domingo, 5 de outubro de 2008

Espiritismo Kardecista e Cultura Política

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de mestre em Ciência Política.
Orientadora: prof.ª Ana Maria Doimo.
Dissertação defendida em: 28 de agosto de 2008

Banca examinadora: Alexandre Antônio Cardoso, Bruno Pinheiro Wanderley Reis, Ana Maria Doimo


RESUMO

No primeiro capítulo tratamos das raízes doutrinárias do espiritismo kardecista no século XIX. Verificamos fortes identificações do Espiritismo como os princípios iluministas e liberais europeus, especialmente da França nos enunciados de Jean Jacques Rousseau, Montesquieu, Alexis de Tocqueville e do inglês John Stuart Mill. Constatação importante, na medida em que sua manifestação brasileira entre os séculos XIX e XX encontra entraves seja durante o Império, seja após a proclamação da república, tanto da Igreja Católica em particular, quanto dos antiliberais de um modo em geral. No segundo capítulo trataremos de mapear os momentos de tensão entre segmentação e união no campo espírita, seu relacionamento com a hegemonia católica, e, finalmente, o surgimento de novas matrizes a partir do declínio dessa hegemonia. No terceiro capítulo faremos uma incursão no universo associativo espírita, sua organização interna não-sacerdotal e baseada em formas de representação, voto, e discussão, enfim na adesão de regras democráticas de condução dos processos decisórios. No capítulo quatro aprofundaremos na matriz do Terceiro Setor e da cidadania. Veremos também o que essa organização tem a ver com o Novo Associativismo que surge no Brasil após a redemocratização na década de 1980. Aprofundaremos a análise de sua modernização e crescente identificação com o Terceiro Setor, bem como de que modo se dá a apropriação do termo “cidadania” a sua linguagem. E por fim, na conclusão, veremos no que a elaboração política original do kardecismo se coaduna com a face pública do campo espírita atual, bem como sua contribuição para a democratização social.

Palavras-chave: kardecismo, democracia, liberalismo, campo, identidade, cidadania, terceiro setor.

CONCLUSÃO

Existem afinidades entre o Espiritismo e a Política. O Espiritismo Kardecista é uma religião que valoriza conhecimento (Doimo, 2004), é favorável ao atendimento de uma das condições de Dahl para a democracia: o entendimento esclarecido –oportunidade dos membros de aprender e informar-se sobre políticas alternativas e suas prováveis conseqüências (2001: 50). Talvez por isso seja uma religião que se destaca pela escolaridade de seus fiéis. O conhecimento da doutrina, é provavelmente um dos principais motivadores para o engajamento em ações caritativas ou beneficentes.

O primeiro capítulo resultou da hipótese de que o espiritismo kardecista foi dotado de uma formatação liberal-democrática desde seus primórdios. O segundo capítulo tinha por hipótese de que a influência dessa origem liberal, embora ofuscada pela hegemonia católica, permaneceu no modo como esta religião se institucionalizou no Brasil. Além disso, baseamo-nos nessa trajetória de oscilações entre fragmentação e unidade, entre vertentes e interpretações, para afirmar que o campo espírita de origem européia é bastante propício a inovações por não se achar preso a uma hierarquia autoritária, por ter se organizado de modo descentralizado e por não considerar ciência e religião como opostos incompatíveis. O que confirmou essa hipótese foi justamente o encontro na bibliografia pertinente de novas vertentes constituídas por pessoas que abandonaram o campokardecista tradicional e a evidência de que no interior do próprio campo surgiam reflexões inovadoras em relação à assistência social. No terceiro capítulo procuramos testar concretamente a hipótese de que o campo espírita é capaz de formar pessoas numa cultura política democrática, tendo por ponto de partida a afinidade de Allan Kardec com clássicos iluministas. Adicionamos então mais evidências do potencial deste campo religioso para a democratização social, dimensão importante para o aprofundamento da democracia. A Doutrina Espírita e os fiéis espíritas valorizam a democracia, a liberdade e a igualdade, as associações espíritas são escolas de democracia. Junto às evidências bibliográficas surgiram outras, empíricas, demonstrando a adesão do espiritismo kardecista à nova abordagem do associativismo: o Terceiro Setor. O Terceiro Setor é uma linguagem liberal da participação via ONG’s, pautada no empreendedorismo, na promoção da cidadania através dos direitos sociais e da autonomia humana, procurando transformar os “assistidos” em agentes multiplicadores ou “assistentes”. Por isso no quarto capítulo exploramos no que consiste essa tendência de “onguização” do campo espírita kardecista na matriz do Terceiro Setor e da Cidadania. Notamos que é uma tendência ainda em processo de elaboração, mas que se revela principalmente por uma nova postura diante da caridade. Vemos afinal que o maior potencial do espírito agora, tal qual Kardec ensinou, é usar a liberdade para conquistar felicidade para si e para os outros, tanto na Terra, quanto no céu. E que esta felicidade conquistada por meios democráticos, consiste no velho ideal de muitas ideologias políticas: a busca de um mundo melhor.


COMENTÁRIO: O campo espírita kardecista ao aderir a categoria do "terceiro setor", passa a apoiar, consciente ou inconscientemente duas faces: a neoliberal que, ao defender o Estado mínimo provoca a erosão dos direitos sociais e humanos e, consequentemente também dos direitos civis e políticos -a qual se opõem movimentos sociais de esquerda; e outra face, a face da cidadania ativa, da responsabilidade partilhada entre Estado e Sociedade na solução dos problemas político-sociais (02/03/2009).


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