sexta-feira, 13 de julho de 2007

Prefácio for Sílvia

Este texto não tem a pretensão de acrescentar algo novo ao pensamento científico e filosófico, sobre esta monografia, ou ao seu conteúdo específico. O objetivo aqui é empreender uma reflexão de cunho sociológico sobre o significado da ética e da moral.

Segundo o minidicionário Silveira Bueno ética é “parte da filosofia que estuda os deveres do homem para com Deus e a sociedade; deontologia; ciência da moral” e ético “adjetivo relativo aos costumes”. Por sua vez, moral é “parte da filosofia que trata dos costumes ou dos deveres do homem; conclusão moral que se tira de uma obra, de um fato, etc.; s.m, conjunto de nossas faculdades morais; o que há de moralidade em qualquer coisa; adj. Relativo aos bons costumes; relativo ao domínio espiritual (em oposição a físico ou material).”1

Evitemos confundir moral e costumes. Não tenho ao alcance um dicionário de sociologia, contudo vamos ao recurso do exemplo: o direito de primogenitura, que estipula a transmissão da herança ao filho mais velho, a escarradeira na sala de visitas, como objeto de uso e decoração, comer frango com as mãos, dividir a sociedade em nobres e plebeus, usar o teste de DNA para comprovar a paternidade de uma criança, dar a mão após um mês, beijar só depois de dois meses de namoro. Nem tampouco atribuir a moral o que é um valor:

“Os valores são(...)representações mentais, representações do que é bom, desejável, ideal, de como as coisas deveriam ser ou procurar ser; são preferências, inclinações, disposições para um estado considerado desejável.

São nossos valores, mais que nossos conhecimentos, que fazem de nós o que somos. Pois nossos conhecimentos quer sejam fatuais, conceituais ou teóricos, ganham seu sentido através de nossos valores(...).”2

[1]

Entretanto, valores e costumes estão intimamente ligados até a indistinção. Um valor pode ser moral, valores têm conseqüências morais e costumes são investimentos emocionais que marcam identidades pessoais e grupais a ponto de causar humilhação, um sofrimento moral, caso sejam violados. O valor pode ser a obtenção de bens independente de meios e um costume, como a pena de morte ou o suicídio em nome da honra, pode ser contrário a moral. Entretanto, em uma sociedade x, é imoral manter o autor de determinado crime vivo e em sociedade y, covardia é não matar-se após sofrer uma derrota. Valores mudam, costumes igualmente. Logo, no campo da moral é possível distinguir o que há de eterno e relativo?

Como religiosa diria que os Dez Mandamentos são base de toda moralidade e que, na medida que progredimos, amplia-se nosso senso moral, ou seja, as noções que temos de certo e errado, de bem e mal, e que aumenta, paralelamente, nossa liberdade e responsabilidade. Notem, nosso conhecimento é instável, não o que há para conhecer. As leis de Deus são imutáveis e perfeitas. As ações equivocadas partem do propósito em burlar a lei ou da ignorância em relação a ela. Como cientista social, este é o pretexto para um estudo comparativo cuja hipótese é a existência de princípios de conduta comuns a todas as culturas, o que seria bastante ousado da parte de qualquer pesquisador. Para não matar a questão nesta impossibilidade, antropologia. Geertz em seu texto “A transição para a humanidade” demonstra que a condição humana foi alcançada gradativamente, sem que houvesse um salto, um ponto crítico, no qual o tamanho do cérebro finalmente permitiu a criação da cultura e da vida social. Está em jogo a propriedade do pensamento, a ferramenta evolutiva de adaptação a tornar o animal fisicamente mais frágil, no praticamente mais forte. O pensamento é um ciclo aberto com capacidade de autocriação, pode ser fechado em si mesmo, mas esta não é a condição de sua existência, tanto quanto não é da história humana. A cultura não é apenas uma forma de adaptação ao meio, determinismo geográfico, senão haveria sempre a mesma cultura no mesmo ambiente, não haveria esquimós e lapões.

Este é o nó, a convergência das aflições. A moral não precisa da atividade intelectual para ser relativizada, já é relativa na sociedade. O cuidado a ser tomado é com a pulverização da noção de cultura, através da individualização do conceito de diversidade. Em alguns escritos de educação encontramos a barreira de classe na escola reduzindo a reprodução da herança recebida dos pais a ponto de não sabermos o que é devido a diferenças de personalidade, caráter individual e o que é devido à desigualdade de origem social, caráter estrutural. Estudos de trajetória escolar tratam das exceções, daqueles que se sobressaem apesar das dificuldades decorrentes da origem social. Afinal, qual a afinidade social e sociológica entre estas pessoas além de sua localização desfavorável e de sua crença no mérito e no esforço próprio, na democracia social para vencer?

A linguagem é um bom instrumento para transitar do individual ao social, sem cair no estruturalismo das marionetes ou no individualismo ingênuo, da liberdade total. Entretanto, melhor (e ligado a ela) que a lingüística no momento, será o conceito de representações coletivas de Mauss e Durkheim. Seu argumento é de que as categorias do entendimento, deduzir, induzir, definir não se devem somente a psicologia individual, são resultado de gênese social, pelo desenvolvimento da função classificadora. Esta consiste em agrupar animais, plantas, pessoas e circunstâncias em conjuntos ordenados por coordenação e subordinação, estabelecendo hierarquias do maior para o menor elemento, demarcando linhas, fronteiras nítidas por afinidade e oposição. A partir das formas primitivas de classificação encontradas em povos australianos demonstram como, apesar das peculiaridades de cada um, todos elaboraram classificações em torno dos totens pertencentes às metades tribais (fratrias) e seus respectivos clãs. A indistinção e as relações de parentesco e localização entre coisas, circunstâncias e pessoas revelaram o sociocentrismo, as relações sociais servindo de base às relações lógicas das coisas.

“A sociedade não foi simplesmente um modelo segundo o qual o pensamento classificador teria trabalhado; foram seus próprios quadros que serviram de quadros ao sistema. As primeiras categorias lógicas foram categorias sociais; as primeiras classes de coisas foram classes de homens nas quais tais classes foram integradas. Foi porque os homens estavam agrupados e viam-se em pensamento em forma de grupos que agruparam idealmente os outros seres, e as duas maneiras de agrupamento começaram a confundir-se a ponto de se tornar indistintas.”3

[2]

Mais que isso, as classificações analisadas abarcavam o universo, tomando proporções cosmológicas, dividindo as coisas em sagradas e profanas, favoráveis ou desfavoráveis, puras ou impuras, reunidas em um todo, pelo sentimento, obra afetiva. Embora distantes em seus fundamentos, tais classificações são análogas às classificações científicas e ambas destinadas a unificar o conhecimento, a tornar inteligíveis relações entre os seres. Contudo, seu conteúdo emocional é especialmente religioso, e o valor afetivo atribuído às idéias interfere decisivamente nos critérios de aproximação ou afastamento. A citação que farei sintetiza o problema central, posto que tomamos a moral, ou a moralidade, por sistema de classificação dos acontecimentos, das ações, dos sentimentos, coisas e pessoas nos eixos de bem x mal, certo x errado:

“Ora, a emoção é naturalmente refratária à análise ou, ao menos, dificilmente se presta a isto, porque é demasiado complexa. Sobretudo quando é de origem coletiva, desafia o exame crítico e lógico. A pressão exercida pelo grupo social sobre cada um de seus membros não permite que os indivíduos julguem livremente as noções que a própria sociedade elaborou e onde ela pôs alguma coisa de sua personalidade. Por isso, a história da classificação científica é, em última análise, a própria história das etapas no decurso das quais este elemento de afetividade social se enfraqueceu progressivamente, deixando sempre mais o lugar livre ao pensamento refletido dos indivíduos. Mas falta muito para que estas influências longínquas que acabamos de estudar tenham cessado de se fazer sentir em nossos dias.”4

[3]

Se as causas de um costume mudam, ou ele é extinto ou sofre alterações. Partir do pressuposto da moral relativa no tempo, no espaço, nas culturas, não significa subtrair sua autoridade. Não teríamos saído do lugar se não houvesse consenso. Sem consenso não há ação coletiva, social ou política. A unanimidade é burra, mas o consenso é necessário. Há uma distância considerável em aplicar a relatividade no esforço de respeito e convívio pacífico das diferenças e uma justificativa analítica de defesa da opinião própria como verdade integrante da essência do eu, direito individual inabalável, portanto inflexível. Nas emoções religiosas encontramos não só a ponte que põe em comunicação dois textos, mas também o componente moral, o aspecto normativo constituinte da própria sociedade, conforme Durkheim. Este afirma que as origens da religião confundem-se com a origem da sociedade.

“Não existe religião que não seja uma cosmologia ao mesmo tempo em que uma especulação sobre o divino. Se a filosofia e as ciências nasceram da religião, é que a própria religião começou por ocupar o lugar das ciências e da filosofia. Mas o que foi menos notado é que ela não se limitou a enriquecer com um certo número de idéias um espírito humano previamente formado; ela contribuiu também para formá-lo. Os homens não lhe deveram apenas uma notável parcela da matéria de seus conhecimentos, mas também a forma segundo a qual esses conhecimentos são elaborados.

Existe na base de nossos julgamentos, um certo número de noções essenciais que dominam toda a nossa vida intelectual; são aquelas que os filósofos desde Aristóteles, chamam de categorias do entendimento: noções de tempo, de espaço, de gênero, número, causa, substância, personalidade, etc. ...Elas são como quadros rígidos que encerram o pensamento: este parece não poder libertar-se delas sem se destruir... São como a ossatura da inteligência.”5

[4]

Onde há sociedade, há religião, onde há religião, há moral, mas nem tudo que é moral ou envolve moralidade, é religioso. Maquiavel ilustra isso no campo da política, Hobbes no campo do direito, Sílvia Maria no campo profissional (e a ética é um ramo da filosofia). Maquiavel, em seu livro “O Príncipe”, nos ensina a lógica do mal menor ou do menos mal. Não a lógica do bem. É melhor ser amado e respeitado, mas se não puder, seja temido. É melhor ser virtuoso, mas se não puder, aparente virtude. Se um grupo de pessoas ameaça o seu poder e a segurança da população do principado, melhor a morte de poucos, que a morte de muitos. Hobbes com o contrato social demonstra que ao Estado foi concedida, em termos weberianos, “o monopólio do uso da força física”. Seriados americanos abordam com freqüência e abundância estes assuntos nesta zona liminar de sacrifício e exaltação simultânea da lei. Quebrar uma janela, invadir um domicílio, libertar uma refém, grampear um telefone, gravar uma conversa, matar soldados inimigos, fingir ser outra pessoa, violar códigos de entrada e saída, explodir um navio cheio de gente contaminada por uma doença fatal e incurável... Bater em um homem indefeso e amalucado porque cometeu um crime e você é um policial indignado.

À parte o evolucionismo de Mauss e Durkheim, bem como o protesto fervoroso contra a corrupção, está claro, nem sempre é possível optar claramente entre céu e inferno.

O filme GATTACA serve de base para ilustrar esta discussão. Nele, um casal decide gerar seu primeiro filho através de um método pouco convencional: o sexo. Enquanto o normal para a época é encomendar o bebê em um laboratório, no qual são escolhidas as melhores características genéticas do casal para geração da criança e detalhes como cor dos olhos, da pele, textura e cor do cabelo. O menino mal acabou de sair do útero e deram uma probabilidade de 90% para doença cardíaca e outras estatísticas mórbidas, além de uma expectativa de vida de não mais que 30 anos. Ele fazia parte de uma classe de párias sociais aos quais eram reservadas funções consideradas inferiores no mundo do trabalho. E sempre perdia para o irmão mais novo, produzido em laboratório, quando nadavam no mar. Vincent sonhava com as estrelas e sentia-se um estranho na própria casa e com aqueles que deveriam ser sua família. Fazia parte de uma forma de exclusão social gerenciada pelo critério biológico.

Após abandonar os parentes trabalhou como faxineiro (limpou metade dos banheiros do estado...). Encaminhado ao centro de pesquisas espaciais, sentiu que nunca esteve tão perto e simultaneamente tão distante de seu sonho como naquele momento. Os testes de DNA tornaram-se integrantes do currículo nas entrevistas de admissão, embora a lei condenasse a discriminação entre os “filhos da fé” e os cientificamente elaborados. Até que Vincent recebeu uma proposta, corriqueira numa espécie de mercado negro: assumir a identidade de Jerome, um homem de patrimônio genético invejável, praticamente perfeito, no entanto, paralítico. Feito para ser o primeiro ganhou medalha de prata, não suportava a própria vida. Assim Vincent obteve um cargo na estação espacial. Utilizando o sangue, a urina e os resíduos corporais de Jerome nos exames feitos constantemente nos funcionários, na tentativa de evitar fraudes.

Ora, Vincent fez uma coisa duplamente feia: falsidade ideológica em busca da satisfação dos próprios interesses. E o que era mais terrível então, isto ou a eugenia daquela sociedade que, tendo escolha sobre a constituição genética humana, condenava as pessoas a partir de probabilidades (não certezas)? Ele representava todos os sonhos proibidos de seus semelhantes. Como mudar, alcançar uma verdade sem anular a outra? E de que forma distinguir o momento no qual uma verdade maior suplanta e faz com que outra se torne menor sem cair em cinismo, desculpismo ou na transgressão pura e simples?

Fernanda Flávia Martins Ferreira


1 SILVEIRA BUENO, Francisco. Minidicionário da língua portuguesa. 6ªEd. São Paulo: Lisa, 1992.

2 LAVILLE, Christian & DIONNE, Jean. A Construção do Saber. Editora UFMG e ArTmed. Tradução de Heloísa Monteiro e Francisco Settineri. Adaptação de Lana Mara Siman. Belo Horizonte- MG, 1999.

3 DURKHEIM, Émile; MAUSS, Marcel. “Algumas formas primitivas de classificação”. In: Ensaios de sociologia. 2ªEd. Trad. Luiz João Gaio e J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2001, p. 451. Obs.: Texto escrito em 1903.

4 Id, 455.

5 DURKEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. Trad. Carlos Alberto Ribeiro de Moura [et al]. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p.211.

Obs.: prefácio para a monografia de Sílvia Maria sobre a Ética das Verdades de Badiou.

Foto do Sol

Núcleo montado com papel A4 comum, lápis de cor e canetas hidrocor laranja e vermelho e base de papelão.
Céu de cartolina.
Raios montados com intertela (para fazer firmes golas e punhos de camisa) e tecido, costurados com linha de lã.
Confeccionado para o teatro A pipa e a flor, do Infomorro, em 2005.

Jean Bizzy

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Ditado popular

- Mãe o Carlos me deu uma rasteira hoje quando eu tava com a bola bem na cara do gol!

- É...

- Quero ver se ele ia gostar se eu fizesse o mesmo com ele.

- Por que você não vem almoçar?

- A pia está cheia de vasilhas sujas, mãe.

- Pois então, imagine que a pia é o mundo. E você é o ralo.

- As vasilhas são as pessoas e os acontecimentos. A torneira é a vida.

- Veja só o que acontece...

- Os restos de comida ficam no ralo... Mas pera aí! Eu sou o ralo!

- Pois é. Não permita que a vida deixe restos em você meu filho. Entendeu?

- Falou véia. Ôooo...

- Vamos, antes que a comida esfrie.


Jean Bizzy

Valor

Reflexão

“Mas os cuidados deste mundo, a fascinação da riqueza e as demais ambições, entrando, sufocam a palavra, ficando ela infrutífera.” Marcos 4.19

Valor

Os problemas e as situações dos outros podemos analisar. Dizer o que está certo, o que está errado. Selecionar quem merece ou não nosso respeito e consideração. Preocuparmo-nos, porque amamos a quem vemos sofrer.

Mas, o que sabemos realmente a respeito? Problemas dos outros, são sempre dos outros. Não quero incentivar o egoísmo, pelo contrário. Apenas afirmar uma coisa muito simples: não estamos no lugar do outro. Não lhes conhecemos os pensamentos, os sentimentos, as causas profundas e quem sabe pretéritas. Então qual a extensão do mal?

Vejamos André Luíz. Em um de seus livros, perguntou a seu instrutor porque não desfaziam logo o laço obsessivo que prendia duas criaturas: “Não podemos separar os dois irmãos sem seu mútuo consentimento. O passado que os prende não pode ser superado com violência”. Sexo e Destino por exemplo, é todo dedicado a solução de um desses problemas da alma. O livro inteiro para resolver o problema de uma moribunda que morre muito antes da última página? Não. Páginas e mais páginas para desatar eficazmente os equívocos de vários personagens ligados a ela. No plano espiritual, estes nossos amigos podem enxergar quem realmente somos, conhecer o teor de nossas ligações e a elevação de nossos sentimentos. Assim lamentam cada vez que nos afastamos deles a maior parte das vezes por nosso egoísmo e por nossa vaidade.

Problemas dos outros são sempre dos outros. Podemos nos colocar no lugar de alguém, contudo, nunca será a mesma coisa, embora consista em nobre exercício de compreensão. Aqui, onde estamos, não sabemos o que é ser um hebreu 5.000 anos antes de Cristo. O que é fazer parte de um povo escravizado. Não sabemos o que é esperar o príncipe dos exércitos para salvar seu povo e ter que aceitar que o salvador é um carpinteiro, em pleno domínio romano. Não sabemos o que é ser um suserano criado para julgar-se superior aos servos. Nem o que é ser burguês condenado pela Igreja por lucrar excessivamente. Quem sabe ter uma fogueira à sua espera porque descobriu a órbita terrestre em torno do sol? Ser sacerdote no séc.XVI, constantemente “convidado” a ceder a arrastamentos inferiores ou resistir e seguir os ensinamentos do Cristo.

Orgulho, egoísmo, vaidade, crueldade são defeitos, não valores. Valores são mais parecidos com prioridades. Não são sinônimos, contudo. O valor está ligado aos objetivos que nos regem a vida e a ação. É mais estável que a prioridade, que costumamos mudar periodicamente. A vida é feita de prioridades, dizemos. Pois os valores são a chave dessas prioridades. O valor é pessoal, social, histórico. Na maioria das vezes os valores estão ocultos pelo pouco conhecimento que temos de nossas próprias motivações. Pensando bem, se uma de nossas metas é o autoconhecimeto: O que valorizamos?

O valor é uma espécie de explicação que diz porque algo é nosso tesouro. Tesouro: algo muito importante para nós. Uma coisa pela qual somos capazes de sacrificar outra ou muitas outras. É uma questão de intensidade. Talvez por essa sutileza o valor esteja mais implícito do que explícito. Por trás dele pode estar a virtude ou o equívoco. Valores são combinações dos fatores fundamentais da dor ou da felicidade humana. O valor é um julgamento. E julgar o outro é dizer que os seus valores estão errados, os meus certos.

Logo, identificar o valor não se trata de fazer um juízo, dizendo que uma coisa é negativa porque não é a que julgamos positiva. Desculpem, pimenta nos olhos dos outros, é refresco, e muitas vezes, também é preconceito. A análise do valor não está aí, está na ordem do significado, entre a causa e o efeito.

Quem valoriza o eu crê que querer para si acima dos outros é a melhor forma de satisfazer seus desejos. Alguém que valoriza a ordem crê que a submissão é a melhor forma de mantê-la. Quem valoriza o paraíso crê que o sofrimento e a morte são os melhores meios de alcançá-lo. Quem valoriza meios e fins crê que conciliar o como e o porque é a melhor forma de cumpri-los. Quem valoriza a vida, quer preservá-la. E o mesmo valor muda conforme o tempo, o lugar e valores surgem conforme as épocas.

“Os valores são(...)representações mentais, representações do que é bom, desejável, ideal, de como as coisas deveriam ser ou procurar ser; são preferências, inclinações, disposições para um estado considerado desejável.

São nossos valores, mais que nossos conhecimentos, que fazem de nós o que somos. Pois nossos conhecimentos, quer sejam fatuais, conceituais ou teóricos, ganham seu sentido através de nossos valores(...).”1

Valores têm conseqüências morais. [1]

Fernanda Flávia Martins Ferreira

Grupo Espírita Irmã Ló,

11 de Abril de 2003.

Palestra Leis Morais

Progresso, Sociedade, Destruição e Conservação



1- LAVILLE, Christian & DIONNE, Jean. A Construção do Saber. Editora UFMG e ArTmed. Tradução de Heloísa Monteiro e Francisco Settineri. Adaptação de Lana Mara Siman. Belo Horizonte- MG, 1999.

Texto 1, favela

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO:

1) Lembrando da máxima doutrinária: “Fora da Caridade não há salvação”, qual é o papel do movimento espírita diante do problema favela, inclusive na evangelização?

2) Sabemos que a Igreja católica, igrejas protestantes, pentecostais e neo-pentecostais possuem forte atuação nas instituições políticas especializadas. O que você pensa a respeito da atuação das mesmas e qual é o lugar do espiritismo nesse contexto?

3) Qual(is) a(s) idéia(s) que você possui das pessoas que moram nas favelas em relação à sua situação espiritual e ao seu ambiente?

4) Além de participação política nas esferas formais as igrejas, como a católica, envolvem-se em movimentos sociais (também políticos) como as missões jesuíticas, o “Deus, família e propriedade” (antes do Golpe de 64) ou a teologia da libertação. Diante disso e através de seus conhecimentos prévios, faça uma comparação entre a atuação católica e espírita.

5) Como conciliar o ideal cristão de família universal e as particularidades culturais?

Fa-ve-la

Morros e “abismos” políticos

A favela como tantas outras propostas de intervenção constitui historicamente um efeito inesperado da política do branqueamento, praticada pelos republicanos no início do séc. XX com o objetivo de aproximar o Rio de Janeiro do estilo das cidades européias.

A disparidade entre teoria e dinâmica social era tanto maior quanto maior o contraste dos morros com o ideal de urbanidade, gerando a concepção da favela como problema sanitário, como corpo estranho a ser extirpado ou uma espécie de doença social que passou a construir a imagem que se tinha e existe até hoje sobre seus moradores. Importante é demonstrar que, certos aspectos geográficos e organizacionais da arquitetura dos morros foram transpostos automaticamente para sua cultura e traduzidos em uma concepção preconceituosa do ser humano, revelando de maneira drástica a capacidade que valores difundidos socialmente possuem de intervir nos acontecimentos, criando e reforçando a relações de exclusão/inclusão entre estabelecidos (moradores dos bairros) e outsiders (moradores das favelas). Percebe-se então que a proximidade geográfica nem sempre corresponde à proximidade cultural embora, a despeito das negações, ocorressem contatos constantes entre favelados e membros das classes médias, alta e mesmo policiais –atestando que a favela é e era parte da cidade- nossa primeira contradição (imagem dicotômica entre cidade e favela, refinamento e selvageria X Interações sociais ou convívio entre diferentes classes sociais).

A criatividade cultural e política, a capacidade de luta e organização dos favelados revelou-se a partir da expulsão das populações pobres dos cortiços, fazendo prevalecer especificidades como a capoeira e com que surgissem outras, como o samba e as escolas de carnaval. Isso desmonta qualquer idéia de que seja necessária uma pedagogia civilizatória ou lavagem cerebral mediante mecanismos de manipulação ideológica, baseada em ilusória superioridade cultural. É preciso desmontar essa imagem de escória e de coitadinhos arraigada durante décadas e estabelecer distinção entre fórmulas de conduta individuais (moral) e a diversidade cultural a ser respeitada –esta não pode ser reduzida à primeira, incapaz de resolver por si só e de forma prática, os problemas sociais.

Favela era problema sanitário e de polícia, o lugar por excelência da desordem aos olhos das instituições e dos governos. Em seu artigo, Burgos revela as concepções da favela e dos favelados em jogo nas políticas públicas de intervenção dos parques proletários e mais tarde, do favela-bairro. Vamos sumariar 50 anos de história: a proposta dos parques operários surgiu na década de 40, durante o Estado Novo, no Rio de Janeiro capital. Foi uma abordagem sanitarista, autoritária e de caráter excludente confirmando e fortalecendo a ausência de direitos sociais e políticos para a população dos morros –cujo analfabetismo não lhes permitia votar e o trabalho fora do mercado formal não conferia direitos sociais. Este autor demonstra que o assunto era tratado como um problema moral e um problema político, começando pela atuação da igreja católica com a fundação Leão XIII, no intervalo entre 1947 e 1954. A experiência de remoção forçada para moradias de baixa qualidade nos parques proletários e os controles invasivos das liberdades individuais constituiu estímulo a mobilização política dos moradores, criando comissões e associações, elaborando a identidade do favelado. As intenções da Igreja eram de cristianização, persuasão, ao invés de coerção, além de incentivo a essa vida associativa nascente, através do diálogo e da compreensão, em vez de conflito político. Era ambígua sua postura, pois seu assistencialismo neutralizou a luta pelo acesso a bens públicos, colocando no lugar da crítica, a resignação. Tudo isso redundou na cooptação das lideranças das favelas onde atuava a fundação, ou seja, passaram a ser intermediários entre o governo e os favelados, não intermediários entre os favelados e o governo.

O fim das políticas remocionistas (a favela nem fazia parte do mapa da cidade em 1937) teve por mola propulsora o projeto pioneiro de urbanização da Codesco (Companhia de Desenvolvimento de Comunidades), elaborado por volta de 1968, com uma abordagem mais ampla do problema favela, reunindo arquitetos, economistas e sociólogos, defendendo: “a posse legal da terra, a necessidade de deixar que os favelados permanecessem próximos aos lugares de trabalho, e a valorização da participação dos favelados na melhoria dos serviços públicos comunitários e nos desenhos e construção das próprias casas” (Burgos, 2003:35). Sua tentativa foi abortada por nova onda remocionista e a resistência dos favelados continuou, através da Fafeg (federação de favelas cariocas). O Favela-Bairro surge na década de 90, acelerando a canalização, serviços de água, luz, esgoto e pavimentação nas favelas. Porém o autor considera que, pior que o déficit de direitos sociais referentes à infra-estrutura são os déficits de direitos civis e políticos. Em 1990, por exemplo, apenas 3,7% dos domicílios em favelas possuíam títulos de propriedade.

Percebemos ao longo desta descrição o quanto idéias pautadas pelo preconceito etnocêntrico e pela naturalização de posturas (do tipo: “as pessoas moram na favela porque querem”) são cultivadas socialmente, constituindo base para elaboração de condutas e legitimação das ações governamentais ou religiosas (nos casos mencionados). A favela vista como lugar do subumano, covil de bandidos e da imoralidade contribuiu para apartá-la politicamente do contexto da cidade e, portanto, da cidadania, pois tomou a forma de uma atitude de recusa e eliminação do estranho e do indesejado, embora ocorresse o movimento contrário pela inclusão das escolas de samba no programa oficial do carnaval ou pela chegada da capoeira ao asfalto (culturalmente). Esquecendo que a favela é um problema civil, político, social, urbano, sanitário, moral e penal (pelo mercado das drogas ilícitas), nenhum deles, isoladamente. Gera paradoxos sociais e sociológicos, dilema entre a esfera pública e a esfera privada.

Fernanda Flávia

Observação: texto escrito para discussão no "Seminário Acolher e Semear, levando o Evangelho a crianças de periferia", realizado no dia 2 demaio de 2004, no Grupo Fraterno Irmão Eustáquio. Rua Turfa, 59, Prado. BH-MG.

Texto 2, Cultura


QUESTÕES PARA DISCUSSÃO:

1) Ao evangelizar, quais os resultados que você espera dos alunos?

2) Quais os limites entre argumentar, propor e impor uma idéia?

3) O que você entende por educar ?

4) A postura questionadora, crítica está ligada à postura transformadora? Como?

5) Qual deve ser a política espírita ao exercer suas atividades assistenciais com não espíritas? Fazer prosélitos ou simplesmente auxiliar?

bRiNcAnDo de antropólogo

O texto que vem falar não é para definir cultura mas para dizer que a cultura é uma conseqüência da sociedade e das implicações de sua diversidade na multiplicidade de contatos vividos atualmente.

Teorias pedagógicas de autores de orientação marxista como Piaget e Vygotsky classificam o desenvolvimento da criança relacionando-o diretamente às habilidades mentais ou processos psíquicos favorecidos pelo conhecimento formal. Ambos baseiam-se na “concepção de um indivíduo que atua na construção de seu conhecimento”(Lima, 1990:15) buscando, por isso mesmo conduzir o educando a uma atividade mental independente e autônoma em relação aos estímulos exteriores. Contudo, Piaget subordina o desenvolvimento psíquico ao desenvolvimento físico, enquanto Vygotsky enfatiza a importância das interações sociais, ou melhor, a criança só se desenvolve e aprende através do convívio com outras pessoas, aplicando a máxima de que o homem é um ser social. Outro autor, com discurso parecido, de sobrenome Charlot, escreve sobre uma concepção de ser humano eminentemente antropológica, como veremos a seguir. Para ele o ser humano, diferente dos outros animais não é tudo que deve ser pelo instinto, deve tornar-se o que deve ser: “nascer é estar submetido à obrigação de aprender” (Charlot, 2000:51). Mais que isso, afirma que a criança não a aprende se não quiser mas se quiser só aprende em sociedade –a causa de sua sobrevivência é adentrar neste mundo da cultura pré-existente. A condição humana é o vazio constante de completar-se evidenciado na Lei de Progresso. “O homem é um ausente de si mesmo. Carrega essa ausência em si, sob forma de desejo” (Id., 2000:52) Ah! E cabe a ele definir sua própria conduta. Daí, desse livre arbítrio, provém a diversidade das culturas humanas. É essa dimensão, a dimensão do desejo, que o aproxima dos demais autores pois seu esforço é o de mobilizar os alunos no processo de aprendizagem, no ato de conhecer. É preciso despertar o desejo. O método dialético, originado da apropriação dessas elaborações construtivistas baseia-se justamente na aproximação da situação ensino-aprendizagem daquilo que considera o mecanismo essencial da produção do conhecimento humano ao longo da história (ou seja, aproximando processos sociais de processos mentais): a necessidade é a mãe da invenção, o conhecimento só se origina pela colocação de um problema, um obstáculo. Para despertar o desejo deve-se gerar contradição entre representações, idéias e conceitos e a realidade, produzindo a necessidade ou demanda pelo conhecimento. Todo esse processo exige uma comunicação recíproca entre professor e alunos em que as ações de ambos repercutem resultados mútuos, conjugando emissão, recepção e resposta, além de uma relação professor-aluno menos autoritária e mais próxima. As operações mentais estimuladas no trabalho pedagógico são fundamentais para a identificação do que vem a ser a autonomia defendida por Piaget e Vygotsky. Estas são classificadas como inferiores –recordação, reconhecimento e associação e superiores –comparação, levantamento de hipóteses, crítica (busca das causas, origens), síntese, análise (abstrair, isolar elementos, compor totalidade, construir representações mentais que compõem o objeto de conhecimento), aplicação de conteúdos a diferentes situações fora do contexto de ensino. Daí perguntar-mo-nos sobre que tipo de comportamento nossa ação irá provocar nos alunos: mais passivo, priorizando a recepção/absorção pura simples ou mais ativo –que tipo de operação mental estamos solicitando/acionando/exigindo?

Por isso a definição do educador como aquele que ensina a pensar. Mas, quais as conseqüências sociais desse tipo de ensino? Já disse Paulo Freire, com sua pedagogia da autonomia, que ensinar é um ato político –pensemos nisso no caso da evangelização. Despertar o desejo requer também imersão na vida das crianças, para que possamos mais que entender (racionalmente), mas também compreender (sentir) seus problemas e demandas intelectuais e emocionais. O desejo de aprender não vem somente da descoberta do “não sei”, vem da produção de sentido e da atribuição de significado. Para que tais fenômenos aconteçam a distância entre o que se ouve na aula e o que se vive deve ser reduzida, transpondo a moral evangélica para a familiaridade do morro, da periferia. Foi o que um aluno de sexta série fez, em 1994, ao ser solicitada um paródia de clássicos da literatura infantil, pela professora de redação. Ele escreveu uma história chamada Cinderela do morro, que, infelizmente, nunca tive oportunidade de ler. É preciso que a moral evangélica faça parte de suas vidas (a relação que produz o significado, unindo a teoria à prática) que ela tenha fortes justificativas (o sentido). Porém, não podemos esquecer que conhecer não é só utilidade ou saber para que serve, é integrar-se ao mundo, imergir um pouco mais no espírito humano.

Já ouvi de histórias de evangelizadores que foram dormir com seus alunos nas ruas, conviver com eles, visitar suas casas. Eles agiram como antropólogos sem saber! Eles mergulharam no contexto cultural que lhes era próprio, desvendando que não há liberdade absoluta, principalmente diante de condições tão difíceis e acontecimentos tão duros. Mas por quê? Antrópologo tem um negócio chamado de observação participante no qual procura vivenciar a cultura alheia como se fosse membro dela. Ou seja, se tiver pagode no bar e ele(a) não souber sambar, vai lá, assim mesmo, “pagar o mico”. Se tiver baile funk ou churrasco ele(a) procura falar, vestir, se comportar e estar na turma como qualquer outro. Para familiarizar-se com o estranho e estranhar o familiar (que é sua cultura de origem, seus próprios hábitos, formas de pensar e agir). É um movimento de sintonia perseguido pela experiência. Entretanto, um antropólogo, por mais que participe, jamais será como um nativo da outra cultura tanto quanto é nativo daquela em que nasceu, a observação participante é uma ocasião provocada artificialmente.

No caso específico da evangelização o objetivo é produzir empatia através da experiência compartilhada e elaborar os conteúdos de forma que eles possam ser apropriados pelas crianças –com a mediação indispensável de suas interações sociais e seus desenvolvimentos psicológicos. Quebrar a barreira existente entre as diferentes classes às quais geralmente pertencem evangelizadoras(es) e evangelizandos.

Fernanda Flávia

Observação: texto escrito para discussão no "Seminário Acolher e Semear, levando o Evangelho a crianças de periferia", realizado no Grupo Fraterno Irmão Eustáquio, no dia 2 de maio de 2004. Rua Turfa, 59, Prado. BH-MG. A figura foi desenhada por mim como proposta de logotipo para o Grupo.

Texto 3, Cidadania

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO:

1) Como você acha que pode ser mudada / melhorada a situação dos excluídos?

2) A sociedade, ou seja, nós, somos responsáveis pelas desigualdades sociais existentes no país?

3) A transformação moral dos indivíduos é suficiente para promover a transformação da sociedade? Em que sentido? (Ver p.110, Drogas e cidadania)

Cidade-dania

Weber na seção 7 de seu livro Economia e sociedade, fala da gênese das cidades européias desde a Idade Média, demonstrando porque diferenciava-se de tal forma das cidades antigas e de outras partes do mundo. O período medieval nunca foi constituído pelo total isolamento dos feudos, cujas linhagens nobres formavam frágeis reinados, baseados na superioridade militar de um brasão sobre os demais. As cidades nascentes de então, foram compostas gradativamente por camponeses e artesãos (vassalos dissidentes), mercadores e pequena nobreza, dentre os quais muitos eram cavaleiros sem senhor. Essa composição heterogênea reunida em diversos povoamentos chamados burgos. Os burgos localizavam-se em terras senhoriais e eram obrigados ao pagamento de pesados impostos. Delineava-se então uma causa comum: libertar-se do feudo. E a liberdade, a independência deste modo esteve presente, como germe de um sistema legal igualitário regulando a vida dos CIDADÃOS. Em geral, nenhum deles estava em posição de superioridade ou inferioridade social extrema, mas isso não se deu da noite para o dia.

O marco histórico de origem da cidadania pode ser determinado pelo processamento intelectual de suas bases teóricas, o que ocorreu na Inglaterra do séc.XVII, país pioneiro na Revolução burguesa e na separação entre igreja e estado (laicização). São eles importantes representantes (ingleses) do jusnaturalismo: Hobbes e Locke. Ambos colocavam a sociedade civil como originada da passagem do estado de natureza para estado civil através do contrato social. Em contraste com Hobbes, Locke não entendia o estado de natureza como desordem ou guerra de todos contra todos, considerando a existência dos indivíduos como anterior ao surgimento do Estado. Daí sua concepção individualista, na raiz da teoria liberal. Para ele os direitos à vida, à liberdade e à propriedade são naturais porque em seu estado de natureza o homem já os possuía. Para Locke o contrato pode e deve ser rompido, quando o governo não cumpre suas prerrogativas perante os cidadãos. Rosseau afirma que a passagem às liberdades civis foi a passagem à servidão, colocando na propriedade a origem da desigualdade –mas o que difere a liberdade civil da liberdade natural é “obedecer a lei que se prescreve a si mesmo” (Nascimento, 196).

A laicização é a perda e o impedimento do domínio da religião sobre o estado e do estado sobre a religião. A secularização é a perda da hegemonia religiosa na explicação dos fenômenos sociais e naturais e nas instituições sociais, como escolas e hospitais. Dizemos isto porque Zaluar, ao discutir sobre duas concepções de mal, o mal encantado da tradição judaico-cristã e muçulmana (mal e bem absolutos) e o mal secular (bem e mal relativos, misturados nas mesmas entidades ou pessoas), afirma que foi possível o surgimento do mal secular através da ambigüidade do dinheiro no mercado capitalista, origem de todo mal, ou origem de todo bem. Porém, mais que isso, o mal secular se consolidou pelas limitações institucionais e morais (na sociedade) além do fortalecimento do igualitarismo imposto às forças destrutivas do mercado, estendendo a igualdade perante a lei e “a efetiva extensão de direitos a cada vez mais setores da população” (Zaluar, 1999: 105).

O cidadão é um sujeito que possui direitos e deveres, liberdades individuais ou negativas e liberdades democráticas ou positivas. As polêmicas sobre a legalização do aborto, casamento homossexual e a criminalização do consumo de drogas ilícitas, são exemplos que comprovam não haver clareza dos limites entre esfera pública e privada (até onde o Estado pode e deve intervir) bem como até que ponto condutas individuais prejudicam e ameaçam direitos sociais, inclusive à segurança – isso no que diz respeito às liberdades negativas ou direitos civis (os primeiros a ser historicamente conquistados) dados a qualquer pessoa adulta, de ambos os sexos que variam de país a país mas são basicamente: liberdade de ir e vir, liberdade de culto, liberdade de expressão, direito de propriedade e de preferência sexual (da década de 60 para cá). As liberdades democráticas ou positivas relacionam-se a definição de democracia: governo do povo. Assim, define-se pela participação em decisões coletivas, que dizem respeito ao participante e a todos os demais integrantes da sociedade à qual pertence determinado Estado. A participação não se restringe ao voto e a formação de maiorias, nem as decisões passam somente pelo sim e pelo não a certas propostas –este é outro ponto problemático para o nosso Brasil, cuja herança autoritária, de concessão de privilégios e apropriação privada de bens públicos ainda é forte. Então passamos a tratar de direitos políticos, de vocalizar preferências e reivindicações nas instituições políticas especializadas (elegibilidade, poder de agenda, organização partidária, controle dos governantes pelos governados, informação). E, finalmente, chegamos aos direitos sociais, destinados a garantir condições indispensáveis à sobrevivência e ao desenvolvimento das potencialidades humanas que são trabalho, educação, saúde e moradia.

A questão da cidadania transita por discussões que relativizam os pressupostos de igualdade da democracia e buscam conciliar direitos abstratos e universais (da concepção da condição humana) e direitos específicos e concretos de grupos sociais como a negritude e os indígenas. O Estado moderno e seus fundamentos liberais foram conduzidos ao longo da história a situação de um Estado paternalista e providencial, responsável pelo cuidado da sociedade e também por todos os seus conflitos e mazelas, constituindo uma cidadania passiva, meramente receptora e de concessão das ações (muitas através do silêncio) estatais. Zaluar em seu artigo Exclusão e políticas públicas contrapõe-se a essa noção com a de cidadania ativa –em que o estado dá, o cidadão recebe e retribui a sociedade, num ciclo de reciprocidade.

É importante retomar que, em verdade, muitos brasileiros estão destituídos ou jamais tiveram direitos civis, políticos ou democráticos. É o que acontece com a maior parte de nossa população pobre, a que mais sofre com a inflação do poder policial, o poder paralelo e a violência.

Fernanda Flávia

Observação: este texto foi escrito para discussão no "Seminário Acolher e Semear, levando o Evangelho a crianças de periferia", realizado no dia 2 de maio de 2004 no Grupo Fraterno Irmão Eustáquio. Rua Turfa, 59, Prado. BH-MG.

Uma questão de significado...

A ONU resolveu fazer uma pesquisa mundial. A pergunta era:

“Por favor, diga honestamente qual a sua opinião sobre a escassez de alimento no resto do mundo.”

O resultado foi desastroso. Um total fracasso.

· Os europeus não entenderam o que é “escassez”;

· Os africanos não sabiam o que é “alimento”;

· Os argentinos não sabiam o significado de “ por favor”;

· Os norte americanos perguntaram o significado de “ resto do mundo”;

· Os cubanos estranharam e pediram maiores informações sobre "opinião”;

· E o congresso brasileiro ainda está debatendo o que é “honestamente”.

Autor desconhecido

Número 1 Sociologando

Voluntário e ideologia

A primeira noção que a experiência me chama a discutir aqui é a de trabalho voluntário. A ela darei as dimensões da experiência pessoal, partindo de uma definição básica: trabalho feito sem remuneração.

O problema fundamental é que sem remuneração não significa sem responsabilidade. E o fundo desse desvio é talvez a falta de um ideal compatível ou de crença naquilo que fazemos. Ou então a idéia de que não é preciso esforçar-se. Haverá sempre quem faça isso no meu lugar. De modo que faço o trabalho por mim, não pelos outros, posso fazer a hora que “puder”. Muitas vezes chamamos de posso simplesmente o momento em que queremos. Velha frase: a vida é feita de prioridades. Ser voluntário pode ser um apêndice mas que ao aceitá-lo estejamos realmente dispostos a ele. Quem faz as coisas pela metade acaba sendo uma metade humana...

Convenhamos, nenhuma causa vai para frente desse jeito. Ideologia não é fazer algo para mostrar aos outros que somos bonzinhos. Ideologia é ter convicção de que podemos mudar para um pouquinho melhor o mundo com aquilo que fazemos, dentro do que acreditamos ser realmente bom para este mundo. Como adotar um ideal ao abraçar uma tarefa se nem sabemos qual é? Seria preciso antes estabelecer qual é a importância e o propósito de uma organização e fazer com que todos os envolvidos ou dispostos ao envolvimento estejam cientes desse propósito.

“À vida não basta ser vivida, para ser intensa, tem que ser sonhada”. Já disse Mário Quintana.

Em sociologia vivemos discutindo a ideologia. Como um PROBLEMA. O envolvimento é colocado por muito como um grande fantasma das ciências humanas. Contudo ele é necessário e inevitável em alguns momentos do trabalho. Na escolha de um tema e de um objeto de pesquisa por exemplo. Nas perguntas que fazemos através das teorias, há muito de nossa vivência pessoal. No momento de “ir à campo” ou melhor, de verificar se as coisas são como pensamos (hipóteses) precisamos estar atentos para registrar o máximos de detalhes. Abertos e humildes diante do fato de que podemos estar enganados. No fim, estar enganado em maior o menor grau ou ver que o fenômeno é mais complexo do que esperávamos é mais prazeroso do que a arrogante frase: “Viu, não disse?” Pelo menos no conceito que possuo de cientista é este o lugar da descoberta. Não adianta dizer para a verdade “eu já sabia”, ela existe independente de você.

Ao contrário do campo acadêmico a ideologia na religião é a princípio boa. Porém, assim como na ciência chegam sempre os momentos em que nossa ideologia será testada em suas compatibilidades com o meio social. Como o socialismo real. De vez em quando após percorrermos um caminho em determinado tempo “reajustar a visão e procurar o rumo certo”. Avaliar, questionar o ideal. Ele é a base mas não precisa ser o mesmo para sempre. As coisas mudam.

Assim como na ciência e no caráter científico do espiritismo o distanciamento é um instância reguladora de nossas ações. Na qual a imparcialidade é o instrumento para responder a seguinte pergunta: onde estamos indo? Afinal, onde queremos chegar com isso tudo? Não podemos nos esquecer da base, são as peças fundamentais do jogo. De seu movimento, depende o progresso.

Fernanda Flávia

19/10/2003

Rap JC

Quando criança ele era um anjo

Pintando o sete em Nazaré!

Quando jovem inspirava confiança

Quando adulto completou 33

E abrir o jogo resolveu

Juntou uma turma da pesada

Cujos nomes, vamos falar agora

Pedro e André, Tiago e João, Bartolomeu e Filipe, Tome e Mateus, Tiago e Tadeu,

Simao e Judas.

Depois essa galera se espalhou

Para anunciar a lei de amor

Belo dia Jesus os convidou

Para tomar um lanche em sua taba

O pão era pouco, então dividiram

O vinho era muito, mas ninguém ficou tonto

Jesus nesse momento, o futuro contou

Judas tinha grande senso de justiça,

Mas não conhecia Jesus pra valer

Pedro na hora H amarelou

E o povo judeu, Jesus crucificou

Pera aí mano, Pilatos era romano

Foi ele quem, lavou as mãos

Deixemos de lado esta discussão

Voltemos ao dia do nascimento:

____________________________________

A estrela guia levou os reis magos

O caminho era deserto

Não havia outro lugar

As vaquinhas rodeavam o Mestre e Maria deu a luz

São José O recebeu

No dia que Jesus nasceu

Fernanda Flávia

Livre-se Lave-se

A maledicência processa em sociedade a dor sobre a qual somos cegos em nós mesmos e o silêncio estupefato diante da dor que o outro nos joga em rosto; é a dor contra a qual somos impotentes. O excesso de ação que há em uma é a falta de reação que existe na outra (ou então aquelas reações débeis, comuns). Da primeira nos livramos, da segunda nos lavamos, mas se a primeira é suja, não podemos passar sem a necessidade do lavatório da segunda. E se a segunda não nos diz respeito, não podemos passar sem a sujeira da primeira, não sentindo nada.

A cada cidadão que lê este testemunho, livre-se lave-se.

Suporte a dor de ser mal falado, falando, suporte a dor de não sentir nada por alguém, sofrendo. Refestele-se no seu ser humano e apesar desta ordem inútil pense que o seu livramento não custa mais que uma lavagem e que, enquanto você se lava, outro se livra.

Fernanda Flávia

01/10/2006

Writing doll


To Corinne D. Rodrigues

Behind the car and the Box for coins,

a doll was born.

She didn’t have a name,

today she doesn’t have a theme.

She was a queen behind glass,

today any doll among others.

She felt alone,

she felt had done something wrong.

She kept love in her heart,

then ask her owner to set her free.

Her owner was God

too little

is five.

Once upon a time

a little girl,

that traveled a lot.

She’s from U.S.A,

She went to Brazil.

She’s from samba,

she left rock’n roll.

It dances too badly,

but it spread charming everywhere.

She hasn’t been queen.

Her owner plays without moving.

Her owner can’t move.

But she’s too glad.

God isn’t sick or sad.

The writing doll,

has been a book.

Fernanda Flávia

Poema de homenagem

Dedico esta poesia ao aniversário de 55 anos da Mocidade Espírita Maria João de Deus

Mania de espírita

Colocamos nas regras

a responsabilidade das nossas decisões.

Assim nos escondemos,

fugindo aos testes de sabedoria.

Esquecemos.

Que as regras foram feitas para e pelo homem,

não o homem para as regras.

Vestimos a máscara de defensores da moral e dos bons costumes,

para através da doutrina,

condenar o outro.

Ah! Que coisa feia, que papelão...

Negamos a política e os políticos.

Confortavelmente damos vazão

às nossas politicagens.

Cargos, status

Oh! Fulano de tal, é o TAL.

Guerras sutis de vaidades.

Encontro, que coisa boa!

Nada a reclamar dos MOMENTOS de fraternidade.

Idéias são sempre idéias

Quando novas,

quão bizarras.

Quase sempre não não não.

E negamo-nos ao risco,

de avançarmos no bem.

Origens duvidosas.

Novatos,

aparentes anormais.

Inválidos até que provem o contrário.

Kardec última palavra.

Em todos os assuntos,

definitivo.

Pretexto de fidelidade.

Realmente, pensar dá muito trabalho.

Buscar novas relações,

No horizonte infinito.

- A evolução é prêmio de quem evolui.

- Muito bem. Sou mais evoluído que você.

Etnocentrismo alado.

Porque, ora, espírita voa.

Imagina, ainda tem gente que compra terreno no céu!

Adoro tarefas,

Quando eu desencarnar...

Presta atenção no que fazes das palavras.

Elas são morte e vida de um poeta.

Eleição dos iletrados.

Passagem dos sábios.

Salvação dos que têm olhos de ver.

Espírita

Mania de espírita,

não é mal sem solução.

E para que esteja,

sem qualquer santidade,

e evitar, o vício-criticismo:

A pimenta também arde nos meus olhos.

E para que não esteja,

em completo pessimismo,

Companheiros, aí vai uma sugestão:

Amar pelo amor.

Simples não é?

Jean Bizzy

22/09/2003

Ressaca de um coração partido

Mau humor

pequenezas cortantes, mas inúteis

para despertar

Nenhuma beleza

tradicionalmente poética

nem relances cósmicos

nem jiló à mesa

Pátria desolada e ridícula

de conformidade insana

puft!

Ora... Puramente normal,

de tão ordinária

Quem, eu?

Calisto desenterrado

casulo desenfreado não

Uma temível

horrível sensação

DE NADA

De romantismo extinto

de paixão explícita

e de pó de estrada

Só isso e,

mais algumas migalhas,

Insosso, insípido, inodoro

Uma dor atrás da moita,

que encolhe com o tempo.

Jean Bizzy

Estrela

Fulano encontrou com beltrano,

Um fazendo nada,

Outro coisa nenhuma.

Era uma manhã ainda despoluída na Terra.

Flores, frutos reluzentes.

Aves cantoras retiniam os galhos.

De repente, um fenômino agita as massa!

Um homi si distaca!

Istrumento da coltividade!

Ispressão de um momentio historico...

Todo mundo gostava dele sô...

Uma colrrente soçal consoldaria o fátio!

Nas taverna, nos prostíbluo, nas casa de jógo.

O cara era mó popular meu!

Só porque falava meia dúzia de palavra bunita,

E num rôbava a mulhé de ninguém!

Num dava parpite no guverno.

Num incomodava os rico.

Simpatizava cos pobre.

Num incomodava a famía...

Num trabalhava no sábadu,

enrolava nos restante...

Sempre mui cheio di prosa,

Mui sabedor di tudo,

Devassava o céu,

Os mistélio da morti.

Explicava a chuva...

Mixia cos uma bolinha ingraçada...

- É, dizia Qui era mamática..

Naum, era a Mona.

- Mas a Mona num ficô lisa?

É passarum a mão no dinheiro dela... É Monas, Lisas, mistélios disvendado, esse cara revolucionô!

- Mas, tu sabe quando ele morreu?

Eu? Eu não.

- Uai...E o indereço?

Xiii...

- O nome?

Carambola!!! Cê num sabe Qui eu inventei tudo não é?!

- Ah! É?

Só ocê mermo pra crêditá Qui arguém vai ficá famoso levando a vida Qui nóis leva.!

Pois é,

Jesus ficou famoso assim,

Sem calçada da fama,

Sem glórias nem conquistas.

“Olhai os lírios do campo,

eles nem tecem nem fiam,

mas nem Salomão,

em toda sua glória,

se vestiu como um deles”

Jesus vestiu as bênçãos do céu,

E foi instrumento divino.

Jesus trabalhou,

Mas, sem aflição.

Jesus semeou,

Abundantemente.

Jesus devassou almas,

Transpôs vales,

quebrou correntes.

Por amor.

Jesus não foi um qualquer,

Qualquer um não foi Jesus.

Mas era.

Quem vê um gênio num corpo medíocre?

Ou um sábio numa choupana?

Ele foi,

Homem do povo.

Hoje é,

Homem da lenda.

Amanhã,

Espírito da vida.

Ele espera,

A colheita do senhor.