, recorro aos conceitos de desencaixe, do teórico adotado. Por desencaixe entendemos: “‘deslocamento’ das relações sociais de contextos locais de interação e sua reestruturação através de extensões indefinidas de tempo-espaço” (GIDDENS:1990, p.29). O desencaixe se realiza historicamente, a partir da separação entre tempo e espaço. Esta, consiste basicamente na criação de um sistema mundial de medição do tempo, não submetido a variações climáticas, de estações ou a eventos sociais locais, como épocas de colheita ou festas religiosas.

O desencaixe também pode ser explicado pelo aumento da interdependência social, através da formação de longas cadeias de ação, por meio das quais são vencidas grandes distâncias e estabelecidos vínculos e relações sociais não presenciais (sem rosto) num processo de disseminação das instituições modernas (como bancos e empresas transnacionais). Integração econômica, política e social mundial que chamamos de globalização. O desencaixe expressa o caráter universalizante da modernidade, sendo simultaneamente uma expansão do projeto ocidental, por sua origem européia, e um processo de reflexividade multicultural a partir dos locais em que se instala, através do estado-nação e da produção capitalista sistematizada (GIDDENS:1990, p.173).

O ritmo (acelerado) da modernidade não se deve apenas às facilidades de comunicação e transporte propiciadas pelos avanços tecnológicos. Na regência desta dinâmica, está a reflexividade. Por trás do fenômeno identificado por este conceito está o conhecimento científico e sua perda de status como instância capaz de solucionar os problemas do mundo, como coloca Inglehart. Mais que isso, a ciência é puro método fundador de afirmações provisórias, constantemente submetidas à contestação e revisão. A história não possui teleologia nem é regida pela dialética entre senhor e escravo. A reflexividade refere-se a circularidade do conhecimento, entendida como sua passagem do meio acadêmico ao social, especialmente no que diz respeito à formulação de previsões sobre a modernidade, uma de suas características principais: ser voltada para o futuro. De tal modo que, as previsões feitas com base no presente ao serem incorporadas a sociedade do momento modificam-na também em suas possibilidades de futuro:














Presente X previsões Futuro X+Y Presente Z Futuro Z+W


A mesma capacidade de incorporação também incide sobre a ampliação do estoque de saberes da ciência. Isto porque, na modernidade a informação adquire importância fundamental influenciando o planejamento e o curso das ações, orientadas consciente ou inconscientemente pelos atores. Tal processo é chamado de circularidade por se repetir constantemente, mas não se trata necessariamente de uma auto-superação pois o progresso se torna vazio, o culto à razão não nos fez alcançar “um mundo sujeito à nossa previsão e controle” (GIDDENS:1990, p.151), pelo contrário, seja pelas razões acima enunciadas, seja pela persistência de conseqüências involuntárias e inesperadas:

“Uma razão para isto é a complexidade dos sistemas e ações que constituem a sociedade. (...) Em condições de modernidade, o mundo social nunca pode formar um meio ambiente estável em termos de entrada de conhecimento novo sobre seu caráter e funcionamento. O conhecimento novo (conceitos, teorias, descobertas) não torna simplesmente o mundo social mais transparente, mas altera sua natureza (sua configuração), projetando-a para novas direções.” (GIDDENS:1990, p.153 –último parêntese acrescentado por mim.)

Enfim, nenhum projeto pode ser controlado em sua totalidade.

A reflexividade em seu sentido original e não propriamente moderno é também uma característica das pessoas, uma “monitoração do comportamento e seus contextos” segundo Goffman, e dimensão do autocontrole, segundo Elias. Junto a ambos os tipos de reflexividade, os sistemas de informação exercem seu papel formando subsídios para que os indivíduos elaborem suas concepções sobre o mundo e suas posturas diante dos riscos modernos. E, ao lado do desencaixe, temos o reencaixe que: “(...) se refere a processos por meio dos quais compromissos sem rosto são mantidos ou transformados por presença de rosto” (GIDDENS:1990, p.91). O reencaixe é uma forma de apropriação local dos mecanismos de desencaixe, mesclando a eles os vínculos do lugar (uma espécie de apropriação cultural). Suponho aqui que o reencaixe permite a aplicação de valores globais a uma situação cotidiana como a percepção do risco de vitimização, ligando-os por mecanismos indiretos como a confiança nas pessoas e o sentimento de segurança. É um contraste e uma conseqüência da impessoalidade das instituições modernas.

Giddens, ao falar da confiança básica transmitida pelos pais ou responsáveis a uma criança, gerando a segurança ontológica, refere-se não só ao reencaixe como o efetua conceitualmente, ao dizer que da relação familiar depende muito a constituição da autoconfiança e da sensação de realidade na personalidade, possibilitando, posteriormente, o desenvolvimento da insensibilidade em relação às incertezas e aos riscos que não podemos controlar, seja por sua intensidade, falta de informação e/ou impossibilidade de domínio das contingências. O processo de individualização, enquanto construção moderna do ser único, indivisível e possuidor de uma essência, separada do mundo externo, complementa esta visão, sendo a auto-realização fundamental para a auto-identidade (um dos motivos de inclusão das variáveis sobre otimismo e felicidade).

“Quando as pessoas olham em volta, para as árvores, morros ou a própria estrada, fazem isso principalmente porque precisam estar sempre preparadas para um ataque armado, e apenas secundariamente porque têm que evitar colisões. A vida nas estradas principais dessa sociedade exige uma prontidão constante para a luta, e dá livre rédea às emoções, em defesa da vida ou das posses contra o ataque físico. Já o tráfego nas ruas principais de uma grande cidade na sociedade complexa de nosso tempo exige uma modelação inteiramente diferente do mecanismo psicológico. Neste caso é mínimo o perigo de ataque físico. Carros correm em todas as direções, e pedestres e ciclistas tentam costurar seu caminho através da mêlée de veículos; nos principais cruzamentos, guardas tentam dirigir o tráfego, com variável grau de sucesso. Esse controle externo, porém, baseia-se na suposição de que todos os indivíduos estão regulando seu comportamento com a maior exatidão, de acordo com as necessidades dessa rede.” (ELIAS:1939, p.196)

O trecho acima é uma comparação feita especificamente entre a circulação pelos caminhos da Idade Média e o andar nas ruas de um centro urbano hodierno. A vida era mais perigosa. Entre o perigo na Idade Média e o risco na sociedade atual temos a formação dos Estados-nação trazendo para si o monopólio da força física, retirando em larga escala o poder das armas aos indivíduos, acentuando gradualmente a justiça feita sob princípios de validade geral, em detrimento do poder pessoal. Nele, não está em discussão o sucesso do Estado em seu monopólio da força física ou o fato de que no noticiário soubemos que as taxas de violência subiram, que não se pode mais considerar nenhum local de Belo Horizonte seguro. Atentamos para uma mudança nos ambientes de risco e confiança (GIDDENS:1990, p.104).

Conceitos e variáveis

A construção do modelo, feita com base em um banco de dados de pesquisa já realizada, exigiu de nós diversas aproximações no que diz respeito à mensuração dos conceitos enunciados por Giddens. Os Questionários do survey metropolitano de Belo Horizonte aqui utilizados foram baseados em outros teóricos e em outros conceitos, principalmente os de Inglehart, em seu livro Modernization and Postmodernization, cultural, economic and political change in 43 societies, exigindo um trabalho comparativo que auxiliasse na compreensão das possibilidades e limitações das variáveis.

Com base nisso, foi elaborado o esquema a seguir:

MACRO _______________________________CAMINHO___________________________MICRO

Origem/explicações














MODERNIZAÇÃO VALORES CONFIANÇAS SENTIMENTO DE PERCEPÇÃO

SEGURANÇA DO RISCO

Valores autoridade + religiosidade

Otimismo/ Pessimismo

Pessoas/ Interpessoal

Durante o dia ou à noite

Agressão/ roubo

Local/ não local

No livro Conseqüências da Modernidade, Giddens considera que a religião possui o potencial formador de um ambiente de confiança em torno do crente, referindo-se diretamente ao cristianismo. Contudo, estende essa capacidade a outras religiões,

“embora a maioria das religiões não seja tão monoteísta, a idéia de confiança em seres ou forças sobrenaturais é um traço característico de muitas crenças religiosas diferentes quanto a outros aspectos. A religião é um meio organizador de confiança de mais de uma maneira. (...) E o que é mais importante, as crenças religiosas tipicamente injetam fidedignidade na vivência de eventos e situações e formam uma estrutura em termos da qual eles podem ser explicados e respondidos.” (GIDDENS:1990, p.105)

Porém, a religião também pode ser motivo de angústia e insegurança devido a incertezas quanto ao destino após a morte, pela consciência do pecado ou incerteza da salvação (alguns exemplos).

“Crenças religiosas podem ser fonte de extrema ansiedade ou de desespero –tanto que elas devem ser incluídas como um dos principais parâmetros de risco e perigo (vivenciados) em muitos cenários pré-modernos.” ( Ibid.)

Por isso, ao elaborar as hipóteses, levamos em conta esse caráter ambíguo da religião, que, colocada como propriedade do tradicional, obviamente não desapareceu em nossa época, trazendo consigo os referenciais da fé, contrapostos ao culto feito à razão, principalmente no Iluminismo, e, atualmente, a reflexividade moderna. Da mesma forma, ao falar das “reações de adaptação”, Giddens menciona que a modernidade também pode gerar insegurança ou insegurança, dependendo da ênfase dada a determinados elementos que lhe são inerentes, por constituírem inovação em relação ao passado pré-moderno que nos serve de parâmetro (Idade Média, até o séc.XVII). Entretanto e apesar de admitir essa ambigüidade tanto no moderno quanto no tradicional, assinala tendências opostas:

“Especificar estes diversos contextos da confiança em culturas pré-modernas não é dizer que os cenários tradicionais eram psicologicamente aconchegantes, enquanto os modernos não são. Existem alguns aspectos bem definidos em que os níveis de insegurança ontológica são mais elevados no mundo moderno do que na maioria das circunstâncias da vida social pré-moderna (...).” (Ibid., p.107)

Por outro lado, podemos expressar:

“Deus existe? A vida tem sentido? O universo tem uma face? A morte é minha irmã?

A estas perguntas a alma religiosa só pode responder: ‘Não sei. Não sei. Mas desejo ardentemente que assim seja, e me lanço inteira, porque é mais belo o risco ao lado da esperança que a certeza ao lado de um universo frio e sem sentido...’” (ALVES: 2002)

Logo, esperamos que características tradicionais no contexto moderno de Belo Horizonte, indiquem mais reações de segurança em relação aos riscos, pela confiança que geram, ao invés de insegurança. Por isso pensamos ser o sentimento de segurança um intermediário da influência que a confiança exerce sobre o risco (esquema acima). Para mensurar o tipo de influência exercida pelo eixo modernização (entendida enquanto processo, dinâmica), de otimismo ou pessimismo, recorremos a um outro grupo de variáveis, denominado “valores otimismo”, nas hipóteses a seguir:








Modernos

1) + Valores otimistas + confiança - percepção do risco

2) – Valores otimistas - confiança + percepção do risco








Tradicionais

1) + Valores otimistas + confiança - percepção do risco

2) – Valores otimistas - confiança + percepção do risco

Os “valores otimismo” são uma aproximação do que Giddens chama “reações de adaptação”, que apresentamos aqui, resumidamente:

1) Aceitação pragmática- como muito do que acontece no mundo não pode ser controlado, o indivíduo preocupa-se com as tarefas cotidianas, planejando o que pode, consciente de que poderá obter apenas ganhos temporários. “A aceitação pragmática é compatível ou com o sentimento subjacente de pessimismo ou com a nutrição de esperança –que pode coexistir ambivalentemente com ela -.” (GIDDENS:1990, p.136-7)

2) Otimismo sustentado- persistência do culto ou fé na razão proveniente do Iluminismo, “a despeito de quaisquer ameaças de perigo atuais”. Essa perspectiva ainda possui um apelo emocional forte para os leigos e baseia-se na convicção “(...) de que o pensamento racional livre de grilhões e particularmente a ciência, oferecem fontes de segurança a longo prazo que nenhuma outra orientação pode igualar. Entretanto, certos ideais religiosos também encontram prontamente uma afinidade eletiva com o otimismo sustentado.” (Ibid., p.137)

3) Pessimismo cínico- envolve-se diretamente com os perigos de altas-conseqüências e seus respectivos de ansiedade e insegurança. O cinismo junto ao pessimismo significa uma forma de amortecer a aspereza do pessimismo como convicção de que tudo vai dar errado, aconteça o que acontecer e/ou de saudosismo em relação ao passado –uma perspectiva paralisante (atitude negativa perante o futuro)- com sua possibilidade de humor, dando a ele implicações práticas. É como pensar “já que não adianta, o que tenho a fazer é continuar vivendo nessa grande tragédia que é a vida humana...”.

4) Engajamento radical- contestação prática das fontes de perigo. “Esta é uma perspectiva otimista, mas vinculada à ação contestatória ao invés de a uma fé na análise e discussão racional. Se veículo principal é o movimento social.” (Ibid., p.138)

A inclusão de variáveis relacionadas às concepções de autoridade e mudança na vida no eixo modernidade é correspondente a concepção de Inglehart em que o Estado tradicional tem seus alicerces em um sistema de crenças que o legitima e a modernização implica redução de todos os tipos de autoridade. Em Giddens, democracia é uma forma de controle do Estado, a certeza de que ele não exercerá suas funções representativas para a sociedade civil sem a vigilância da mesma.

“Entretanto a liberdade de expressão e os movimentos democráticos, que têm suas origens na arena das operações de vigilância do estado moderno...

(...) Os Estados que se rotulam como democráticos têm sempre certos procedimentos para envolver a coletividade de cidadãos em procedimentos de governo, por mínimos que tais envolvimentos possam ser na prática. Por quê? Porque os dirigentes dos Estados modernos descobrem que o governo efetivo requer aquiescência ativa das populações de maneiras que não eram possíveis nem necessárias em estados pré-modernos.” (GIDDENS:1990, p.163 e 167)

A diferença entre uma legitimidade estável e uma que deve ser mantida e conquistada permanentemente, uma sob os auspícios da hereditariedade, do direito ou da vontade divina, a outra, sob as regras da igualdade pressuposta no jogo democrático.

Temos então teoricamente justificados neste tópico, os eixos modernização e “valores otimismo”, designando com maiores detalhes as perguntas selecionadas nos questionários, para cada um deles:

1) Modernização- V5 (o mais importante para o país- ordem política e econômica), V6 (mudança na vida- dinheiro, respeito e trabalho), V11 (modo de governar o país), R1 (crença em Deus, demônios, poder das orações, santos, bíblia, Nossa Senhora, espíritos, horóscopo) R2e (já consultou astrólogo, cartomante ou mãe de santo), R4 (religião a qual pertence).

2) Valores “otimismo”- V1 (satisfação na vida), V7 (importância de Deus na vida), V10 (orgulho de ser brasileiro), Q1 (qualidade de vida na cidade), Q2 (qualidade de vida no bairro), Q8 (pertencimento ao bairro), Q9 (presença de amigos na vizinhança).

A questão R2e merece uma observação, quanto a relação entre risco e fortuna ou destino. Para nós seria melhor (como na maioria dos casos, em que fizemos aproximações das medidas com os conceitos do autor adotado) que houvesse uma pergunta sobre crença no destino, porém, como não há, decidimos pela colocação de uma que se referisse a preocupação com o futuro e com algum tipo de determinação transcendental dos acontecimentos. Afinal, se creio que os fatos são determinados previamente, para que me preocupar em calcular os riscos que corro no decorrer de uma ação ou ao confiar em uma pessoa ou sistema perito?

“O conceito de risco substitui o de fortuna, mas isto não porque os agentes nos tempos pré-modernos não pudessem distinguir entre risco e perigo. Isto representa, pelo contrário, uma alteração na percepção da determinação e da contingência, de forma que os imperativos morais humanos, as causas naturais e o acaso passam a reinar no lugar das cosmologias religiosas. A idéia de acaso, em seus sentidos modernos, emerge ao mesmo tempo que a de risco.” (GIDDENS:1990, p.41)

Mas,

“Exatamente onde os riscos são maiores –ou em termos da probabilidade percebida de que um acontecimento indesejável vai ocorrer em ou em termos das conseqüências devastadoras que decorrem se um evento dado sair errado –a fortuna tende a voltar.” (GIDDENS:1990, p.113)

Confiança

Na busca de associações e correlações significativas entre as variáveis, este estudo preliminar seguiu o caminho das hipóteses de trás para frente. Ou melhor, começamos por analisar os cruzamentos entre confiança e as percepções do risco de vitimização.

Segundo Giddens há vários tipos de confiança, de forma que, para compreendê-las, reserva parte de seu texto a uma discussão conceitual, invocando autores como Simmel, para explicar que confiança é mais que “um cálculo de fidedignidade de prováveis eventos futuros” (GIDDENS:1990, p.34) e Luhmann, para distinguir fé e confiança, esclarecendo que a fé refere-se a mistérios divinos ou significados ocultos da natureza e que a confiança é uma noção moderna, que só pode ser entendida em sua relação, não com o risco (possibilidade de perigo criada socialmente, como conseqüência de atividades humanas), mas antes dele (anterioridade lógica), com a contingência. Segundo Luhmann, na crença o agente não possui perspectiva de frustração, na confiança, tem consciência do risco, ou seja, de que pode ser frustrado em suas expectativas. A intensidade com que valorizamos ou ignoramos o risco ou a possibilidade de desapontamento, aproxima ou afasta a confiança do conceito de crença. Isto porque Giddens concorda com Luhmann ao procurar distinguir risco e perigo, crença e confiança, mas não separa estas últimas de modo tão nítido. Para Giddens a confiança é um tipo de crença.

Conforme este autor, o conceito fundamental de confiança é:

“ (...) o elo entre fé e crença. (...) A confiança pode ser definida como crença na credibilidade de uma pessoa ou sistema, tendo em vista um dado conjunto de resultados ou eventos, em que essa crença expressa uma fé na probidade ou amor de um outro, ou na correção de princípios abstratos (conhecimento técnico).” (GIDDENS:1990, p.41)

E complementando, de acordo com Simmel:

“A confiança existe, diz Simmel, quando ‘acreditamos’ que alguém ou em algum princípio: ‘Ela exprime a sensação de que existe entre a nossa idéia de um ser e o próprio ser uma conexão e unidade definidas, uma certa consistência em nossa concepção dele, uma convicção e falta de resistência na rendição do Ego a esta concepção, que pode repousar em razões específicas, mas não é explicada por elas. A confiança, em suma, é uma forma de ‘fé’ na qual a segurança adquirida em resultados prováveis expressa mais um compromisso com algo do que apenas uma compreensão cognitiva.” (GIDDENS citando Simmel:1990, p.34-5 –grifo meu.)

Acompanhando esse raciocínio pensamos que, quanto maior a falta de informação, mais acentuado o aspecto da crença. Por conseguinte, a confiança possui duas dimensões, uma adquirida, dada pelo contato (experiência) com as pessoas ou determinado sistema perito (aviação, por exemplo) e outra prévia, dada pela crença. A primeira é gerada por uma certa previsibilidade das ações e acontecimentos, de onde extraímos o conceito do que chamamos de confiança interpessoal (nos vizinhos). A segunda, constitui uma previsão, baseada nos valores e nas crenças, não no conhecimento ou informações que se tem sobre o que ou quem é objeto de confiança, de onde extraímos o conceito de confiança nas pessoas. Então Confiança é o elo entre crença e credibilidade, previsão e previsibilidade e a condição principal para que seja estabelecida é a “falta de informação plena”, uma ausência no tempo e no espaço constituída pelo não visível, pelo desconhecido ou imprevisível. Diferenciamos confiança interpessoal como aquela que dá ênfase à dimensão adquirida e as confianças A e B como aquelas que dão ênfase a dimensão prévia por serem mais gerais, referindo-se tanto a conhecidos quanto a desconhecidos (maior falta de informação).

Realizamos aqui, para o conceito de confiança um percurso que veio de Simmel, Luhmann e Giddens, até o presente artigo, dizendo que o cálculo, parecido com o “conhecimento indutivo fraco”, que Giddens descarta de seu conceito de confiança, também faz parte do mesmo, entendido como previsibilidade comportamental, principalmente quando pensamos em capital social. Uma ressalva deve ser feita quanto a sutileza desse descarte, pois Giddens o faz quando se refere a certas expressões do senso comum que não fazem parte das “relações sociais que incorporam confiança”. Talvez a situação exigisse mais exemplos para ser melhor ilustrada. Houve dúvida quanto a melhor maneira de interpretar esse trecho (sobre o que o autor entende por “conhecimento indutivo fraco”), em relação às demais afirmações sobre o assunto. Mesmo assim arrisco um palpite: Se Carla passar perto de uma sorveteria certamente irá parar, ela adora sorvetes. Marcos vai esquecer o guarda chuva, ele sempre faz isso. Se não tiver salada ele vai pedir batatas fritas... Essas situações não envolvem crença ou crédito porque não envolvem reciprocidade na relação entre duas ou mais pessoas (comportamento em relação ao outro), portanto, não são relações de confiança, embora baseadas no conhecimento sobre a personalidade das pessoas envolvidas. Ademais, constatamos a similaridade entre os significados da denominação “conhecimento indutivo fraco” de Giddens e da expressão “apenas uma compreensão cognitiva” de Simmel.

“Alguém que diz ‘Confio que você esteja bem’, normalmente quer dizer algo mais com esta fórmula de polidez do que ‘Espero que você esteja com boa saúde’ –embora, mesmo aqui, ‘confio’ tenha uma conotação algo mais forte que ‘espero’, implicando algo mais próximo a ‘Espero não ter motivos para duvidar’. A atitude de crença ou crédito que entra em confiança em alguns contextos mais significativos já se encontra aqui. Quando alguém diz: ‘confio em que X se comportará desta maneira’, esta implicação é mais evidente, embora não muito além do nível do ‘conhecimento indutivo fraco’. É reconhecido que se conta com X para produzir o comportamento em questão, dadas as circunstâncias apropriadas.” (GIDDENS:1990, p.37 –grifo meu.)

Não podemos esquecer que, traço comum entre as nossas variáveis e os tipos de confiança nas pessoas que expressam é, fundamentalmente: “Toda confiança é num certo sentido confiança cega!” (GIDDENS:1990, p.41)

Para que seja explícita a ligação entre confiança, risco e percepção do risco, vamos discutir adiante sobre a noção de risco, para que possamos precisar melhor o lugar do cálculo reflexivo nestes conceitos.

Perguntas:

1) V2A- podemos confiar na maioria das pessoas; cuidado nunca é demais.

2) V2B- podemos confiar na maioria das pessoas; podemos confiar em poucas pessoas.

3) Q12a- confiança nos vizinhos.

V2A e V2B são chamadas de confiança nas pessoas. Quando tratarmos da metodologia e dos resultados, discutiremos as implicações dessas questões.

1) Confiança nas pessoas - generalizada, refere-se a conhecidos e desconhecidos, na qual supomos, pela maior ausência de informação que possui, mais fortemente baseada em crenças e valores, não no conhecimento que se tem sobre quem é objeto de confiança (presumida).

2) Confiança nos vizinhos - também se refere a pessoas conhecidas ou desconhecidas, porém é mais precisa que as demais, pessoas do local de moradia sobre as quais se pode ter, além de crença na credibilidade, certo grau de previsibilidade comportamental, adquirida pelo contato e experiência.

Risco

O risco é o cálculo dos perigos que podemos correr em determinadas situações, ameaçando a realização dos resultados desejados. Enquanto em contextos pré-modernos predomina o perigo das ameaças físicas e naturais, boa parte dos perigos na modernidade são riscos humanamente criados. E conforme Giddens, o que liga o risco à confiança é a minimização que esta exerce sobre aquele no que diz respeito a tipos específicos de atividades nas quais nos sujeitamos a perigos, na categoria de riscos aceitáveis. Posso decidir passar pelas rua X ao sair, em vez da rua Y, porque fui informada de que na Y, houve dez assaltos, enquanto que na rua X, apenas dois. O risco que correrei ao andar por X, em comparação com a rua Y, é aceitável. Esse é um cálculo bastante objetivo do risco, presente em larga escala em instituições modernas.

“Há certas circunstâncias nas quais os padrões de risco são institucionalizados, no interior de estruturas abrangentes de confiança (investimentos no mercado de ações, esportes fisicamente perigosos). Aqui a destreza e o acaso são fatores de limitação sobre o risco, mas normalmente o risco é conscientemente calculado.” (GIDDENS:1990, p.42)

Mencionando desde já as variáveis o banco PRMBH, uma das conexões entre confiança e risco é o fato de que, apesar de constituir um cálculo, a percepção do risco é um cálculo subjetivo (diferente do risco objetivo, efetuado com base em probabilidades matemáticas, estatísticas de eventos), uma tentativa que se faz para controlar uma situação de incerteza. Além do mais, a falta de informação é o limite da confiança e é esse limite que a percepção do risco pretende ultrapassar, onde a confiança estaciona, a percepção do risco avança e começa a fazer suas conjecturas, entretanto, sem abandonar as bases sobre as quais se estabelecem a confiança. Neste caso, a percepção (vivência) do risco também se refere a pessoas (que podem ser agentes dos crimes de roubo ou agressão) conhecidas ou desconhecidas. Enquanto na confiança o risco está subsumido, sendo supostamente eliminado pela crença, na percepção do risco é pressuposto, admitido (o que os une e diferencia é, o significado e a postura diante do risco).

O risco não é sempre consciente, podemos assumir ações arriscadas sobre as quais desconhecemos qualquer ameaça, nem é apenas uma questão individual em cursos alternativos de ação. Este é o ponto em que Giddens fala a respeito dos ambientes de risco e confiança (que discutirei mais tarde, ao falar sobre o local). A confiança é uma espécie de garantia de que o risco a que estarei exposta será o menor possível. E é sobre o equilíbrio entre risco e confiança que se estabelece a segurança.

Perguntas:

1) C4a- percepção do risco de roubo local (na vizinhança ou bairro);

2) C4b- percepção do risco de roubo não local (em outros locais da cidade);

3) C4c- percepção do risco de agressão local (na vizinhança ou bairro);

4) C4d- percepção do risco de agressão não local (em outros locais da cidade).

Cabe ressaltar a diferença entre risco objetivo e percepção do risco, esta é um cálculo subjetivo, aquele, é um cálculo baseado em probabilidades e estatísticas de eventos.

Segurança

“Pode-se definir ‘segurança’ como uma situação na qual um conjunto específico de perigos está neutralizado ou minimizado. A experiência de segurança baseia-se geralmente num equilíbrio de confiança e risco aceitável. Tanto em seu sentido fatual quanto em seu sentido experimental, a segurança pode se referir a grandes agregações ou coletividades de pessoas –até incluir a segurança global- ou de indivíduos.” (GIDDENS:1990, p.43)

Giddens relaciona o conceito de segurança com os de risco e confiança. Segurança a princípio, é um sentimento ou sensação gerada pela confiança. Quem confia acredita que não acontecerá nada que prejudique sua vida e/ou interesses, e, mais que isso, que algo de bom pode (ou com mais força, vai) acontecer –daí sua relação com o otimismo, e seu oposto (pessimismo)-. Diferente do otimismo, a segurança ontológica é um dos produtos da confiança cuja constante presença das coisas “como elas são” é o que realmente importa e a idéia de que continuem como são predomina sobre a de como serão ou se mudarão. É o que o autor enuncia, ao relacionar este conceito com o de confiança:

“A expressão se refere à crença que a maioria dos seres humanos têm na continuidade de sua auto-identidade e na constância dos ambientes de ação social e material circundantes. Uma sensação da fidedignidade de pessoas e coisas, tão central à noção de confiança, é básica nos sentimentos de segurança ontológica; daí os dois serem relacionados psicologicamente de forma íntima.” (GIDDENS:1990, p.95)

A importância da noção no contexto deste trabalho encontra-se em sua relação com a estrutura da personalidade* ; com a demonstração de que ausência de confiança não é apenas desconfiança, pode ser uma perda de segurança ontológica; sua ligação com a rotina e sua previsibilidade; é o resultado e o fundamento de várias atitudes perante a vida, (dentre elas aquelas nos interessam otimismo/pessimismo...), a “praça central” diante da qual param todos os carros de confiança, risco, perigo e reflexividade, em resumo, é a síntese emocional dessas variáveis, sendo seu significado ligado a reação negativa à quebra de uma ordem, resistindo a mudança como forma de manter-se intacta. É uma necessidade psicológica, uma sensação gerada socialmente que pode confirmar ou contestar o caráter desestabilizador da modernidade no que diz respeito às certezas tão caras ao sentimento de segurança. Cabe no entanto, diferenciar a insegurança em relação às próprias atitudes da insegurança em relação aos outros e aos acontecimentos no mundo ou em outro lugar qualquer dentro dele. Esta última é a que os interessa.

Em um dos cursos de antropologia das sociedades modernas, ministrado pela profª. Ana Lúcia Modesto, assisti ao filme Hannah e suas irmãs. Destaco o personagem de Woody Allen a título de ilustração do conceito. A religião não foi para ele um fator minimizador do risco de morrer e desaparecer para sempre. Um médico diagnosticou que estava com câncer no cérebro e ele passou um ano literalmente perdido. Era de origem judaica mas não pertencia ao judaísmo, tentou ser católico, não conseguiu. Abandonou o emprego e vagava a esmo pelas ruas de Nova Iorque. Comprou um crucifixo, uma imagem de Nossa Senhora e depois fez compras num supermercado. Chegando em casa, colocou tudo sobre uma mesinha. O vidro de maionese em cima da imagem da santa. A religião não é o mais importante, ou talvez tão importante quanto o alimento (a maionese): é uma coisa que preciso consumir para achar que estar aqui possui um sentido... É provável que ele não tenha pensado nisso. O fato é que ficou se perguntando durante esse ano se Deus de fato existia, se ele tinha uma alma que sobreviveria ao túmulo e caso não houvesse nada disso, porque ele se angustiava tanto, o que fazia com que tudo existisse e para quê tanto movimento, tanta vida, para simplesmente acabar um dia. Tentou suicídio, decidiu não se importar (“Ah! Se Deus existe vou ficar sabendo, senão, melhor aproveitar enquanto estou aqui, afinal, não é tão ruim assim” –viver.), depois, descobriu que o diagnóstico era falso. Ele viveu um ano de insegurança ontológica, ou, como dizemos no senso comum, “perda de referenciais”.

Ao contrário dele, sua ex-esposa, casada com outro, viveu perfeitamente tranqüila enquanto o marido e a irmã mantinham um relacionamento clandestino. Ela confiava nos dois, eles terminaram, sua irmã arranjou um namorado e o filme terminou sem que Hanna sequer suspeitasse dessa “história paralela”.

A lição começa por dizer-nos que podemos correr um risco sem que saibamos e não encerra, mas acrescenta, que por trás de um sistema perito, ou representando-o (como o médico), estão pessoas, logo, seres humanos e falíveis. Mesmo o conhecimento não é suficiente garantia de segurança ou de que tudo vai bem. Não deixamos de fumar até que saibamos que os componentes do cigarro são prejudiciais a saúde (e mesmo sabendo, não significa que vamos deixar de fazê-lo...).

A partir dessas considerações, definimos sentimento de segurança: pergunta feita no início do módulo polícia e criminalidade que se refere ao local, e portanto, indiretamente ao cotidiano, perguntando sobre a presença ou ausência do componente emocional que resulta do risco minimizado pela confiança. Não se restringe a qualquer tipo de crime, o que permite ser abordada de modo mais generalizado, sem remeter somente a eventos, mas a crenças que interpretam eventos.

Perguntas:

1) C1- sentimento de segurança ao andar de dia;

2) C2- sentimento de segurança ao andar à noite.

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Metodologia

Este artigo aborda a percepção do risco de vitimização na região metropolitana de Belo Horizonte sob a perspectiva de valores e crenças com tendências modernas ou tradicionais. Para tanto, utilizamos a regressão logística multivariada, adequado para variável dependente categórica. A seguir construímos um modelo para análise de trajetórias, concluindo o teste das hipóteses aqui descritas.

Dados

Empreendemos uma análise secundária com base nos dados da Pesquisa por amostragem probabilística da região metropolitana de Belo Horizonte. Um survey realizado no ano 2002 na cidade e em trinta e dois municípios próximos, com o total de 1029 respondentes maiores de 18 anos de idade. O tema de pesquisa foi escolhido e elaborado para a exploração específica deste banco de dados. Sua adequação se deve ao fato de conter várias perguntas, feitas aos entrevistados, cuja validade refere-se a diversas teorias, como a de desorganização social e oportunidades para o crime, contudo, permitem, reunidas, uma mensuração aproximada dos conceitos de Giddens. O “BH Area Survey”(como é chamada, sinteticamente)

Este artigo não apresentará os resultados finais da pesquisa porque o trabalho encontra-se em andamento. Contudo, após a seleção das variáveis e elaboração do modelo de hipóteses, procedemos a recodificação (transformação) das variáveis, fazendo o possível para transformá-las todas em binárias e dummy (0,1 –termos de presença ausência).

Após esse processo de elaboração dos dados necessários no banco da PRMBH, procedemos às freqüências, cruzamentos (associações) e correlações simples. Temos até o momento cruzamentos e correlações entre as medidas de confiança e as percepções do risco; entre o “valores otimismo” e as percepções do risco, algumas entre modernização e “valores otimismo” e entre as variáveis deste último, fizemos as correlações.

No que diz respeito às medidas de confiança, fizemos uma correlação entre elas para verificar a existência de covariância, garantindo que estão relacionadas mas não ao ponto de terem o mesmo significado ou interpretação. Em confiança nas pessoas, no módulo valores, a divisão da variável em duas perguntas consistiu num teste realizado devido a desconfiança dos pesquisadores diante da alta freqüência (97%)apresentada em trabalho anterior (INGLEHART:1997–da qual o módulo constituiu uma replicação), para a alternativa “cuidado nunca é demais”. O resultado foi atribuído a um problema de tradução decorrente de pequena diferença cultural: essa frase é um ditado popular no Brasil. Daí o fato de que as pessoas possam ter respondido de forma irrefletida a pergunta.

A pergunta V2a foi feita a uma parte da amostra (523 pessoas) e a V2b a outra (494 pessoas). Isso nos obrigou à criação de dois bancos de dados, para que ambas pudessem ser analisadas junto às questões que foram perguntadas ao conjunto total da amostra (1019 pessoas).

Nossas variáveis independentes são: modernização, “valores otimismo”, confianças, sentimento de segurança. E as dependentes são as percepções do risco de vitimização de roubo e agressão local e não local.

Resumindo e acrescentando algumas conclusões

Os cruzamentos entre as variáveis de desconfiança nas pessoas com as percepções do risco não possuem associações nem explicam a percepção do risco de vitimização. Em contraposição temos a variável desconfiança nos vizinhos com resultados significativos para percepção do risco de roubo local e não local. Surge então a questão do local. Giddens trata desta com o conceito de desencaixe, no qual enuncia o caráter globalizante da modernidade, interligando relações com e sem rosto ao estabelecer interdependências sociais de longa distância. Esta abordagem ficará determinada como um dos pontos de partida para a continuidade do trabalho.

“A estrutura conceitual do distanciamento tempo-espaço dirige nossa atenção às complexas relações entre envolvimentos locais (circunstâncias de co-presença) e interação através de distância (as conexões de presença ausência).” (GIDDENS: 1990, p.69)

Entretanto, discorda que o desencaixe tenha provocado corrosão dos vínculos locais, pelo contrário, pesquisas comprovam justamente o contrário. Esses vínculos foram reelaborados no contexto urbano.

“É simplesmente uma inverdade que em condições de modernidade vivemos cada vez mais num ‘mundo de estranhos’. (...) Trata-se de algo muito mais complexo e sutil. Os contatos dia-a-dia com os outros em cenários pré-modernos eram normalmente baseados numa familiaridade que derivava em parte da natureza do lugar. Entretanto, contatos com outros familiares, é provável, raramente facilitavam o nível de intimidade que associamos às relações pessoais e sexuais hoje em dia. A ‘transformação da intimidade’ da qual tenho falado é contingente do próprio distanciamento trazido pelos mecanismos de desencaixe, combinado com a alteração dos ambientes de confiança que eles pressupõem.” (Ibid., p.143)

É interessante notar que, se as variáveis de desconfiança nas pessoas do módulo valores, não possuem influência direta nas percepções de risco, outras variáveis do módulo, incluídas no eixo “valores otimismo” possuem. Entretanto, a variável V7, importância de Deus (intervalar de 1 a 10 transformada em categórica: 0.pequena, 1.grande), apresenta correlações baixas em relação às demais, contudo negativas (quanto maior percepção do risco, menor importância de Deus, direção esperada).

Sobre a diferença entre desconfiança nas pessoas A e B no sentimento de insegurança durante o dia ainda não temos uma explicação, mas supomos que ela seja cultural. “Cuidado nunca é demais” pode ser interpretada como confiar desconfiando, mesmo naqueles que fazem parte do nosso círculo íntimo (independente de serem parentes ou não). “Podemos confiar em poucas pessoas”, designa apenas aqueles que fazem parte desse círculo íntimo, sem que haja referência a intensidade da confiança depositada. Mas, por enquanto, são apenas especulações.

Agradecimentos

Agradeço a minha orientadora Corinne Davis Rodrigues, pelo apoio constante, zelando sempre para que eu pudesse realizar um bom trabalho, guiando, corrigindo-me e sugerindo caminhos. Agradeço também ao meu coordenador, Bruno Pinheiro Wanderley Reis, pelo cuidado, simpatia, compreensão e conselhos sempre úteis e pertinentes e também aos meus companheiros e companheiras de bolsa, pela presença e disposição de auxílio mútuo.

Bibliografia

ALVES, Rubem. O que é religião. 4ªEd. Loyola: São Paulo, 2002.

BEATO, Cláudio C.; RODRIGUES, Corinne D.; PEIXOTO, Betânia T. Medo e espaço urbano: uma análise da percepção do risco de vitimização local e não local. CRISP: paper apresentado no Seminário Internacional do Social Hubble Consortium, FaFich, UFMG, maio de 2003.

ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Trad. Ruy Jungmann. Jorge Zahar: Rio de Janeiro, 1993, vol.2.

GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. Trad. Raul Fiker. UNESP: São Paulo, 1991.

INGLEHART, Ronald. Modernization and Postmodernization, cultural, economic and political change in 43 societies. Princeton University: New Jersey, 1997.



* Graduada em ciências sociais na Universidade Federal de Minas Gerais. Trabalho realizado como bolsista do Programa de aprimoramento discente em metodologia quantitativa. Enfoque concentrado no módulo Percepções sobre a polícia e a criminalidade, sob coordenação e orientação da profª. Dr.ª Corinne Davis Rodrigues.

*Estrutura da personalidade-conceito de Norbert Elias que designa a formação da personalidade individual como variação das características vigentes em uma sociedade e em determinado momento, usado freqüentemente para designar o habitus nacional alemão ou para criticar a separação entre psicologia e psicologia social. É, uma das junções que este autor faz entre indivíduo e sociedade.

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